Controle

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A noite parecia uma eternidade. Minha mente buscava sanidade, mas enclausurada naquele lugar era impossível.
Christopher tinha ido embora, me deixando um copo de água e um analgésico. Como se toda a sessão de tortura não tivesse acontecido.
Ele fazia isso com frequência. Havia nuances de humor, num momento era violento, no outro era completamente diferente.
Era tão imprevisível ... isso dificultava qualquer plano que eu pudesse criar.

Lembro da humilhação que passei e principalmente da confissão dele. Uma criança maltratada, passando por tantas coisas. Nada justifica os atos cruéis dele, mas também nada justifica o que ele passou.
Se ele era capaz de matar os próprios pais, eu e minha família não éramos nada.

Lembro que minha mãe falou que havia quatro corpos, mas visivelmente Christopher está vivo, e o caçula Josh foi atropelado. Faltava os pais, que ele confessou ter matado. Mas algo não se encaixava, pois havia dois corpos que estavam lá também. Poderia ser do outro irmão dele, mas ele disse que amava eles, não ia matar um deles. E o quarto corpo era um total mistério.

Eram tantas dúvidas, mas pra ter todas as respostas eu precisava aguentar o que ele estava preparando pra mim.

Eu adormeço e entro em um transe.

***

— Ora, ora, ora. Parece que você baixou a guarda esta noite. Eu consegui entrar no seu espaço mental livremente.

Escuto a voz de Christopher na minha cabeça, mas não consigo vê-lo, está tudo escuro.

— Como assim?- pergunto

— Eu consegui te abalar e você deixou uma brecha aberta para eu poder entrar. Agora eu posso fazer tudo que eu falar se tornar real na sua mente.- a voz parecia ter eco.

— Sai daqui! Sai da minha cabeça ! - eu grito inutilmente.

— Mas ainda nem começamos. Você deveria ser mais receptiva.

Eu fico em silêncio, tento me concentrar pra acordar, mas não consigo, estou presa.

— Lembra de quando sua mãe disse que você era louca? Ah, ela sempre te achou uma lunática, sempre com pena de você. Não foi dificuldade nenhuma ela ter trepado com o seu namorado. Ela sabia que ele merecia coisa melhor que uma doida feito você.

— Não, não, não! Cala a boca!- eu me desespero, tento tirar aquelas palavras da minha mente.

— Ah...o Aaron, quando viu sua mãe ficou completamente apaixonado. Nunca sentiu nada parecido POR NINGUÉM. Você era apenas um passatempo bonitinho, mas quando começou a dar trabalho, não parecia ter mais utilidade.

Eu fico em silêncio, não conseguia formular mais frases.

— Você odeia eles. Odeia cada pessoa que te olhou com pena, cada frustração, cada paranoia que te acusaram estar tendo. Você odeia todos eles. Odeia Max por ter mentido pra você, por ele ser tão babaca com você, por ele ter transado com sua prima. Você odeia todos eles.

— Sim.- falo como um sussurro e num estalar de dedos eu acordo.
***

Abro os olhos e vejo o teto escuro. Sinto alguém tocar minha perna e eu me assusto.
Christopher estava tirando o grilhão do meu tornozelo.

— Vamos caminhar. Não tente nenhuma gracinha.- ele adverte.

Ao me soltar, sinto alívio por esticar as pernas sem nada me impedir. Ele estende a mão pra me ajudar a levantar, mas eu me levanto sozinha.
Ao me levantar sinto minha cabeça girar. As palavras dele ecoando na minha mente retornam e eu fico confusa.

— Você... você falou comigo ontem? Eu não... eu não sei... argh. Minha cabeça. - eu disse botando a mão na testa.

— Vamos. - ele pega no meu braço e me direciona para a porta.

A luz do sol irradia nos meus olhos, eu estreito eles para poder ver melhor. A mesma floresta, agora tão iluminada, tão bonita.
Ao caminhar pelo chão instável, ele aperta meu braço.

Onde estávamos indo?, pensei

Os pássaros cantavam alegremente, sentia o cheiro doce de seiva e de umidade. Aproveito enquanto posso sentir aquilo.

Depois de alguns minutos ele para e me solta. Vai até uma pedra e tira um arco e aljava. Eu franzi a testa.

— Lembra do nosso acordo? - ele pergunta

— Claro.

— Está na hora de você fazer outra coisa.

— Mas dessa vez eu escolho o que você vai me dizer.- digo rapidamente.

— Como quiser... você vai atirar de arco e flecha e se acertar eu posso te dar um bônus.

Por que ele queria que atirasse com aquilo? A minha cabeça estava muito confusa, meus pensamentos super embaralhados. Como se alguém tivesse bagunçado minha mente.

— Eu não sei atirar. Pra que você quer isso?

Ele me dá o arco e uma flecha, eu sinto o material um pouco pesado. E muito maior do que imaginava que era.

— Essa é a pergunta que você quer que eu responda?- diz ele num tom irônico

— Não, quero saber de quem são os corpos que foram achados depois do incêndio.

Ele aperta uma das mãos, mas logo relaxa e caminha até ficar atrás de mim.

—Muito bem. Agora passe a flecha pela corda do arco. Estique ela pelo braço direito, segura o arco firme pela mão esquerda. Levanta o cotovelo. Olhe o alvo.

— Que alvo? - pergunto segurando a flecha perto do rosto.

— Aquele tronco ali na frente.- ele aponta e ele toca meu cotovelo.

Eu solto um ar exasperado, odiava o toque dele.

Eu miro no tronco, mas meus olhos não conseguem focar. A aproximação dele me incomodava, queria ele longe de mim.

— Eu não consigo mirar. - digo frustrada

— Pense no rosto da sua mãe. Mire nela, atire nela. Você a odeia.- ele disse aproximando sua voz para perto do meu ouvido.

Isso acionou um botão de alerta na minha cabeça. Todas as lembranças que eu tinha com a minha mãe começaram a surgir na minha mente, como um filme muito rápido. Escuto a voz de Christopher. Eu sinto tontura, não consigo identificar nada.

— Odeio?- penso em voz alta, eu estava muito confusa.

— Sim, você odeia ela. Atire.- ele sussurrou por cima do meu ombro e eu soltei a flecha.

A flecha cravou o tronco em cheio. Eu suspiro.

— Eu acertei. - falo meio confusa.

Ele pega o arco da minha mão e põe de volta na pedra. Eu memorizo.

— Boa menina.- ele faz uma pausa- Dois daqueles corpos são meus pais, o meu outro irmão Christian e um homem são os outros dois corpos. Naquele dia eu descobri que meus pais iam vender o meu irmão mais novo para aquele homem que morreu no incêndio, ele foi na minha casa pegar o meu irmão. A única forma de salvar ele de ser levado era matando todo mundo...- ele olhou pra mim esperando algum tipo de reação, mas eu me mantive em silêncio.

— Os meus pais odiavam o Josh porque ele era deficiente. Eles escondiam ele das pessoas, das fotos de família...- eu o interrompo

— Mas e o seu outro irmão? Por que matou ele?

— O Christian nunca quis me ouvir, ele morreu porque decidiu ficar. Ele é o responsável.

Ele sempre fez isso, não se responsabilizar pelos seus atos, agir cruelmente e se livrar da culpa inserindo ela na vítima. Era completamente perturbado.
Ele caminhou para perto de mim e segurou meu braço.

— Hora de voltar.

Venha Até Mim (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora