Estou indo

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A cena poderia nunca sair de nossas mentes

A imagem dele deitado sobre a cama encharcada de sangue

O desespero da minha avó ao se ajoelhar diante daquele espanto

O tempo parecia ter pausado naquele instante

Meus olhos focaram no corpo do meu avô sem vida, inerte,violado,desfigurado. Os gritos de horror estavam abafados pelo meu pavor, estava eu paralisada em frente à cama, sentindo-se exposta, inútil a toda aquela situação.

Depois de muito tempo, levanto o olhar e percebo o quão cruel aquela cena parecia. Na parede, uma frase escrita com carvão vegetal. Grosseiramente.

"Tudo vem
Quando te convém"

Estreito os olhos, em busca de pistas do porquê estava ocorrendo aquela barbária, mas tudo não fazia sentido. A frase, as aparições do assassino, Aaron aparecer de repente...

Sinto minha pele roçar algo quente, vejo a mão de Max passar pelo meu ombro, seu rosto transparecia dor e acolhimento.

— Eu levei sua avó pra outro quarto, vamos, você não deve ficar aqui.- sua voz era rouca, quase um choro.

Passei mais tempo do que devia ali, um transe doloroso e confuso.

Baixei o olhar e suspirei. Estava desolada, a dor se transformava em nós na garganta.

—Ele vai pagar por isso.- sussurrei pra mim mesma, mas Max ouviu.

Ele me enterrou numa abraço forte.

— Nós vamos fazer isso.- disse determinado.

Naquele momento era crucial manter todos vivos, de alguma forma ele podia entrar na casa através das fotografias ou por outras maneiras, já que tiramos todas que estavam a vista .

E eu sabia que devia usar ao meu favor o contato...ou obsessão que ele tinha comigo. Todas as vezes que tínhamos nos encontrado ,ele mencionou a minha família, mas não eu. Por algum motivo, me matar não era seu objetivo. Mas eu não deixarei que ele mate a minha família.

— Ele não quer me matar.- digo ainda nos braços de Max, que me solta para me olhar nos olhos.

Ele me olha como se tivesse mais clareza.

— Claro, ele teve a chance de te matar ontem, mas você tá aqui, assim como lá fora ele poderia ter te alcançado...- ele coçou o queixo, movendo os olhos rapidamente.- Por que?- ele me lançou um olhar confuso.

Não lembro quando foi a última vez que vi Max tão sério, tão concentrado. Mas as circunstâncias pediam isso, a dor permitia isso.

Sua confusão era a mesma da minha, porém mais recente. Tudo parecia tão natural, como se a vida toda eu estivesse esperando isso acontecer. O peso de ter alucinações, sensações estranhas, não me serviam agora, me fortaleciam.

— Não faço ideia, mas acho que tem a ver com algo que minha família fez, algo ruim, ele mencionou que "eles" deviam pagar, uma espécie de vingança.- digo com cautela.

Sinto que as paredes me ouvem, que a madeira nos pés denunciam minha localização, tudo parece estar vivo. Ele parece sempre à espreita, escutando, premeditando seu próximo ataque, mas eu preciso ser mais rápida.

— Então devíamos perguntar a sua mãe.- ele fala baixo, com medo da minha reação. Isso me faz lembrar a situação que estávamos antes disso acontecer, parecia não ter tanta importância agora.

Max percebe a minha hesitação e cobre minha fala.

— Eu sinto muito, Madeleine. Eu só quis o teu melhor, e descobrir uma traição dessas num momento tão delicado quanto a sua recuperação, não parecia ser o certo. - disse repousando a mão sobre a minha. Seus olhos procuravam respostas nos meus, mas eles estavam distantes demais para os acolher.

—Se não se importar, não quero reviver isso agora. Vamos sair desse lugar, vivos.

Tiro bruscamente a minha mão da dele e me dirijo ao corredor, viro pela última vez em busca de algo que não seja real. Mas a quietude me diz que meu querido avô se foi, pra sempre.

Max tinha razão, a única que podia me dar respostas era minha mãe, apesar de tudo que havia descoberto. Havia algo maior a ser combatido, mas era impossível não sentir meu estômago fervilhar ao pensar no assunto.

Bato na porta do quarto dela, dois toques. Sem resposta. Fico preocupada, meus pensamentos vão logo para o pior e não penso duas vezes ao escancarar a porta.
Vejo minha mãe abraçada com Aaron em cima da cama, meu coração gela, minha respiração para por alguns segundos até eu recobrar a minha consciência.

Eles rapidamente se separam, os olhos dela estavam vermelhos, inchados do choro, sua expressão é de culpa. Ele endireitou a postura e olhou nos meus olhos. Típico dele, tentando parecer calmo e charmoso.,pensei.

Era quase como enojada o sentimento que estava sentindo. Mas tentei concentrar meus pensamentos na imagem de Rose sendo morta por uma flecha na cabeça, no meu avô degolado na própria cama. Nas próximas ações do meu assassino.

— Preciso que me diga se vocês fizeram algo ruim no passado, esse assassino está buscando vingança. - digo firmemente, sem aparentar dor na voz.

Ela arruma o cabelo pra trás e me olha confusa.

— Não sei do que você está falando, eu e nem ninguém da nossa família ja fizeram algo ruim.- ela estava mentindo, sabia disso quando movia muito as mãos no ar.

Cruzei os braços e a encarei, depois segui os olhos para Aaron. Queria mostrar a ela que ela não é tão santa quanto diz ser.

— Nem você acredita no que fala, olha só, parece que nem todo mundo dessa família é santo como você diz.- digo ironicamente.- Agora por favor, me fala o que aconteceu aqui.

Max aparece ao meu lado e põe as mãos no bolso.

— Isso é muito importante para entender o que está acontecendo.- diz ele mais calmo do que eu.

Ela suspira e me olha com súplica.

— eu sinto muito minha filha, por favor, foi um erro terrível, nunca quis te machucar, eu te amo,você é minha filha! - ela veio até mim e pôs suas mãos sobre meu rosto.

Desvio o olhar para saciar minha curiosidade mórbida de ver a reação de Aaron ao ouvir que ele foi erro, lá no fundo eu queria que fosse mentira, que fosse um caso sem importância, mas o olhar de tristeza dele me confirmou que ele a amava de verdade. Como um dia me amou.

— Me diz o que houve ,mãe. - digo ignorando suas súplicas. Eu sabia que isso iria gerar mais dor.

Ela solta meu rosto e suspira.

— Foi um acidente, seu avô nunca quis machucar ninguém, eu duvido que tudo isso tenha a ver com aquele acidente horrendo, ninguém sobrou para vinga-lo.- ela parece ter se dado conta do que disse e franziu a testa.

— Que acidente ?!- insisto para que ela continue.

Ela dá de ombros e sentou na beira da janela. Aaron vai até ela e ajoelha em frente dela, assim como fazia comigo quando estava perdida nos meus pensamentos . Respiro mais forte. Eles parecem estar se falando, mas não escuto nada.

Sinto a raiva crescer sobre meus punhos e os fecho com força.

— Tem um homem querendo nos matar e você não está ajudando! Será que você poderia parar de se inflar com todo o seu remorso e fazer algo que nos ajude?!- grito em direção a ela, mas Aaron se levanta e se põe a sua frente.

Ele me olha preocupado e determinado.

— Não grita com ela, você não vê que ela acabou de perder o pai? E está com medo de ter perdido você também...Ela vai te explicar, só precisa de um pouco mais de tempo.

Olho para ele incrédula, ele a defendia sem o menor pudor. A minha tentativa de jogar esse assunto pra escanteio estava fracassada, eu sentia raiva, tristeza, revolta. Mas eu precisava canalizar isso, ser determinada em sair daquela casa, fugir daquela situação, fugir deles.

Venha Até Mim (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora