Acordo

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Meu corpo cai no chão com o impacto. Ele havia me dando um tapa tão forte que meus olhos reviraram. A minha fraqueza já estava no ápice.

— Você acha que pode impor condições aqui? Pois eu quero que você beba essa água e você vai beber.

Ele parte pra cima de mim, eu tento recuar, mas ele segura a mão com força nos meus cabelos e me puxa para perto de seu rosto. Minha feição é de ódio, mas parece que isso que o diverte.

Ele me puxa pelos cabelos e me arrasta até a água derramada, ele força meu rosto ao encontro do chão molhado.

— Beba.

Eu respiro fundo e vejo a água a minha frente ser a mais maravilhosa do mundo. A necessidade faz coisas inimagináveis com o ser humano. Além de estar sendo forçada a isso.
Eu tentei uma maneira de me impor ao estabelecer opções, mas parece que só piorei a situação.

Então eu bebi, desesperadamente. Como um animal. Que ele queria que eu fosse. Eu me sentia podre, envergonhada e com muita raiva.

— Isso... muito bem. - diz ele num tom de aprovação.

Ele solta meu cabelo devagar, passa a mão pelas minhas costas e dá dois tapinhas. O toque dele me eletrizava, era como se fosse carga de energia. Era quando o ódio subia pelas minhas veias.

— Não encoste em mim. - eu disse ao levantar o rosto.

Ele, rapidamente, segura meu rosto e afunda os seus dedos na minha bochecha. Com violência ele apertou a mão e direcionou meu rosto pra mais perto.

— Você. Não. Impõe. Nada. Aqui.- disse ele pausadamente.

Eu sabia dos riscos dele me machucar mais, me humilhar mais. Entretanto, eu sentia uma vontade quase incontrolável de confrontá-lo. Eu mesma não me reconhecia. Me conhecendo bem, eu sabia que estaria morrendo de medo nessa situação, não saberia o que fazer.

Eu nunca mais seria a mesma se sobrevivesse a aquilo.

— Por que está fazendo tudo isso?- pergunto

— Você é tão previsível... Pois bem, vamos fazer um acordo. - ele levanta e pega a sacola que ele trouxe.- Você faz uma coisa pra mim e eu digo uma coisa que te interesse.

Eu fico relutante ao imaginar que tipo de coisa eu teria que fazer, mas também precisava muito de respostas.

— Que tipo de coisas? - pergunto com medo da resposta.

— Por exemplo, você vai ter que comer isso. Você deve estar faminta. - ele tira da sacola um pedaço de carne crua. Eu embrulho o estômago.

— O que?! Eu não vou comer isso, o que é?

— O lobo que eu matei hoje. Você não pode esnobar o sacrifício dele né? Então, estamos de acordo? - ele pergunta.

— Eu não vou comer isso.

— Você sabe que vou fazer você comer isso por bem ou por mal, não é melhor você comer com uma informação que você queira? Invés de comer de forma...violenta?

Ele tinha razão, eu estava em desvantagem sem saber quem ele era, o que ele queria. Era a melhor das opções que eu tinha.

— Tudo bem. Enquanto eu como, você fala. Ok?

— Com todo prazer...agora coma.- ele estende o pedaço em minha direção e eu o pego.
A carne ainda estava morna, tinha um cheiro forte. Não pude conter a vontade de vomitar. Levei até a boca e senti o gosto forte de carne selvagem, bem diferente da bovina, eu não consegui mastigar, apenas engoli os pedaços aos poucos.
Era mais uma sessão de tortura.

— Acho que você já sabe quem eu sou, ou pelo menos tem uma ideia. Você viu uma parte da minha infância, eu e meus irmãos éramos muito unidos. Eu os amava muito. O pequeno Josh precisava de mim, eu tinha que ser forte pra cuidar dele.
Mas quando se tratava dele... eu não conseguia ser forte. - ele fez uma pausa quando eu ameacei vomitar.— Se controle, não estrague nem um pouco dessa carne.- ele mandou.

Eu olhei pra ele e pus outro pedaço na boca.

— É horrível não é ? Beber água do chão, comer carne crua... imagina uma criança fazendo isso. Pois era isso que meus pais faziam comigo. Se você acha que eu sou um monstro Madeleine, então você teve a sorte de nunca ter conhecido nenhum daqueles dois. Na verdade, você deveria agradecer por eu ter matado eles.

Ao ouvir aquilo meus olhos arregalaram, eu parei de tentar comer aquela carne e o encarei. Ele disse que matou os pais. Mas os pais morreram no incêndio... ele causou o incêndio.

— Como assim?! Você pôs o incêndio?! - pergunto incrédula.

Ele ficou calado, eu tentei perguntar novamente, mas nenhuma resposta. Eu voltei a comer a carne pensando que ele não queria responder porque eu não estava comendo, mas ele continuou em silêncio.

— Pensei que tivéssemos um acordo. - eu disse

— Nós temos, você faz uma coisa e eu te conto outra.

— Então isso já não me serve! - jogo a carne para o lado e levanto do chão

— Se você sabe como é ser humilhado, maltratado... por que está fazendo isso?  Você deveria ser o primeiro a repudiar isso!- grito em direção a ele.

— Eu e você somos um só, você é resistente, mas vai acabar cedendo. Esse é o seu destino, Madeleine. - ele levanta os braços e gira.

— Esse é o seu destino! Não importa o que faça, que me manipule com esses joguinhos doentes, que me machuque, isso não vai funcionar. Eu prefiro morrer a me tornar como você !

Ele abaixa os braços e me encara. Talvez eu não devesse usar a palavra morte num diálogo como esse. Parecia ser sugestivo demais. Porém, era real.

Eu compreendi o que ele queria. Todos aqueles jogos, violências psicológicas, era tudo pra tornar como ele. Eu só precisava entender o porquê.

— Cuidado com o que você deseja, pequena Madeleine.

Venha Até Mim (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora