IX

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É no mínimo curioso como as drogas têm o poder de levar-nos aos extremos. Primeiro, quando estão a correr pelo nosso sistema e tomam total controlo do mesmo, deixam-nos "felizes", eufóricos e invencíveis, como se o mundo fosse nosso e tivéssemos total controle sobre ele, mas depois de deixarem de fazer efeito, uma onda de tristeza e de desânimo nos consome, como uma lembrança amarga de um passado glorioso. Por isso, nesse exato momento estou deitada na minha cama enrolada nos meus lençóis favoritos e sem vontade de viver. Não porque estou depressiva, talvez esteja, mas porque, de certo modo, ainda estou sob efeito da ecstasy.

Não sei o que a Becca tomou ontem, e nem quero saber, mas seja o que for, não a deixou no estado em que me encontro. Ela não está deitada do meu lado. Provavelmente está lá embaixo a tomar o pequeno almoço ou a almoçar com a minha família. Isso me faz pensar que, ou o sistema dela já está habituado com o que ela tomou ou o que ela tomou não a deixa nesse estado lastimável.

Viro de costas e olho para o teto que está cheio de estrelas pintadas com tinta fluorescente, que eu e a Becca pintamos, no meu e no seu quarto, quando estávamos na sexta classe. Deve ser isso que ela sente. Essa mudança extrema de humor. Nem imagino como deve ser difícil para ela ter que lidar com isso. Sei que o tratamento a ajuda a equilibrar as emoções, mas mesmo assim, quando ela tem altos, eles são super altos e os baixos extremamente baixos.

- Ei! - ela diz ao entrar no quarto com uma bandeja com comida na mão. - Como estás? - ela senta na cama com as pernas cruzadas e pousa a bandeja sobre elas. - Trouxe algo para comeres, mesmo sabendo que provavelmente não tens vontade.

- Acho que agora eu te compreendo. - ela olha para mim confusa. - Sobre a bipolaridade, sabes? É mais ou menos assim que ela funciona, não?

- Mais para o menos do que para o mais. - ela deixa a bandeja na banca de cabeceira. - Imagina sentires-te como ontem por uma, duas ou três semanas e ficares nesse estado por mais ou menos o mesmo tempo.

- Eu iria me matar, não aguentaria isso. - depois de pensar na merda que falei. - Quer dizer...

- Eu te entendo. Não são atoa as cicatrizes no pulso. - o meu coração aperta, não suporto lembrar desse episódio traumático.

- Becky... Desculpa, eu não queria te fazer sentir mal. - ela deitou do meu lado.

- Não me fizeste sentir mal. Isso está sempre na minha mente, as vezes mais presente do que outras. - virei me para ela e a abracei.

- O quê? - pergunto me referindo ao que está sempre na mente dela.

- Essas estrelas me relaxam. Sempre que estou mal, olho para elas e imagino-te a olhar para elas também. Isso me faz sentir como se estivesses comigo e eu não estivesse sozinha. - ela levantou um braço como se fosse tocar nelas. A Becca usa muitas pulseiras, porque ela gosta e também ajudam a distrair as pessoas das cicatrizes. Mas agora ela está sem e é impossível não notar as marcas escuras deixadas na sua pele negra de um tom claro.

- Eu te amo Becca. - digo com os olhos ainda fixos nas cicatrizes. Com medo de que se não disser agora irei me arrepender para o resto da minha vida.

- Eu também te amo Jade. Agora é melhor comeres algo. - ela senta fazendo eu também me sentar, pega na bandeja e põe no meu colo.

- O que disseste aos meus pais? - pergunto tirando a borda do pão de forma.

- Que estás muito cansada porque dançaste a festa toda e não estás habituada a isso. Que desperdício, estás a tirar a melhor parte do pão. - ela reclama.

- Essa parte não presta. - dou uma mordida na sandes. - Achas que eles acreditaram? - pergunto.

- Talvez sim, talvez não. - ela dá de ombros e bebe um pouco do meu sumo.

Efeito borboleta 🦋 [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora