Epílogo

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Alguns meses depois:

- Eles dizem que não é minha culpa, sabes? Continuam a agir como se ela merecesse morrer e eu que tivesse de ser cuidada. Cuidada como ela deveria ter sido. - digo em posição fetal nesse cadeirão de veludo creme que se tornou um dos lugares mais confortáveis e seguros para mim.

- Tu não achas que mereces esse cuidado? - Dra. Sanches pergunta calmamente, naquele tom confidente que nos faz contar-lhe todos os nossos pensamentos mais profundos.

- Não é sobre mim, é sobre ela. - digo o que venho a dizer durante esse tempo todo, mas parece que eles não entendem.

- Porquê que achas que é sobre ela? - ela pergunta. Eu sempre adiei para chegar nessa conversa, sempre tentei falar de outras coisas, mas afinal de contas, é por causa disso que eu estou aqui, certo?

- Porque ela morreu? - digo como se fosse óbvio porque afinal é. Ela também está ignorar isso?

- E tu achas que se as pessoas começarem a importar-se com ela agora vai fazer diferença? - ela pergunta em um tom suave, pois são palavras extremamente delicadas. Mas, mesmo nesse tom, eu olho para a mulher que está sentada na poltrona em frente à mim. Ela está com as pernas cruzadas e com um bloco de notas sobre elas, olha para mim com atenção com seus olhos escuros. - Jade, como te sentirias se essas pessoas começassem a importa-se com ela agora? - ela pergunta a colocar uma mecha do seu cabelo castanho escuro atrás da orelha.

- Não sei. - digo e ela olha para mim com um olhar que me diz que eu sei sim. - Acho que irritada, por eles estarem a ser hipócritas, mas mesmo assim, eles não podem fingir apenas que não aconteceu. - digo na defensiva.

- Essa é a melhor forma que eles encontraram para lidar com isso tudo, pode não ser a melhor, mas nós não temos controle sobre as outras pessoas. E tu sabes bem disso. - ela diz a puxar um assunto que nós estamos sempre a falar.

- Até quando vamos falar sobre isso? - pergunto a retrair-me.

- Até tu entenderes, Jade. Que não podes culpar-te pela decisão dela, não é justo para ti. - ela responde suavemente.

- É justo para ela? - pergunto de volta.

- Imaginemos que a nossa vida é uma viagem, e que estamos todos de passagem, certo? - eu concordo lentamente com a cabeça. - Quando estamos em uma viagem, normalmente nós começamos com bagagens. Dependendo da pessoa, essa bagagem pode ser mais pesada ou mais leve, mas todos nós carregamos pelo menos uma. As vezes essa bagagem pode ser pesada demais para nós aguentarmos, que nos faça até querer desistir dessa viagem. Podemos até ter a hipótese de a abandonar, mas ela é tão importante para nós que não conseguimos. Por não querermos interromper a viagem decidimos então procurar alguém para nos ajudar a carregar essa bagagem tão pesada. Mas esquecemos que essa pessoa também tem a sua bagagem, e que ela pode não conseguir sustentar a nossa também. Entendes onde quero chegar? - ela pergunta e eu volto a concordar com a cabeça. - A Marie tinha a bagagem dela, uma bagagem muito pesada. Ela precisava de ajuda para a carregar, só que ela não conseguiu pedir. Ela apenas atirou-se para cima de ti, com toda aquela bagagem, como se fosses um bote salva-vidas, mas sem tu saberes que tinhas nas costas o peso de uma vida. Sabes o quão pesada pode ser uma vida? - nesse momento eu já não conseguia segurar as lágrimas e pela primeira vez fiz uso dos lenços que ela deixa sempre na mesinha que fica ao lado do cadeirão onde estou. - É normal tu não teres suportado esse peso, de o teres largado, afinal de contas não sabias o que carregavas, Jade. A culpa não é tua Jade, não podemos nos culpar por coisas que não temos controle. Tens de te perdoar, e de perdoar ela também.

- Eu já a perdoei. - respondo sem muita confiança. Será que já a perdoei?

- Quando foi a última vez que foste ao túmulo dela? - ela pergunta e eu baixo a cabeça, pois a última vez que fui foi no funeral dela. - Vês? Para te perdoares tens de a perdoar primeiro. Mas isso é um processo, não tens de a perdoar hoje.

Efeito borboleta 🦋 [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora