O ponto de vista.

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Na verdade, eu já tinha ouvido esse boato da lenda do amor.  A lenda era bem clara, um casal seria escolhido pela Destino, ou como eu prefiro chamar, a velha gaga, a que rege o acaso.  Nasceriam um destinado ao outro. Entrelaçados, predestinados, seja como queira chamar. Baboseira. Vivi o suficiente para saber que amor não existia, a força prometida pela Destino, o elemento mais forte de todas dimensões, era pura falácia.

Mas infelizmente essa merda me envolvia. Segundo Destino, eu teria nascido para Renessiah. Seja lá quem ela fosse. Francamente? Não me importava nem um pouco.

Nunca acreditei em Destino, em toda minha vida. Quando era criança, Destino sempre vinha me visitar, isso há boas eras atrás. Naquela época, ela parecia ser mais racional. O jeito majestoso de se portar, de falar. Ela não me dava medo, pelo contrário, a admirava.

Mas depois de um tempo, especificamente depois de me dizer meu destino, todo o encanto passou. Meu destino em resumo era: me casar com alguém cuja fui predestinado desde os primórdios e gerar dois filhos que seriam o pilar de todos os universos.

Me peguei nesse momento rindo.

Eu, pai? Era a piada do milênio. Nunca quis ser pai e nunca vou querer ser. Esse papel paternal não fazia parte de minha natureza.

Como outrora disse, Destino perdeu a sanidade. Depois de me dizer meu futuro, tudo que conseguia sentir era dó. A mulher poderosa e temida, se tornou velha e insana. Toda a beleza se desvaiu. Os cabelos negros e pele branca (literalmente), se tornaram pele enrugada e cabelos grisalhos. O que era bastante anormal, Destino era o quê? Uma Deusa Primordial? Estava viva desde a criação do Todo. Porque ela havia aceitado envelhecer eu não sei. E não me importava.

Tudo que me importava e acreditava era com a vida real. Predestinação, lendas, amor. Puff, quanta besteira. Eu era casado, afinal. Por minha vontade? Claramente não. Foi um casamento arranjado por meu pai. O que era bastante comum, casamentos por aliança, poder político. Com o tempo achei prazer nisso, se é que me entende.

Isso era real. Convivência, o ato de sentir-se bem ao lado de alguém. Isso era amor. Não aquela história de predestinação, união, dependência, vulnerabilidade, blá-blá-blá.

Deborah, uma linda Deusa das dimensões inferiores. Cabelos ruivos, bochechas rosadas, algumas pintas em seu rosto e aqueles olhos acinzentados. Ah, ela era maravilhosa. Seu busto era avantajado, seu corpo contornado como violão. Sua pele era um pouco mais escura que a minha, o que facilitava muito. Assim era mais difícil ela ficar marcada. Sorrio sem perceber.

Deborah era uma ótima diplomata e manipuladora. Como Deusa, ela agia manipulando os demais para que fizessem o que ela quer. Porém, foi escolhida por meu pai. Ele achou que ela seria um bom agregado à família. No começo relutei, não queria me casar. Só depois percebi que casamento podia ser muito mais que união política, havia suas vantagens.

Raramente nos víamos. As vezes nos encontrávamos à noite. Mas fazia já alguns séculos que não a via. Combinamos que seria melhor assim. Sem apego, cada um no seu canto, o melhor, em sua dimensão.

Mantínhamos a aliança. Meu pai a via mais do que eu mesmo. Não me metia em relações políticas.

Em minha dimensão, me encontrava vagando pelo Castelo. Sabia que em breve haveria uma festa à fantasia. Mesmo dando ordens aos servos de organizar tudo, uma reforma geral no grande salão, eu tinha que ir até a masmorra e gerar ali uma nova proteção.

-Senhor, o que queres que eu faça nesse chão?

O homem de mais ou menos quarenta anos responsável pela troca de pisos me tirou do transe. Ele estava agachado sobre o antigo piso quebrado.

PredestinadosOnde histórias criam vida. Descubra agora