Uma noite bem dormida fez Kara chegar quase feliz ao Vita. O "quase" devia-se ao fato de não poder esquecer que existia a sombra de um escândalo ameaçando aquele instituto que era a razão principal da sua vida. Ainda havia os malditos manifestantes, que pareciam ter voltado em maior número naquela manhã, fazendo com que as suas suspeitas do dia anterior não se confirmassem.
Mas a dor de cabeça e a tensão com que deixara o escritório na noite passada tinham ido embora, então sorriu para todos quando subiu ao prédio e não deixou nenhum "Bom dia, srta. Grant" no vácuo.
Chegando a sua sala, organizou todas as pendências e conseguiu remarcar a reunião com o conselho para dali a dois dias.
Quando enfim viu a "casa em ordem", tirou Alex de seus afazeres por meia hora, levando-a para tomar um café e simplesmente conversar sobre "coisas amenas", segundo frisou quando fez o convite. Queria desfazer o mal-estar que ficou entre as duas, afinal sabia que a amiga só estava preocupada com ela, o que, dadas as circunstâncias, era natural.
Conversaram sobre Kelly, sobre os jantares deliciosos que ela fazia, marcaram uma ida ao cinema e, enfim, ficaram bem de novo.
Enquanto voltava ao escritório, lá pelas dez da manhã, estava achando que, finalmente, tinha sido agraciada com um dia bom. Pensou em ligar para Lena e saber quando ela poderia começar a pintar seu quadro, mas depois achou que seria uma atitude um pouco precipitada. Além do mais, ia correr o risco de se sentir uma tola, porque a outra poderia dizer: "Quadro... que quadro!?" e o mais provável é que, nesse momento, a pintora desligasse o telefone na cara da CEO, estragando tudo. "Tudo!? O que realmente é tudo, Kara Grant?"– pensou – "Não há nada! Provavelmente ela nem lembra mais de você."
No entanto, em seguida, a loira imaginou que se Lena não sofresse do Mal de Alzheimer, o que era improvável na idade dela, ou de um grave problema de memória, era impossível ter esquecido de alguém que conhecera na manhã anterior, principalmente nas circunstâncias em que elas se encontraram.
Se qualquer pessoa que conhecesse a séria e confiante Kara Grant, a CEO do poderoso Instituto Vita, a administradora perfeita, ouvisse seus pensamentos agora, certamente não entenderia toda essa insegurança. Ela mesma não entendia... Porque não conhecia os sinais da paixão, já que jamais estivera diante deles em toda a sua vida. Certa vez, ainda em sua adolescência, Cat lhe dissera que o amor não era para ela e estabeleceu uma proibição expressa quanto a relacionamentos, por motivos que conhecia bem e sobre os quais sabia que não podia argumentar. Isso definiu tudo até ali.
Na verdade, não foi difícil evitar o amor. Sua rotina, cheia de obrigações, que a levariam a ser quem era agora, assim como o controle de Cat, criaram uma espécie de bloqueio em Kara.
Ela descobriu o desejo por mulheres mais ou menos na mesma época, a adolescência, mas isso foi algo que pode perfeitamente controlar sozinha. Até que encontrou o serviço de acompanhantes e o resto não precisava explicar. A solidão incomodava, no entanto era facilmente resolvida. Aquilo tinha funcionado tão bem por tantos anos... Parecia uma fórmula infalível. Mas uma mulher que chegou do nada rompeu essa barreira sentimental de alguma forma e depois dela nada mais estava sob controle.
Quando Kara finalmente parou em frente à porta do seu monocromático escritório, tão grande foi seu espanto ao encontrar ali dentro, confortavelmente sentada em sua cadeira executiva, nada mais, nada menos, que a mulher que outrora ocupara o mesmo assento.
Cat Grant estava reclinada sobre a poltrona, com uma das pernas cruzada sobre a outra e a mão direita descansando no braço da cadeira. Ela usava um elegante vestido preto, com um colar dourado enfeitando seu magro pescoço. Era uma mulher de 55 anos que possuía traços bonitos, além de um charme cativante, os quais sabia usar sempre em benefício próprio. Embora Kara conhecesse muito bem o poder manipulador e a força abusiva daquela mulher, mesmo assim, era impossível para ela não amá-la; não amar a sua criadora.
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Amonet [KarLena]
Science FictionPor possuir uma particularidade que a diferencia dos outros humanos, Kara Grant tenta se manter o mais reservada possível, evitando de todas as maneiras estabelecer vínculos duradouros com outras pessoas. Porém, numa manhã de segunda-feira, o destin...