Problemas

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Alguns anos antes...

Dentro do carro, no banco traseiro, a felicidade do garoto era exultante. Não havia um ano, em seus doze anos de vida, em que não ansiara pela Califórnia.
Mas enfim havia chegado o momento mais esperado do ano, as férias.
Estava planejando sua volta para a California desde que saira do mesmo clube há um ano. Pensava em voltar para lá desde a primeira curva de volta para Miami. Sim, parecia uma grande bobagem trocar uma praia por... outra praia.
Mas era diferente!
Na California não conhecia ninguém, não era o filho do cirurgião plástico Apolo, nem o irmão mais novo dos rapazes mais bonitos e inteligentes de Miami, podia até fingir ser outra pessoa, e Will amava aquela sensação.
Talvez naquele verão seu nome fosse... Phillip. Ou algo mais diferente como... Juan. Não. Definitivamente não tinha nenhum traço latino para justificar o nome.
O caminho para o clube trazia a típica aura californiana que Will tanto amava. Sol, brisa, mar, palmeiras, dunas, calor, pessoas com os cabelos desbotados de sol e a pele queimada. Tinham tantos turistas que ficava difícil definir quem eram os nativos.
Para Will, a California era um espetáculo de pessoas e mundos diferentes. Já estava tão acostumado as diferenças de Miami que para ele eram coisas comuns.
Ficara tão imerso olhando pela janela que quase não percebera que estava próximo do clube. Só o percebeu quando fizeram uma curva para uma ladeira longa, onde uma placa com um sol de madeira enorme, indicava o caminho.
E lá estavam eles, na frente do grande portão eletronico que daria passagem para dentro do clube. Para as férias de verão. Will sorria de orelha a orelha só com essa visão.
Apolo saiu para falar algo com o porteiro. Will assistiu ansiosamente o homem apertar a mão do seu pai com um sorriso, assentir e apertar o botão que abria o portão. Apolo voltou para o carro e eles entraram.
Assim que o carro parou no estacionamento, Will pegou sua mala rapidamente e disparou para o prédio retangular, alto e largo que os esperava, com suas varandas extensas e convidativas, para assistir o mar de camarote.
Com dificuldade, mas tão ansioso que mal sentia seus braços reclamando pelo esforço, Will subiu as escadas tão rápido quanto pode.
Enquanto Apolo abria a porta do apartamento, Will dava saltinhos atrás dele, apressando-o. A porta aberta era como o laço vermelho cortado em uma abertura. Will se lançou para dentro do apartamento já conhecido e correu para o quarto que dividiria com sua prima favorita, Lindsay, que chegaria em breve. Sem perder tempo desfazendo as malas, Will se vestiu com uma sunga, lambuzou o rosto com protetor solar (que mais tarde reclamaria por não ter esperado secar e a água ter tirado toda a proteção do rosto) e correu de volta para o térreo, de onde sabia muito bem o caminho da piscina.
Estava tão ansioso que temia tropeçar nos próprios pés.
Lindsay logo chegaria, e essa era outra parte magnífica da Califórnia. Lindsay morava na Califórnia! Sua melhor amiga, prima, alma gêmea. Haviam nascido no mesmo ano, e estavam juntos desde que se entendiam como gente, eram como irmãos. O único problema era a distância, então o início das férias de verão eram como encontros longos e maravilhosos, enquanto que o fim das férias eram banhados de lágrimas e despedidas sofridas.
Mas tinha mais. Lindsay não era só sua prima e melhor amiga, era sua confidente. Fora para Lindsay que ele contara no verão passado sobre como gostava de um colega de sala. Não gostava. Gostava. E ela havia respondido como ele nunca se atreveria a imaginar. Lindsay dissera:
-Mesmo? -então se virara para o mar como se estivesse envergonhada. -Eu também gosto de um menino da minha turma.
Will ficou surpreso com a resposta. Era como se ele não tivesse dito nada anormal, oque de fato não dissera, mas para duas crianças de onze anos, aquela declaração poderia ter custado uma amizade. Um preço muito caro.
  Lindsay o fazia se sentir confortável consigo mesmo, coisa que ele não conseguia fazer a partir do momento em que a deixava de lado.
Já dentro da água, mergulhando e brincando, Will estava começando a ficar chateado com a demora de Lindsay. Já não sabia mais como se distrair.
Mas então o destino o enviou uma distração.
Sentado em uma espreguiçadeira, escrevendo em um caderno, havia  um menino. Para alguém da Califórnia, ele estava muito pálido, então devia ser turista, e também devia estar a pouquíssimo tempo por lá. Seus cabelos eram pretos como tinta de caneta.
E... Will o achava bonito, então achou melhor desviar o olhar. Sua mãe não gostaria nem um pouco de vê-lo olhando para aquele menino com tanta intensidade.
Will já havia ouvido falar sobre pessoas gays, infelizmente, pela pior informante, sua mãe. Ela dizia que tinha nojo, o que o fazia querer com todas suas forças que não fosse aquilo, pois se fosse, significaria que sua mãe tinha nojo dele. Era difícil manter isso em mente quando não havia controle sobre seus sentimentos ainda.
Will passou bons dez minutos se distraindo e tentando não desviar o olhar para o menino na espreguiçadeira, mas ainda ouvia sua voz. Ele falava estranho. Não parecia estar falando em inglês. Will arriscou uma olhada, e viu que ele falava com uma menina de cabelos tão pretos quanto os dele, e eram até bem parecidos, mas ela era mais velha. Will ainda estava tentando descobrir oque eles falavam, quando um grito se seguiu de um mergulho profundo e então ele foi atacado por braços carinhosos, e um tanto brutos, abraçando-o e dizendo como estava feliz em vê-lo.
Lindsay.
Foi uma tarde incrivelmente agradável, até então a mais agradável daquele ano para Will. Se divertiu tanto que esqueceu o menino, mal percebeu quando ele foi embora. E só lembrou dele mais tarde, deitado na sua parte de cima do beliche, com o rosto queimado.
-Algum problema? -perguntou Lindsay, notando que ele ficara quieto de repente.
-É que... -ele olhou para ver se a porta estava aberta, e como não estava continuou. -Você lembra do que eu te contei ano passado?
-Lembro. - ela sussurrou de volta.
Will respirou fundo. Sentia-se sujo.
-Você acha que isso passa?
Lindsay franziu a testa.
-Acho que não. -ela pensou um pouco. -Talvez. Eu não sei. Nunca perguntei.
Uma lágrima caiu pelo rosto de Will, silenciosamente, e se embrenhou nos seus cabelos. E então outra.
O que faria se não passasse? E se sua mãe descobrisse? Ela ficaria tão triste.
-Will? -Lindsay chamou. Quando ele não respondeu, ela saiu da sua cama e olhou por cima da dele. -Você está chorando?
-Claro que não. -ele resmungou.
Lindsay voltou a sumir sob a madeira da beliche, e então reapareceu segurando seu cobertor. Ela subiu a escadinha e Will se sentou para abrir espaço para ela. Com a prima ao seu lado, ele não conseguia manter as lágrimas nos olhos.
-Não importa. -ela disse convicta. -Eu vou sempre estar aqui.
  Will emburrou, tentando segurar o choro. Mas parecia que uma mão estava esmagando seu peito para forçar o choro a sair.
-Mamãe sempre me diz uma coisa quando eu estou chorando. -ela continuou. -"Tem uma coisa que você sempre deve se lembrar. Você é mais corajoso do que acredita. E mais forte que parece. E mais inteligente do que pensa". -ela deu uma risadinha. -Apesar de essa última parte não se encaixar sempre em você.
Will revirou os olhos a fazendo rir mais.
-Eu não quero falar sobre isso. -ele disse baixo, encostando a cabeça no ombro dela.
-Você quem trouxe o assunto. -ela reclamou. -Estou tentando ajudar.
-Desculpa. -Will respondeu, arrependido pelo tom grosseiro. -Você conhece alguém assim?
-Não. -ela sussurrou.
Will aguentou até onde pode, mas um soluço o traiu e ele levantou a cabeça.
-Posso tentar não ser. -ele disse com a voz entrecortada pelas lágrimas. -Eu parei de escrever com a mão esquerda, eu - Will soluçou mais uma vez, limpou o rosto com a manga da camisa e tentou se recompor.- Eu consigo.
-Eu não sei, Will.
-Você vai continuar sendo minha amiga, não é?
Lindsay sorriu, com lágrimas nos olhos.
-Claro que sim, você me compra bombons.
Will sorriu em meio às lágrimas, sabendo que no fundo ela estava falando sério.
-Agora durma. -ela disse, puxando a cordinha da luminária implantada na parede. -Já chega desse assunto.
Eles se deitaram lado a lado e dormiram.
Naquela noite, Will sentiu o coração apertar mais um pouco, agora tinha certeza que não era na California que estava fingindo ser quem não era, era em Miami a terra do fingimento, era na sua vida real. Ele respirou fundo, tentaria não ser o que achava que era, e tentaria não olhar para nenhum menino com outros olhos novamente. Se já estava fingindo mesmo... tinha que terminar a atuação.

Summer Strange Love - Solangelo Onde histórias criam vida. Descubra agora