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Sentado no sofá, Will estava se sentindo irritado e colérico, não com Nico, mas consigo mesmo. Que atitude havia sido aquela? Pra que tanta teimosia? Will as vezes conseguia surpreender até a si mesmo.
E ver Nico tão indignado com aquelas respostas, que nem o próprio Will sabia existir nele, causara um arrependimento que nenhuma outra atitude de Will o fizera sentir. Sentia-se estúpido.
E estava considerando a possibilidade de ir chorar no banheiro quando o telefone fixo tocou, o que era, no mínimo, curioso. Ninguém usava o aparelho a um bom tempo, mas ele ficava ali por sempre ter estado ali.
Curioso, Will o atendeu.
-Boa tarde, gostaria de falar com William Solace. -disse uma voz masculina e séria que fez o corpo de Will gelar.
-Sou eu.
-Eh... precisamos que o senhor compareça aqui no hospital São Miguel, conseguimos esse número com o seu pai...
-Meu pai está no hospital? -Will perguntou, quase exclamando, chocado.
-Não. Ele está acompanhando seu irmão. -informou o homem. -Ao que parece ele foi agredido... -ele pausou e pareceu checar algo com alguém. -Pela sua mãe.
Will ficou em silêncio. Instantaneamente ele olhou para a porta, como se esperasse a mãe chegar e o contar que era tudo mentira.
Lee havia sido agredido pela sua mãe? Era essa a situação? A situação que ele temia e que pretendia evitar o máximo possível? E a qual ele não conseguira lidar por um dia.
-Senhor? -o homem chamou na linha.
-Estarei aí. Precisam de alguma coisa? -Will tentou manter a calma.
-Não. Só é preciso que venha buscar sua mãe.
Os olhos de Will lacrimejaram.
-Certo. Mais alguma coisa?
-Não. Só isso.
-Obrigado.
Will desligou o telefone e se sentou no sofá novamente. Suas mãos tremiam. Seus olhos marejavam. Sentia-se triplamente estupido. Devia ter insistido para seu irmão ir embora, talvez até afirmado que tinha os mesmos pensamentos da mãe para deixá-los longe.
Harmonia. Will pensou, lembrando da palavra que o pai usara para descrever como seria a convivência deles.
-Will? -chamou uma voz no corredor. -Isso foi o telefone?
Lindsay apareceu na sala e parou ao ver o primo.
-O que aconteceu? -ela correu para o lado dele. -Will?
-O Lee foi agredido pela minha mãe. -ele disse, repetindo as palavras do homem no telefone, como se fosse mais fácil de digerir. -Não sei como. Não sei quando. Ou onde. Só me ligaram para informar que eu preciso ir buscar ela no hospital.
Lindsay estava tão chocada quanto ele.
-Vou com você.
-Não precisa.
-Não perguntei se eu podia.
Will assentiu.
Talvez fosse melhor mesmo. Lindsay poderia evitar que ele começasse a gritar como um louco, o que era sua tendência sob estresse.
  -O que eu to fazendo Lindsay? -ele chorou, com as mãos no rosto, sentindo o corpo chacoalhar com um soluço contido. -Olha oque ela fez com o Lee.
  -Você não precisa passar por isso.
  -E o que eu vou fazer? -ele ergueu o rosto, indignado. -Deixar ela sozinha? À deriva? Deixar minha mãe jogada no mundo cheia de remédios e problemas psicológicos?
  Lindsay não respondeu, apenas encostou a bochecha no ombro dele e o abraçou.
  -Vamos buscá-la. -ela sussurrou. -Você não precisa decidir nada agora.
  Will assentiu, passou as mãos no rosto para limpar as lágrimas e esticou a mão para a chave do carro na mesinha de centro.
  Ele respirou fundo antes de levantar e pensou em Nico. Ele havia o chamado de covarde com autoestima baixa. Talvez ele tivesse razão. Talvez ele quisesse dizer que Will não se importava consigo mesmo. E ai sim, ele estaria correto.
  Estava na hora de mudar isso.
  -Eu não preciso decidir nada agora. -ele ecoou. -Mas eu vou precisar decidir em algum momento.

***

 
  Quando chegaram no hospital, Will deixou o carro com Lindsay já que suas mãos estavam tremendo.
  Ele entrou sozinho, encontrando sua mãe sentada na sala de espera. Naomi Solace era uma mulher exuberante quando estava bem, mas no momento ela parecia os restos de quem ela havia sido um dia. Will notou os nós dos dedos dela vermelhos arroxeados, um curativo no braço e parecia amarrotada.
  Quando os olhos dela encontraram Will, ela levantou e recuou.
  -Vamos para casa. -Will disse, seriamente.
  -Will...
  -Vamos. -ele repetiu, entredentes.
  Ela hesitou diante o olhar furioso do filho, mas seguiu para a porta rapidamente. Antes que Will a seguisse, ouviu seu nome ser chamado do fim do corredor. Ele se virou e viu Apolo andando apressado em sua direção.
  -Vá para o carro. -Will disse à mãe, que olhava Apolo com desprezo. -Agora, mãe.
  Ela resmungou algo e seguiu sozinha para o carro estacionado.
  -O que ela fez? -Will perguntou, quando pai o alcançou.
  Apolo parecia mais irritado do que abatido. Impecável como sempre, mas com um leve brilho de raiva nos olhos.
  -Sua mãe o deu um soco, depois, achando pouco, usou uma garrafa de whiskey para bater na cabeça dele.
  Will esfregou o rosto.
  -E como isso aconteceu?
  -Eles começaram a brigar quando se encontraram no estacionamento. Infelizmente sua mãe estava indo para um encontro na casa de uma amiga, e o presente para ela era uma garrafa de Whiskey.
  Will fechou os olhos sentindo-se culpado. Ele sabia que não tinha culpa. Que sua mãe que orquestrara aquela agressão, mas... Will sabia que isso podia acontecer, não sabia?
  Ou melhor... Apolo sabia que isso podia acontecer.
  Will ergueu os olhos lentamente para o pai.
  -Se tivesse me avisado antes que Lee estava chegando, eu podia ter mudado a rota. -Will disse, sentindo a raiva amargando na boca. Ele fechou os punhos dentro dos bolsos. Lembrava-se agora da vez que acertara os dentes de porcelana do pai uma vez, depois que encontrou Apolo saindo do seu aniversário sem nem avisar porque já tinha feito sua parte de pai em aparecer. -Eu podia ter evitado tudo isso. Se pensar bem, você podia ter evitado!
  -Abaixe o tom. -Apolo se aproximou, falando baixo. Ele pousou uma mão no ombro do filho e o olhou sério. -Eu não sabia que isso ia acontecer, não pode me culpar por isso!
  -Posso. -Will afastou a mão dele do seu ombro um tanto bruscamente, e virou-se para sair do hospital.
  -Você tem que controlar essa raiva que tem em você. -Apolo continuou, fazendo Will parar a meio caminho da porta. -Vai te enlouquecer um dia. Viu oque fez com a sua mãe.
  Talvez ele estivesse louco. Talvez ele estivesse muito cansado. O dia havia sido uma chuva de pequenas surpresas e decepções. Will só queria que tivesse beijado Nico quando ele o desafiou no sofá. Mas não havia o beijado, ao invés disso, estava agora em um hospital com um irmão machucado, uma mãe fora da casinha e um pai metido a preocupado. E estava de sentindo fora de si.
  Will se virou no meio do caminho, e encarou o pai. Ambos eram da mesma altura, só que Apolo tinha mais músculos. E mais gel no cabelo. Will se perguntava se isso não deixava sua cabeça pesada.
  -Se você quer mesmo saber, pai. -Will se aproximou e Apolo recuou inconscientemente. -Essa minha "raiva" como você diz, incrivelmente, não é direcionada para ninguém mais do que você. -ele sorriu, irônico. -Por que será? Será que é porque você e a minha mãe destruíram isso aqui? -ele bateu na própria cabeça. -Será que foi você me deixando sozinho com uma mãe insana, ou ela me fazendo ser quem eu não sou a vida toda?
Apolo franziu a testa, confuso, e um pouco assustado.
  Will tirou um dos punhos rapidamente do bolso e o atingiu o queixo do pai. A cabeça de Apolo foi para trás, levando todo o corpo numa queda lenta. Apolo caiu com um baque no chão.
  Logo haviam pessoas para socorrer ele, enquanto Will saia do hospital fumaçando. Ninguém tentou pará-lo. Ele seguiu direto para o carro, encontrando o maior silêncio do mundo lá dentro.
  Lindsay percebeu que ele estava perturbado.
  -Você...
  -Podemos ir pra casa? -Will perguntou, com a voz calma.
  Ela assentiu rapidamente e ligou o carro. No banco de trás, Naomi olhava para fora, quieta e pensativa.
  Will olhou os próprios dedos. Agora estavam parecidos com os da sua mãe. Vermelhos e inchados. Dois agressores. Will segurou as lágrimas. Por que havia se deixado levar de novo? Deixara a raiva o consumir.
  Mas havia batido no idiota do seu pai por motivos justos. Ou... tao justos quanto imaginava. Sua mãe também pensava que ter batido em Lee era um motivo justo?
  Estava começando a achar que estava mais irritado do que ofendido com oque Apolo dissera, porque era a verdade,  e Will só provara mais a tese dele atacando-o.
Irritado, aborrecido, decepcionado, triste e cansado, Will olhou para trás pelo retrovisor e viu sua mãe encolhida no canto do banco, chorando baixinho.
-Se algum dia você voltar a tocar um dedo do Lee, -Will ameaçou. -Eu saio de casa imediatamente e nunca mais olho para a senhora.
Naomi fungou e voltou a choramingar. Will esperava que no fundo ela estivesse arrependia.
-Will, você sabe...
-Nada explica oque a senhora fez. -Will a interrompeu. -Nada. Nem tente. Nada que disser vai ser o suficiente para mim. Então assunto encerrado.
  Durante a volta para casa, o silêncio foi completo. Só havia o barulho do trânsito ao redor e das risadas ocasionais das pessoas nas ruas.
  Will devia estar se divertindo. Seus amigos estavam lá, era tempo de férias, estava no meio do curso que queria, estava bem financeiramente, fazia tudo que queria... e ainda assim, o mundo conseguira pegar sua vida e colocá-la de pernas para o alto, chacoalha-la e então a soltar no chão.
  Ele devia estar conhecendo aquelas pessoas que estavam rindo lá fora, devia estar flertando com elas, rindo com elas, sugerindo algo que nunca se concretizaria, não porque ele não tivesse a intenção de concretizar, mas porque no fundo sabia que não conseguiria. Porque seu coração não permitiria nunca que ele fosse infeliz, então também não o deixaria amar ninguém que não fosse da sua preferência.
  Will achava no começo que tudo poderia ser realizado racionalmente. Se sua professora o ensinara a escrever com a mão direita quando só conseguia segurar o lápis com a mão esquerda, então alguém conseguiria fazê-lo seguir oque todos achavam certo. As pessoas manipulavam rios com barreiras, raios com para-raios, construíam prédios fortes para não caírem com terremotos... por que não conseguiriam conter um simples impulso humano que, perto dessas outras contenções, não era nada?
  Porque essas coisas não pensam, Will se respondeu, elas não ficam tristes e choram por serem contidas. E elas não mudam oque elas são por estarem confinadas, elas só tomam outra forma e agem como são impostas.
  Mas existiam rios que quebravam barreiras, não é? Raios que caíam no meio das árvores. Animais que fugiam das gaiolas...
  Will olhou os dedos vermelhos e os mexeu devagar, sentindo a dor fina se espalhar pelos dedos deixando-os dormentes. Devia ter acertado o pai com muita força.
  Ele olhou pelo espelho do retrovisor e viu a mãe olhando pela janela, seus olhos melancolicamente passando pela paisagem. Em seus melhores dias ela ainda teria brigado com Lee, mas nunca acertado uma garrafa de vidro nele, nem o esmurrado. E pela forma que seus olhos se mexiam tão languidamente, Will supunha que ela não tinha se medicado novamente.
    Aquilo era oque chamavam de férias? Achava que não.

***

  Naquela noite Will garantiu que a mãe tinha tomado o remédio antes de dormir, e quando entrou no quarto, encontrou seus amigos deitados no escuro, mas ele sabia que não estavam realmente dormindo. O dia só havia sido muito intenso para que estivessem acordados e conversando.
  Will passou cuidadosamente pelo labirinto de colchões e deitou na sua cama. Sentindo que finalmente podia respirar fundo.
  -Amanhã vai ser melhor. -disse Lindsay, baixo mas audível para todos.
  -Espero que esteja certa. -disse Will, se virando para o lado e dormindo poucos minutos depois.

***

   Naquela manhã, Will acordara mais cedo que todos, para sua surpresa. O sol era apenas uma mancha alaranjada pelo quarto. Ele ainda tentou voltar a dormir, mas a cama estava ficando quente, e sentia seu corpo dolorido e tenso. Ele tentou por dez minutos antes de se convencer que não conseguiria voltar a dormir.
    Decidido a não ficar mais ali, ele pegou o seu livro e o celular e decidiu aproveitar um pouco da paz matinal. Saiu silenciosamente do quarto, fechou a porta, e se encontrou na sala.
  Ali era mais confortável, o sofá estava frio, o sol já iluminava o bastante para ler e o ar estava sem o cheiro do perfume francês de Silena que se agarrava à tudo.
  Perfeito.
  E tinha o seu livro para deixar melhor.
  Comparado com o dia anterior, aquilo até parecia uma benção pós guerra.
  Ele se sentou no sofá, ajeitou um lugarzinho com as almofadas e se encostou para ler. Segundo o seu celular ainda eram seis da manhã, seus amigos demorariam a acordar. 
  Enquanto avançava no livro, lembrou da noite na praia. Parecia ter sido há tanto tempo, mas só se passara três dias desde o momento. Will não sabia mais se conseguiria lidar com aquilo como achara antes. Lee no hospital mudava o rumo de tudo.
  Estava mais confuso do que estivera antes.
  Sabia agora, claramente, que sua atração por Nico fora real. Não só coisa da sua cabeça. Mas também sabia que admitir aquilo faria da sua vida um inferno. Como conseguiria manejar uma vida dessa?
  Will havia se tornado o cara que ninguém queria ser. E isso era difícil, porque no momento nem ele queria ser ele mesmo.
  Então ele parou, percebendo que não estava lendo nada do livro. Respirando fundo, ele tentou limpar a mente, voltou algumas páginas e ia começar a ler, quando viu algo preso entre as páginas.
  Ele tirou o papel com raiva, odiava quando usavam seus livros para guardar cartões ou coisas assim, mas... não era nenhum cartão.
  Havia um número escrito no meio de um papel rasgado, e no canto uma caveirinha simpática desenhada à mão.
  Não podia ser.
  Mas... também, só podia ser.

Summer Strange Love - Solangelo Onde histórias criam vida. Descubra agora