Um pequeno acidente

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Quando Will chegou em casa, seus amigos ainda não haviam chegado, o que o deu mais uns minutos para relembrar e se deleitar com tudo que havia acontecido naquela noite.
O mar. A luz. O barco. Nico.
Nico.
Tudo havia colaborado para fazer daquela noite inesquecível. Se Will fechasse os olhos, ainda podia sentir os dedos de Nico passeando pelo seu cabelo, o rosto dele tão próximo do seu, e a sensação do corpo dele sob suas mãos.
Como seu coração havia acelerado naquela noite, e como, de repente, quando se viu literalmente ilhado com Nico, seu coração simplesmente havia aceitado o destino. Tinha sido a sensação mais estranha da sua vida, e a mais precisa. Nunca sentira tanta certeza sobre nada, mas naquele barco... algo havia mudado dentro dele.
A pele de Will parecia pegar fogo naqueles momentos, mas agora que estava em casa, e longe da origem do calor, sentia-se mais calmo, como uma tomada desconectada. O apartamento vazio também dava mais uma sensação solitária, e aos poucos Will tornou à realidade.
Sem permitir que esses tipos de pensamentos interferissem nas suas boas lembranças com Nico, Will afastou aquilo do pensamento e foi tomar banho para dormir.
Quando saiu do banheiro, ouviu o barulho dos seus amigos chegando em casa silenciosamente. Ele se apressou para deitar na cama e fingir que já estava ali há um tempo, pegou o livro e abriu onde havia parado. Assim que seus olhos começaram a correr pela primeira linha, a porta abriu.
Charles foi o primeiro a entrar, ele era o mestre em abrir portas sem causar barulho, os outros seguiram seu rastro para dentro do quarto. Cada um acenando quando o viu e saindo do caminho para o outro entrar. Claro, menos Lindsay.
Quando ela o viu, ela franziu a testa e disse sem som:
-Por que você está aqui?
  Discretamente Will sinalizou para ela que depois a explicava.
  Com todos dentro do quarto e a porta fechada, os cinco recém chegados suspiraram e relaxaram.
  -Como foi a sua noite chata? -Jake perguntou, deitando-se no seu colchão. -Tenho certeza que não foi melhor que a nossa.
  Silena o catucou com a ponta do pé para que ele parasse de implicância, mas Will estava rindo. Tinha certeza que a noite de Jake não havia sido nem um porcento comparada à dele, mas ainda não podia dizer isso. Então ele deu de ombros e voltou a fingir que lia o livro.
  -Minha noite foi ótima. -comentou casualmente.
  -Se não se importam, eu vou tomar banho primeiro, estou destruída. -disse Silena, tirando os sapatos de salto com um suspiro de alívio.
  -Não sei por que você gosta de usar isso. -disse Katie, olhando os sapatos da amiga como se fossem pequenos monstros devoradores de carne de calcanhar. -Tenho certeza que você conhece sapatos mais confortáveis.
  -O glamour nunca é confortável. -disse Silena, tirando uma muda de roupas da mala e seguindo para dentro do banheiro, mas antes de fechar a porta, ela parou. -Um dia você deveria provar.
  Katie fez uma careta e negou.
  -Obrigada, eu ainda gosto dos meus pés.
  Com uma risadinha Silena fechou a porta. Na cama do outro lado, Lindsay também olhava os sapatos, mas sua atenção foi desviada para Will, que "lia" com os olhos parados na mesma página do livro. Ela levantou e o fez afastar para se sentar ao lado dele na cama.
  -Encontrei uns seguidores hoje, eles sentiram sua falta.
  Will sorriu. Quando olhou para Lindsay, captou nos olhos dela uma expectativa. Ele sabia que ela estava ansiosa para saber tudo que estava acontecendo, mas agora não era o momento.  
  -Amanhã postamos uma foto para eles. -Will disse.
  -Okay. Amanhã. -ela disse, balançando os pés. -Não se esqueça viu?
  Will sabia que ela não estava falando da foto exatamente.
  -Claro que não.
Depois que todos tiveram sua vez no banheiro, o quarto estava perfumado com o cheiro do sabonete líquido de Silena que, ninguém admitia, mas todos roubavam. E aos poucos, cada um foi adormecendo, até que só sobrasse o som das respirações.

***

Pela manhã, Will havia acordado sentindo-se completamente disposto. Fora o terceiro a acordar e fizera um sanduíche do tamanho da sua fome, ganhando um olhar reprovador de Lindsay.
-Não é você que me impede de comer besteira? O que é isso na sua mão? -disse ela, com os braços cruzados.
Will deu de ombros e sentou ao lado dela no sofá.
-Eu estou merecendo.
-Mesmo? -ela apertou os olhos para ele. -Por que?
Will deu uma mordida grande para ganhar tempo enquanto ela bufava ansiosa.
-Vamos. -Lindsay levantou e gesticulou para que ele a seguisse. -A gente vai dar uma volta.
Will olhou surpreso para ela, depois para o sanduíche.
Ela suspirou.
-Você pode ir comendo. -disse Lindsay, já com a mão na maçaneta.
Will levantou e seguiu a prima prontamente para fora do apartamento, montando na sua cabeça um gráfico de como explicar a ela tudo que estava acontecendo atualmente na sua vida, apesar de saber que ela sabia tudo em parte.
Os dois desceram e caminharam até o campinho de futebol vazio. Ainda era nove da manhã, quase ninguém nas férias acordava tão cedo, a não ser as crianças ansiosas por piscina. Will havia sido uma delas um dia, sabia muito bem como era isso.
Ao chegarem no campo, eles subiram as arquibancadas até ficarem sob a sombra de uma cobertura que só cobria quatro linhas de assentos e se acomodaram no topo.
-Quero datas, detalhes, ângulos e pensamentos. -disse Lindsay, apoiando os pés no assento da frente e virando a cabeça para falar com o primo.
Will havia acabado de comer o sanduíche na metade da subida, ele bateu as mãos na bermuda para limpar as migalhas e respirou fundo.
-Deixe-me ver por onde devo começar... você empurrou o Nico para mim...
-O que? -ela se fez de surpresa.
-Ele me contou. -Will riu. -Você foi perguntar a ele se ele estava solteiro e disse que alguém entre nós estava interessado.
Lindsay, vendo que não podia mais mentir, desistiu e riu.
-É, você iria demorar demais sozinho.
  -Enfim, na noite da festa me empurraram na piscina e ele foi checar se eu estava bem. Então... -ele relanceou um olhar para a prima, e continuou. -Então ele me levou para o quarto dele.
Lindsay puxou o ar e cobriu a boca com as mãos.
-Não, não aconteceu nada demais. -ele apressou em dizer, antes que ela saísse pulando. -Mas eu contei a ele que era eu de quem você estava falando e ele me beijou.
Lindsay estava saltando sentada, mordendo a junta do dedo.
-Sim, e...?
-E eu dormi no quarto dele, por isso você não me encontrou.
A fixa caiu naquele momento para Lindsay. Ela se lembrava de não ter aberto a porta do quarto de Nico, todo mundo sabia qual quarto não era permitido entrar, havia sido repetido mil vezes.
-E ele dormiu lá? -ela perguntou.
-Não, ele saiu do quarto e...
Ela arquejou.
-Ele mentiu pra mim!
Will franziu a testa.
-Eu encontrei ele perto da escada e perguntei a ele se ele tinha te visto por aí, aí ele disse "não, deve está com alguém". -Lindsay parecia como se tivesse terminado um quebra cabeça.
Will riu.
-Depois da festa, nós tivemos um desentendimento. No dia que a Hazel quase se afogou. -ele continuou. -Não nos falamos por um tempo, até que eu achei o número dele, que ele tinha deixado dentro do meu livro.
Lindsay sorriu, se pudesse, sairiam corações dos seus olhos.
-Então combinamos de nos encontrar ontem e... ficamos na praia. Fim. Está bom para você?
Lindsay riu, encantada.
  -Você parece tão feliz. -ela disse, apoiando a bochecha na palma da mão.
  Will se encostou no banco e avaliou a si mesmo. Sim, ele estava feliz. E um tanto agitado.
  Sentia-se como uma criança depois de descobrir que tinha chocolate escondido em casa e ninguém sabia que ele tirava um pouquinho todos os dias. Era a sensação única de fazer algo todos os dias, mas que só você sabia.
  Ele gesticulou indicando o próprio peito.
  -Estou ansioso. Eu fico pensando que eu quero ver ele, mas... ao mesmo tempo eu não quero.
  Lindsay franziu a testa, confusa.
  -E por que não iria querer?
  -Porque... -Will suspirou. -Porque eu não sei fingir perto dele. Antes ele não sabia. Eu podia agir normalmente. Agora parece que eu tenho que prestar atenção em tudo que eu faço ou falo.
  -Will, acho que "agir normalmente" é como você está agindo agora, não antes.
   Ela tinha razão, Will conseguia reconhecer. O normal seria agir como bem entendesse, coisa que ele não fazia desde... desde sempre? Will estava tão acostumado a não ser ele mesmo que começar a ser era estranho o suficiente para que ele se assustasse.
  Will respirou fundo e passou as mãos no rosto. Ele balançou a cabeça e se virou para a prima.
  -Escute bem, porque só vou dizer uma vez. -ele se inclinou para perto dela. -Você está certa.
  Lindsay riu alto.
  -Eu devia ter gravado isso. Meu priminho está apaixonado. -ela disse bagunçando os cabelos dele.
  -Eu nunca disse isso.
  -Para você admitir que eu estou certa, só pode ser paixão ou loucura. O que termina sendo a mesma coisa.
  -Você acha que estou apaixonado?
  -Ah, sim. Com certeza.
  Will sentiu o pescoço esquentando e logo Lindsay estava gargalhando novamente.
  -Você ficou com vergonha?
  -Claro que não. -ele bufou.
  -Quem olha até parece que você é um rapazinho inexperiente. -ela disse, com tom de zombaria. -Vamos lá! Você sabe como as coisas funcionam, por que está com vergonha?
  Will bateu os pés no chão nervosamente.
  -É diferente. -ele disse, desviando do olhar curioso e provocador da prima. -Com ele é diferente.
  -Diferente como?
  -Tudo é diferente. -ele disse exasperado, virando-se para ela.
  -Will, você não pode pensar só na parte física da pessoa.
  -Não estou pensando nisso! -Will sentiu seu rosto esquentar de novo. -É que... antes, não havia nenhum... sentimento envolvido.
  -Nunca? Por ninguém?
  Will negou, sentindo que a zombaria tinha parado por um momento. Lindsay parecia seria agora.
  -Você nunca nem sequer gostou de alguém?
  -Você sabe que não é assim.
  Lindsay sabia. Will havia tido algumas paixões por algum tempo, depois ele simplesmente desistiu. Quando alguém chegava aos seus olhos ele desviava. Havia conseguido viver vinte anos desviando de pessoas em potencial para serem alvos de paixões.
  -Ele é diferente. -Will ecoou, com um suspiro. -Eu nunca achei que perderia o ar só porque alguém estava vindo falar comigo. Nos últimos dias tem sido assim o tempo todo.
  -Então... ele é meio que sua paixão de primeira viagem?
  Will assentiu. Lindsay abriu um sorriso que quase rasgou suas bochechas.
   -Isso é a coisa mais adorável que eu já vi na minha vida inteira. -ela disse, fingindo que estava chorando. -Obrigada por me incluir nessa história.
Will a deu um empurrãozinho.
-Pare com isso.
-Não é todo dia que se presencia uma história de amor, okay? -ela reclamou, devolvendo o empurrão. -E além do mais, eu estou muitíssimo feliz por você, o que já me deixa inscrita para a vaga de madrinha.
Will respirou fundo e balançou a cabeça.
-Não. Prefiro a Silena.
Lindsay arfou, se fazendo de ofendida, porém ambos sabiam que, querendo ou não, e com quem quer que fosse, Lindsay seria madrinha de qualquer coisa que Will fizesse. Ela havia sido sua acompanhante de baile todos os anos do colegial, mesmo quando ele insistira para ela ir com alguém que ela quisesse, então por que não seria óbvio que ela fosse sua madrinha?
-De verdade, -Lindsay riu e se sentou mais perto dele. -Estou feliz. Sabe quanto tempo eu não vejo você assim?
-Assim?
-É, com cara de quem quer ser feliz, não com cara de quem precisa ser feliz.
Will sorriu.
  -Deve fazer um tempo.
  O sorriso de Lindsay falhou, e ela suspirou, lentamente desfazendo o sorriso.
  -Não briga comigo, mas eu acho que eu nunca te vi assim. -ela disse, baixo, e Will pode sentir algo na voz dela. Quando a olhou, Lindsay não parecia nem um pouco bem.
  -Qual o problema, Lind? -Will pegou a mão dela, preocupado.
  Ela desviou o olhar para o outro lado do campo, seus olhos escrutinavam tudo à frente, contudo, não viam nada. Sua respiração parecia pesada, e Will tinha a leve impressão que ela estava segurando o choro.
-Se tiver algum problema, pode me contar. -ele insistiu.
Depois de um instante ela disse:
-É como eu disse, Will. Nunca te vi assim. -ela respirou fundo. -Me deixa a sensação de que tudo que eu conheci até hoje de você é mentira e eu não sei mais nada.
Will franziu a testa.
-Claro que não, Lind. Você foi a primeira pessoa para quem eu contei. Eu sempre fui eu mesmo com você.
-Jura?
Will assentiu.
Lindsay suspirou aliviada, os olhos cheios de lágrimas.
-Ah, que bom então.
Will não podia deixar de rir, e Lindsay o acompanhou. Ela fungou e espalhou as lágrimas.
-Se você não contar que eu chorei, eu não conto que você corou por causa do Nico. -ela disse, estendendo a mão.
Will a segurou.
-Fechado.

Summer Strange Love - Solangelo Onde histórias criam vida. Descubra agora