1.6

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Adora sentia dor.

Não uma dor superficial e que parecia ir embora a qualquer momento. Era uma dor quase insuportável. Ela queria gritar, quebrar alguma coisa, queria que pudessem arrancar aquela dor.

Seu corpo queimava, sua mente era uma bagunça sem fim. Sua língua pesava como chumbo dentro da boca, mas mesmo se não pesasse, duvidava que conseguiria falar.

Seus olhos azuis estavam abertos — finalmente —, mas ela não fazia ideia de quanto tempo fazia (minutos? Horas?). Ela fitava o teto branco, e pelos barulhos sabia que estava no hospital.

Ouviu a porta do seu quarto ser aberta, mas não se moveu. Não queria ver quem era. Não queria ser vista.

Ela sabia o motivo de estar ali, o motivo do seu corpo doer tanto, o motivo pelo qual não queria que ninguém entrasse ali.

Eles também sabiam.

Todos sabiam.

E logo começariam a fazer perguntas.

Adora quis chorar.

Por quê não se defendeu? Era forte, robusta. Ela podia ter se defendido... mas não o fez... foi covarde, teve medo e ficou parada. Simplesmente chorou, e implorou.

Obviamente, não foi ouvida.

Por que seria ouvida, não é?

Ela era apenas uma vadia. Uma vadia mal comida, como eles falaram.

Ela era apenas uma vadia que “dava pra uma mulher, porque nunca foi comida por um homem de verdade”.

Eles eram homens de verdade?

Não... não eram.

Eles eram monstros. Criaturas sem coração, sem compaixão e sem respeito.

Ela não teve culpa, não é? Não foi culpa sua ser abordada, usada e largada naquele beco...

Não.

Não devia ser culpa sua.

Então por que doía tanto? Por que sentia tanto nojo de si mesma? Por que sentia tanta vergonha que alguém lhe visse daquele jeito?

Por que tinha certeza que lhe culpariam?

A roupa estava pedindo? Era muito tarde pra estar na rua? Ela era lésbica e precisava de uma lição?

Sentiu a garganta arder, mas os olhos estavam secos.

Não conseguia mais chorar.

Não conseguia ter expressões.

Se pudesse escolher, escolheria estar morta.

Como eles achavam que ela estava, quando a deixaram naquele beco.

Deus, ela realmente queria estar. Doeria menos, seria tão mais fácil...

— Hey, Adora...

Aquela voz.

Catra. Era ela que estava ali... presenciando sua derrota, seu pesadelo como mulher.

Catra, a mulher que amava mais do que qualquer coisa. Ela estava ali, ao seu lado.

O lugar onde não devia estar.

Ela não precisava estar ali.

Não, não devia vê-la daquela forma.

— Você consegue me ouvir, amor? — a voz dela estava quebrada, péssima. — Adora... por favor me dá um sinal de que consegue me ouvir... de que você está aqui...

Por dentro, Adora soluçou, mas por fora apenas desviou os olhos do teto pra olhar a namorada. Não expressou nada. Nem pelos olhos, nem pelo rosto. Simplesmente a olhou.

Provavelmente sua expressão era vegetativa. Estava viva. Consciente. E só.

Não, não, vegetativa não era a expressão certa.

A expressão certa era quebrada.

Viva por fora, morta por dentro.

Sim, isso resumia tudo.

— Fiquei com medo de perder você — Catra acariciou seu cabelo. — O que seria de mim, se você me deixasse?

Adora piscou. Inconscientemente apertou a mão da morena, que acariciava a sua. Ela estava ali. Catra veio por ela. Tomara o primeiro passo — de novo. Estaria virando um hábito ela lutar pelas duas?

Catra tinha olheiras debaixo dos olhos de cores diferentes, o cabelo fora cortado — o motivo ela adoraria saber. —, e sua expressão parecia aliviada e dolorosa ao mesmo tempo.

— Eu te amo, Adora... e eu vou estar aqui, sempre... como devia ter estado antes.

Seu coração bateu mais forte, mudando sutilmente o barulho do aparelho.

Ouviu a namorada sorrir.

— Vamos trabalhar nisso, okay? Eu não vou sair daqui.

↬ʟᴜᴄᴋʏ sᴛʀɪᴋᴇ • ᶜᵃᵗʳᵃᵈᵒʳᵃOnde histórias criam vida. Descubra agora