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Catra estava tentando se manter calma.

Mesmo com o acompanhamento que até ela estava fazendo com a psicóloga do caso de Adora, as coisas não pareciam mais fáceis. Muito pelo contrário.

Sabia que ela ainda passava pelo estresse agudo — que antecede o TEPT —, mesmo assim... parecia ainda mais reclusa a cada dia.

Já fazia duas semanas que estava no hospital, e Adora mal falava ou gesticulava. Às vezes parecia que ela ao menos ouvia quando conversavam consigo.

A morena andava com a rotina simplesmente exaustiva, mas quando se deitava pra tentar dormir, o sono não chegava. Não culpava Adora, nem o fato de mudar sua rotina de forma quase drástica pra conseguir ir vê-la no hospital por algumas horas...

Ah, não.

Culpava à si mesma.

Se culpava por ter cogitado deixá-la quando a poeira abaixasse. Se culpava por sequer pensar que estaria fazendo bem à Adora, se afastando.

Ela estava fazendo isso por si mesma, e pela primeira vez, Catra estava indo atrás dela. Lutando de verdade, efetivamente. Sendo presente quando Adora quer ser deixada pra trás...

— Ela vai fazer isso de propósito, porque mulheres no caso da Adora acreditam que não servem mais, queridinha — explicou Madame Razz, a psicóloga que Light Hope havia indicado. — E é exatamente isso que temos que ir combatendo. Não cercando a menina, e invadindo seu espaço, não. Mas estar presente, lhe dizer palavras de carinho, mostrar que se importa. Isso vai ajudar a tirá-la do seu torpor, fazê-la ver que ainda é querida. Que ninguém a ama menos pelo que aconteceu.

Catra respirou fundo, tomando um longo gole do seu chá de camomila. Penelope tinha enchido sua dispensa com alguns tipos de chá além daquele, e tinham origem orgânica e meio duvidosa — pelo menos não era maconha.

Sentada no seu sofá, olhava as luzes da cidade através do vidro da janela, desejando que as coisas fossem mais fáceis.

Não conseguia nem ficar no próprio quarto... O cheiro de Adora ainda estava impregnado pela sua casa, mas lá parecia “pior”.

Naqueles meses havia se acostumado tanto com a namorada dormindo ali com ela... ficar sem seus sorrisos machucava seu coração.

Mas Catra sabia que pra ajudar sua princesa, precisava se livrar dos próprios demônios, superar seu próprio trauma.

Como convencer Adora a ser forte e enfrentar de cabeça erguida, quando ela mesma era uma covarde?

Pegou o celular no bolso do moletom e desbloqueou a tela, mordendo os lábios.

Já tinha tomado a sua decisão.

[...]

Adora acordou igual aos últimos dias. Sentia náuseas constantes e falta de apetite. Tomava na veia um coquetel de remédios pra evitar DSTs, fora os analgésicos e remédios pra controlar a dor e os ataques de pânico.

O último tinha sido durante a visita de Logan e Rosalie. Ele se inclinou para lhe beijar a testa, com cuidado e sem se aproximar demais... o problema era que ela ainda tinha aquelas memórias. Pareciam cada vez mais nítidas... cada vez mais cruéis.

Ela surtou.

Foram necessários alguns minutos e uma dose de calmante pra conseguir ficar mais sossegada. Seu pai e Adam mal se aproximavam da cama, depois disso.

Ela se culpava por essa situação, mas não podia evitar. Não conseguia se sentir bem com a presença masculina, e às vezes nem a presença de Catra a deixava confortável.

Ouviu o som inconfundível da enfermeira entrando e virou minimamente a cabeça.

— Bom dia Adora — disse a mulher, recebendo um aceno sutil como resposta. Não era exatamente uma saudação, mas entendia que não podia oferecer muito. — Sua primeira visita é a oficial Hunter. Ela quer falar com a senhorita.

— Okay.

O tom de voz era rouco e falhado pela falta de uso, mas ainda assim claro como um sino de vento. A enfermeira terminou as dosagens do coquetel de remédios e saiu, deixando a loira olhando fixamente pra bolsa de soro.

Não demorou quase nada. Logo Tara Hunter entrou no quarto, com seus incríveis 1,89m de altura e presença forte.

Seu rosto era marcado pelas rugas de preocupação, embora tivesse somente 32 anos, o cabelo preso no rabo de cavalo, raspado nas laterais, eram platinados e seus olhos negros como carvão. A camisa social branca contratava bem com sua pele parda.

Adora se pegou analisando a mulher como na primeira vez. Desconfiada demais? Talvez.

Mesmo que Tara tivesse se mostrado como uma mulher admirável na primeira visita.

— Sua mãe me deu o seu recado — falou a grandalhona, sentando na cadeira próxima. O distintivo da polícia balançou ao movimento dela.

— Eu quero dar o meu depoimento. — Adora confirmou o que pediu pra mãe fazer.

— Você tem certeza?

— Se o que falta pra eles ficarem presos em definitivo é meu depoimento, eu o darei — a loira a olhou. — Conversei com meus pais, com Madame Razz e com minha namorada... preciso fazer isso. Enfrentar o meu trauma vai me ajudar... eu acho.

— Você não pode se forçar a fazer isso, Adora — Tara se recostou na cadeira. — Eu já estive no seu lugar, um dia. Sei como está se sentindo.

— Eu quero que eles paguem... e que não tenham a chance de... de abusar de outras garotas... — Adora procurou respirar fundo e tentar se acalmar, não queria ser sedada. — Eu não disse que vai ser fácil... mas é um primeiro passo. E eu preciso dar esse passo... eu...

— Tudo bem, Adora — a mulher sorriu compreensiva. — Você pode dar o seu depoimento aqui mesmo. Quer marcar pra amanhã, ou...

— Hoje, depois do almoço — a loira olhou pras mãos. — Meu pai pode estar comigo, não é?

— Se ele vai ser seu advogado, sim — Tara assentiu. — Venho depois do almoço, então. Uma da tarde está bom?

— Sim, Tara, obrigada.

[...]

— Eu vou depor daqui a pouco — Adora disse, uns dez minutos depois que Catra chegou.

A morena, que acariciava sua mão, olhou pra ela, surpresa. Não por ela ter falado. Incrivelmente nos últimos dias ela começara a se abrir mais. Às vezes chorava e tinha ataques de pânico, mas segundo Razz já era algum avanço. O que a surpreendeu foi Adora falar tão tranquila e friamente o que ia fazer. Como se não se importasse.

Tinha alguma coisa errada?

— Você falou com a Tara? — perguntou baixo, temendo fazê-la se fechar no próprio casulo.

— Falei — a loira soprou a palavra. — Eles precisam de uma denúncia formal pra dar seguimento ao caso. Meus... agressores... foram identificados. Estão presos provisoriamente.

— Sem a denúncia eles podem alegar que foi consensual?

— Podem. Os advogados podem dizer que as provas são circunstanciais. E serão soltos. Provavelmente farão a mesma coisa com outra garota.

— Eu vou estar com você até o fim — Catra se aproximou lentamente beijando sua testa e acariciando levemente seu rosto.

— Você está tão bonita com o cabelo curto — Adora murmurou, com um princípio de sorriso.

— Obrigada — a morena sorriu acanhada. — Também tenho algo pra te contar.

— O que?

— Eu descobri o paradeiro da Shannon — Catra fixou seus  olhos bicolores nos de Adora. — Ela está em um centro de reabilitação. Eu... vou visitá-la.

↬ʟᴜᴄᴋʏ sᴛʀɪᴋᴇ • ᶜᵃᵗʳᵃᵈᵒʳᵃOnde histórias criam vida. Descubra agora