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Pov Catra

T

io Randor e Tara permitiram que eu ficasse no quarto, durante o depoimento de Adora. Do jeito que eu estava sentada ao seu lado, eu fiquei, segurando sua mão.

E a cada palavra que ela dizia, meu coração se apertava mais e mais no peito.

Cada descrição detalhada sobre seu abuso, me fazia querer chorar.

Adora tinha memória fotográfica, afinal. Ela sempre se lembrava perfeitamente de qualquer coisa.

Infelizmente, esse era um caso.

Eu queria poder tirar com a mão, toda aquela dor que emanava da sua voz. Queria tirar o sofrimento que ficava nítido no seu olhar. O estremecimento da sua estatura nos detalhes mais “pesados” me fazia querer niná-la e acariciar seus cabelos, prometendo jamais sair do seu lado.

Mas tudo o que eu fiz foi segurar firme em sua mão. Tentei lhe enviar a coragem que ela precisava, muito embora eu também estivesse precisando.

—... e então eu desmaiei — Adora terminou seu relato, seus olhos estavam cheios de lágrimas, e algumas molhavam suas bochechas rosadas. — Eu só me lembro de acordar aqui no hospital, depois disso.

— E você conhecia algum deles? Se lembra de ter visto antes? — Tara perguntou, e eu senti o estômago revirar. Ela tinha me mostrado os perfis dos suspeitos, segundo os testes de DNA no material genético. Eu os conhecia.

— Já os tinha visto pelas ruas do bairro, em outras ocasiões — ela secou o rosto com a mão (tinham tirado o soro por alguns minutos). — Eu visito minha namorada com frequência.

Não pude evitar corar um pouquinho.

— Se eu te mostrar algumas fotos, acha que pode reconhecer algum deles?

— Com certeza.

Tara mostrou fotos de suspeitos. Entre eles, as fotos dos identificados. Minha namorada não levou muito tempo pra encontrar seus agressores em todos aqueles rostos. Mas olhar pra um deles em específico, a vez estremecer e voltar a chorar.

Troquei um olhar com Tara e meu sogro. Com certeza aquele era o que a tinha machucado mais. O que tinha dito as piores coisas.

E aquele também era o meu vizinho. Morava no apartamento de frente ao meu.

[...]

Adora já estava mais calma, naquela altura. Eram quase três da tarde, e dali a pouco eu tinha que ir embora. Era minha folga do bar, por isso tinha marcado minha visita à Shannon às três e meia. Depois eu voltaria pro hospital, pra passar a noite com ela.

— Eu não quero que você fique sozinha no apartamento — escutei sua voz baixa. Tomei um pequeno susto, porque achei que ela estava dormindo.

— Adora...

— Por favor — ela me olhou em súplica. — Você pode ficar lá em casa, ou com a Scarlett... mas, por favor, não fique sozinha... eu estou implorando. — seus olhos azuis voltaram a ficar marejados. — Você ouviu o que eu contei, Catra... podia ter sido você. O alvo era você.

Seu desespero era tão palpável que eu simplesmente concordei. Não podia negar qualquer coisa que ela me pedisse naquele estado. Tive que ligar para Logan e Scarlett, que me levariam até o meu apartamento pra buscar algumas roupas, e eu passaria alguns dias com a platinada. Só então ela se acalmou de verdade, e relaxou o suficiente pra conseguir dormir e descansar.

Me preparei mental e psicologicamente pra sair do hospital e ir pra clínica, onde Shannon estava internada há um ano, e que não era muito longe. Ela parecia não ter tido recuperação, segundo o médico que me atendeu no telefone. Ele também acrescentou que talvez ela tivesse alguma melhora se visse alguém da família, especialmente sua única filha.

Eu duvidava disso.

Shannon nunca gostou de mim, essa era a verdade. Às vezes fingia gostar, geralmente pra me manipular, ou tentar passar o papel de boa mãe. Eu não sei como o meu pai era apaixonado nessa mulher... não consigo entender.

Suspirei, enquanto era conduzida pro jardim, onde eu poderia ver minha “querida” mamãe. Consegui vê-la de longe, sentada no banco de madeira. Os cabelos longos e negros escorriam por cima dos olhos e do rosto, a pele estava muito pálida, chegando a parecer cinzenta, embora bem cuidada. Seus olhos verdes se cravaram em mim, e eu podia sentir o peso deles.

Por um momento, eu tive dezesseis anos e senti outra vez suas mãos com as unhas grandes apertando o meu pescoço. Eu ainda tinha as marcas delas na nuca.

Fechei os olhos e abri outra vez, deixando aquela imagem no passado — ou em um lugar da mente que eu pudesse acessar em outra ocasião.

Razz tinha razão... eu era capaz de enfrentar meu trauma, meu passado, e o deixar onde era o lugar dele.

Sustentei o olhar carregado que ela me lançava em silêncio, e me sentei no banco ao seu lado. Obviamente um enfermeiro ficaria por perto, pra segurança dela, e pra minha.

— Qualquer coisa é só chamar — disse o homem. Assenti.

O silêncio se fez presente, enquanto nós duas nos encarávamos. Ela parecia me analisar, como sempre fazia antes das agressões verbais. Lutei contra a vontade de me encolher ou sair correndo.

— Veio aqui só pra ficar me olhando? — Shannon perguntou. A voz parecia tão ruim quanto sua aparência.

— Não — me surpreendi por conseguir falar sem gaguejar. — Só não sei bem como começar essa conversa.

— Ridículo como você acha que eu realmente preciso conversar contigo — ela riu secamente. — Uma ingrata, que deixou a mãe à própria sorte. Que não teve a mínima consideração em me deixar sem nada. Olha onde eu estou por sua causa, garota.

Comprimi os lábios, sentindo a garganta arder. Tinha sido uma péssima ideia. Eu não estava pronta. Adora era melhor do que eu nisso... muito mais forte do que eu.

— Eu não fiz isso com você, Shannon — obriguei minha voz a sair firme e audível. — Você veio pra cá porque precisa de ajuda. Você descontou todas as suas amarguras e frustrações em mim durante toda a minha vida... eu só queria saber o porquê.

— Eu nunca quis você, garota — a resposta seca me fez prender a respiração. — Quando descobri que te teria, foi um inferno. Mas seu pai te queria. E ele jamais me perdoaria se eu me livrasse de você antes de nascer. Ou mesmo depois. E quando você nasceu, ele te amou como se não houvesse mais nada no mundo. Como se nem eu existisse mais. Você destruiu o meu casamento, Catherine. Você é a culpada das nossas brigas. Talvez seu pai estivesse vivo se você não existisse.

Mal senti a lágrima que rolou pelo meu rosto. A única.

Agora eu tinha as respostas que eu tanto quis... agora tudo fazia sentido. Me levantei do banco, me sentindo até enjoada. Não olhei pra trás, nem mesmo quando ela me chamou de volta. 

Meus ouvidos zumbiam, e eu não conseguia respirar direito.

Que ela não gostava de mim eu já sabia, mas ter a confirmação de que minha própria mãe me odiava era mais doloroso do que eu poderia imaginar.

Já do lado de fora, puxei meu celular do bolso, buscando um nome na lista de contatos. Liguei imediatamente quando encontrei quem queria.

Não tinha condição alguma de guiar minha moto, e só  esperava que Scarlett pudesse me buscar. Não suportaria mais um segundo ali.

↬ʟᴜᴄᴋʏ sᴛʀɪᴋᴇ • ᶜᵃᵗʳᵃᵈᵒʳᵃOnde histórias criam vida. Descubra agora