Capítulo 37 - Harvey

320 34 29
                                    

Quando vemos alguém acordando no hospital em uma série de TV ou um filme, não imaginamos como essa pessoa deve se sentir. As câmeras e a má atuação fazem tudo parecer tão fácil, quando, na verdade, a primeira coisa que senti ao acordar foi uma dor lancinante em regiões diversas.

Em específico, meu olho direito. Eu tinha certeza de que não conseguiria abri-lo por uns bons dias.

A segunda coisa que senti foi o odor de bebida que impregnou em minha pele e deixou-me instantaneamente enjoado. Eu sabia que haviam mudado minhas roupas, pois me sentia muito mais leve em tecidos finos, mas o cheiro continuava ali, e me incomodava profundamente. 

Terceiro, ouvi os burburinhos dos que estavam ao meu redor. Não sabia como haviam deixado tanta gente entrar ao mesmo tempo, mas eu imaginava que tinham ao menos quatro pessoas ali. O que me deixou um pouco feliz, pois eu podia sentir dores imensas, mas ao menos não estava sozinho.

Mas, então, as lembranças começaram a voltar. Aos poucos, pelo menos, eu conseguia me forçar a lembrar. Eu havia ido à casa de Lukas para me redimir, sim, disso eu me recordava bem. Então, eu vi Markus ali. Eles me viram. Os dois estavam tão próximos, e eu temi, temi muito. Mas não pela minha vida, por mais que eu devesse.

— Ei, ei, gente. Ele se mexeu. — Ouvi Sven dizer e, em um instante, todos ficaram quietos, quase ansiosos. Pareciam esperar que eu abrisse os olhos, mas era difícil, pois minhas pálpebras pareciam estar coladas umas nas outras.

Quando meu olho esquerdo conseguiu espiar vagamente o cômodo onde eu me encontrava, demorei um pouco de me acostumar com a luz, por mais que eu soubesse que estava escuro lá fora. Minha visão era embaçada, mas eu conseguia identificar todos por suas silhuetas.

Noora. Sven. Cornelius. 

Viktor.

Esse último mexia a perna ansiosamente, pude dizer. Quanto mais tempo passava fitando-o, mais conseguia distinguir suas expressões faciais. Ele andou chorando. E, pelo seu seu nariz vermelho e olho inchado, seu choro havia se estendido por horas, ou dias. Suas olheiras eram mais profundas que a última vez que o vi. Ele parecia péssimo, mas eu podia apostar que eu estava pior.

Era isso o que fizemos um com o outro?

Não, a culpa não era dele. Ele tinha razão em se afastar de mim. Ele deveria ficar o mais longe possível. Ele era perfeito, e eu era uma escória. Eu deveria ter morrido. Markus e Lukas deveriam ter terminado o que começaram. Eu deveria...

— Eu achei que tinha te perdido de vez. 

O seu murmúrio frágil interrompeu todos os meus pensamentos, e minha mente ficou em branco. O olhando daquela forma, tão lindo, mas tão triste, eu só queria abraçá-lo. 

Sempre com poucas palavras, Viktor conseguia diminuir minha vontade de sumir do mundo.

— Você sabe, as piores pessoas são as mais difíceis de morrer. — Tentei sorrir, mas tenho quase certeza de que não consegui.

— Que porra foi essa, Harvey? Você não cansa de vir pro hospital, não? — Disse Noora, que "gentilmente" me lançou um tapa no couro cabeludo, despertando reclamações de todos os outros que ali estavam.

— Amor, eu não acho que se deve bater nas pessoas em um hospital. — Comentou Sven, talvez até com um pouco de medo dele mesmo apanhar depois de tê-lo dito, mas, ainda assim, rindo. 

— "Amor"? — Murmurei, achando uma situação de fato divertida. E eu sabia, mesmo sem enxergar direito, que Noora havia ficado completamente vermelha. 

— É só um nome idiota. 

Uma enfermeira não demorou de chegar. Depois de ter o exame ocular e o de pressão devidamente checados, ela pediu para que eu ficasse ali com apenas um acompanhante, e que em algumas horas eu poderia ir para casa.

Me Faça Lembrar ⚣Onde histórias criam vida. Descubra agora