Capítulo 33 - Harvey

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Eu sempre tentava arranjar desculpas para o comportamento de Viktor, procurando racionalizar e filtrar as atitudes que deveriam me chatear, porque eu sabia que o maior motivo pelo qual ele agia daquela forma era... eu. Eu havia estragado tudo o que nem tivemos por conta do nosso passado, e tentava, ainda que inutilmente, fazê-lo me aceitar na sua vida como se nada houvesse acontecido.

Mas agora eu estava realmente cansado.

Eu estava cansado de travar uma batalha que eu sabia que iria perder, então eu me decidi que eu desistiria. De vez.

O problema era que, quando você menos quer ver uma pessoa, o destino dá um jeito de colocá-la na sua vida e te ferrar com gosto. E dessa vez não foi diferente.

Se tinha uma coisa que eu simplesmente odiava fazer em casa era ter que lidar com produtos de limpeza. Eu não sabia quais usar e para o quê, e, quando acabavam, não sabia quais comprar; cheguei inclusive a manchar diversas roupas daquela forma. Meu desespero era tamanho que reconheci todo o esforço da minha mãe, enquanto ela ainda estava viva, em saber toda aquela merda.

E justamente por isso, era um inferno toda vez que eu tinha que ir ao mercado. Eu passava horas tentando me decidir que produto levar, ainda que me decidisse muito rápido sobre as comidas da semana: que eram, aliás, enlatados e industrializados em sua maioria.

Mas, por uma ironia do destino, ou pelo fato de que a cidade era minúscula e tal coisa era inevitável, escutei uma voz familiar aproximando-se de mim, que conversava com alguém que estava na outra fileira do mercado. Não o reconheci, porém, até enxergar seu rosto.

Era Sr. Fontaine, distraidamente carregando uma cesta no antebraço. Eu adorava aquele homem, mas sinceramente, desejei que ele não houvesse me visto, só para que eu pudesse passar o meu dia sem mais paranoias. Mas, claro, nenhum dos meus desejos são atendidos na minha vida.

— Harvey! — Ele sorriu para mim com aquela expressão calorosa, mas não me abraçou, por mais que ele tivesse a feição de quem facilmente abraçaria um conhecido na rua. — Tudo bem? Você sumiu! Pensei que apareceria mais vezes lá em casa.

— Sr, Fontaine, oi! — Fingi um entusiasmo que não estava conseguindo ter em um bom tempo. — Desculpa, andei ocupado esses dias, e...

— Que coincidência te encontrar aqui! Viktor também está aqui. — E, antes que eu pudesse fazer algo para evitar o que estava para acontecer, Cornelius gritou para a estante ao lado. — Viktor!

Não demorou muito pra que o ruivo aparecesse aos resmungos. Talvez ele até mesmo soubesse que eu estava lá, e tentou me evitar a todo custo. Mas agora, ele estava na minha frente.

E, ainda assim, ele não conseguia olhar pra mim.

— Bem, eu vou pagar essas coisas. — Disse o mais velho, pegando um detergente e um amaciante. Prestei atenção nas marcas que ele havia escolhido, para que eu comprasse o mesmo. — Viktor, por que não ajuda Harvey com as compras? Ele está com a cara de quem precisa. 

Viktor revirou seus olhos claros e bufou, dando a entender que ele não faria nada a menos que fosse obrigado. Era engraçado, pois, se eu algum dia houvesse respondido meu pai daquela forma, eu que estaria morto ao invés dele. Porém, Cornelius apenas lhe lançou um olhar significativo que eu não consegui compreender, mas que, de alguma forma, fez o ruivo assentir, a muito contragosto.

— Bem, Harvey, foi um prazer te rever. Espero que nos encontremos mais vezes. — O Fontaine mais velho se despediu com um sorriso e um aceno, deixando-me na situação mais desconcertante que eu podia estar, com a pessoa que eu menos queria ver.

O primeiro a falar, porém, foi ele.

— Com o quê você precisa de ajuda?

— Eu não preciso. — Murmurei, sem ter a mínima ideia de como agir. Eu não conseguia agir como se nada houvesse acontecido, pois isso simplesmente não fazia parte da minha essência, mas eu também não estava nada a fim de causar um escândalo no mercado.

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