Capítulo 14 - Viktor

404 49 50
                                    

Em um dia, o total de garotas que deram em cima de Harvey foi dezesseis. Dentre elas, ele sorriu para todas, apertou as mãos de doze, riu de algo que sete falaram, mas tocou apenas cinco. Algumas vezes, era uma mão no ombro; quando quis ser mais fofo, fingiu ajeitar os cabelos delas; e, quando quis ser um pouco mais ousado, tocava-lhes a cintura enquanto andavam, bem discretamente.

Aquele idiota.

Ele com certeza se achava o maior galã com aquele seu sorriso torto, que mostrava seus dentes afastados. Ou aquele nariz que enrugava toda vez que ele ria. Chegava a ser patético, especialmente por conta de sua recém adquirida mania de vestir roupas justas apenas para exibir seus recém adquiridos músculos.

Eu morria de medo de Harvey voltar a ser o que era antes, mas de forma alguma o antigo Harvey era tão simpático... e garanhão.

Passei um bom tempo apenas observando a situação. Se ele achava que eu iria correr para seus braços como aquelas meninas que mexiam em seus cabelos, ele estava bem enganado; que ficasse bem claro que eu era a única pessoa naquele colégio que ele não conseguiria pegar. Ao menos era o que uma parte minha me dizia.

Porque a outra parte estava louca para mandá-lo uma mensagem, por mais que eu resistisse com todas as minhas forças. E, se alguém me perguntasse, eu nunca admitiria, mas me sentia culpado por ter mentido para ele. O fato de Harvey estar seguindo a vida super bem com aquilo era um consolo, certamente, mas também me deixava incomodado.

Se ele estava seguindo a vida tão bem, eu era tão insignificante assim para ele?

Enfim. Não queria entrar naquele mérito, pois me sentia um grande hipócrita. A questão era que ele nem ao menos olhava na minha cara, e passava absolutamente todo o seu tempo com seus amigos do basquete ou com sua mais nova e inesperada amiga, Noora.

Em contrapartida, eu e Sven havíamos nos aproximado um pouco mais. Foi fácil dizer que eu não mais me interessava por ele, só o achava... fofo. Mas eu odiava o observar ao longe, e, quando finalmente conversamos, era perceptível que minha paixão era puramente platônica — e que, quando estava gostando de Sven, eu secretamente preferia que continuasse daquela forma. Ele já havia feito de tudo, e eu, não sabia de nada sobre nada, e detestava a sensação de ter que calcular cada um dos meus passos para acabar não fazendo merda. Eu não era eu quando estava com ele, mas agora, eu podia ser.

De vez em quando, ele sentava comigo no intervalo. Conversávamos mais. Ele era sempre gentil, mas distante e, principalmente, melancólico. Quando eu observava Harvey de longe, sentado sempre com Noora, por vezes com suas coxas em seu colo, percebia de relance que Sven também estava observando. E havia tristeza em seu olhar.

Então eu pensei: fodeu.

Sven gostava de Harvey.

Fazia completo sentido. Todos gostavam de Harvey, ele era extremamente cativante e até os heterossexuais enrustidos não resistiam à dar-lhe uma olhada.

Por mais que não fosse algo claro, havia uma espécie de hierarquia social na escola, onde Harvey e Sven pertenciam à mesma classe; por isso, era o mais plausível. Um era tão bonito, gentil e, agora, popular quanto o outro. Era até como se houvessem sido feitos um para o outro.

E onde eu cabia nisso?

Resposta: absolutamente lugar nenhum.

Tentei não pensar sobre isso. Eu tinha um método de lidar com pensamentos indesejados, em que eu me beliscava todas as vezes em que começava a pensar demais; mas nem isso adiantava quando o assunto era aquele babaca loiro de 1,75 de altura.

Algumas vezes, eu o odiava. Ou melhor, eu queria odiar, queria odiar com todas as minhas forças. Às vezes, eu queria tanto que até chegava a parecer real, mas era falso. E me doía saber disso, pois ele havia me destruído. E estava me destruindo de novo, por mais que, dessa vez, a responsabilidade fosse toda minha.

Em apenas uma noite, na sexta feira, eu o liguei. Minha casa estava toda em silêncio e escura, já que todos lá costumavam dormir cedo, e eu havia acabado de ter uma briga (como sempre) com Isabelle, que havia encanado que eu havia roubado sua presilha favorita (tudo bem, eu era afeminado, mas ?????). Eu estava estressado, e não aguentava mais, e só queria alguém para conversar. Não tinha a coragem de ligar para Sven, que, por mais que fosse um cara legal, não era tão íntimo a ponto de eu confiar as minhas merdas. Leona, como sempre, não atendeu; não que ela fosse uma péssima amiga ou algo do tipo, mas ela era praticamente incomunicável em certos horários, que ela passava ou dormindo ou estudando e acabava desligando seu celular para não se estressar. Então, eu, que já não mais sabia a quem recorrer, apenas o liguei.

Talvez a insônia e a crise de meia noite fossem apenas desculpas para algo mais profundo que eu estava tentando esconder. Se um psicólogo viesse me analisar, provavelmente diria que eu queria resolver as coisas com ele, e não aguentava mais aquela situação. Que seja. Apenas naquele dia, engoli todo o orgulho que havia plantado em mim mesmo desde o momento em que o vi pela primeira vez depois do acidente, e esperei pacientemente o momento em que a voz de Harvey surgisse no telefone.

— Alô? — Ainda não havia me ocorrido analisar a voz dele. Era doce e calma, como se o tempo todo estivesse fazendo uma criança dormir, mas era ofuscada por uma insegurança nítida, como se hesitasse antes de cada frase que proferia. — Viktor? — A forma como pronunciava o "k" em meu nome, o que muito poucos faziam, era um tanto engraçado, mas eu não sabia muito bem o por quê.

— Sim, sou eu. — Respondi-lhe, aliviado, tanto por ele ter atendido quanto por poder falar com ele novamente. Eu poderia fazer várias críticas a mim mesmo naquele momento, como o fato de estar sendo um bobo, mas, naquele momento, um fio de sentimento bom surgiu em mim. Eu só não sabia ainda qual era esse sentimento. — Eu... não sei por que te liguei, na verdade.

— Você quer conversar?

— Sim, mas... não agora, sabe? Não em um celular.

— Podemos nos encontrar. — Ele sugeriu, e o respondi prontamente com um "u-hum". — Certo. Quando?

— Em 10 minutos? — Mordi meu lábio, esperando sua resposta.

— Hm... Tudo bem. Na ponte?

— Pode ser. — Confesso que sorri, mas me repreendi logo em seguida.

— Irei me vestir, então.

— Tudo bem. Digo, eu também.

— Então, até daqui a pouco. — Pela sua voz, ele parecia confuso, mas feliz. Não o julgava; talvez eu também estivesse.

— Até.

— Tchau.

— Tchau.

Não sei quem encerrou a ligação, mas, em dois minutos, eu já havia colocado um moletom e casaco aleatórios, calçado uma bota e guardado as chaves de casa, tomando o máximo de cuidado para não acordar ninguém ao sair. Pois meu pai me mataria por sair naquele horário.

Em cinco minutos, eu estava a caminho da ponte, com o coração querendo sair pela boca. Eu imaginava diversos tipos de diálogo, dos mais loucos até os mais ordinários, e, mesmo assim, não chegava nem perto do que iria me acontecer nos próximos minutos.

Me Faça Lembrar ⚣Onde histórias criam vida. Descubra agora