Capítulo 22 - Viktor

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Podia-se dizer que o meu caderno de desenhos era meu diário mais íntimo. Havia minha vida inteira lá, desde os meus pensamentos mais depressivos aos meus raros momentos de felicidade. Eu não gostava de fotografias; para mim, desenhar um momento que significou muito para mim tinha mais valor sentimental que qualquer outra maneira de eternizar uma lembrança.

A única pessoa que eu deixava ver meus cadernos era Leona. Antes, eu tinha até certa vergonha, mas ela nunca me julgou a respeito de nada que eu desenhava, então, aos poucos, tornou-se um hábito desenhar enquanto ela olhava, ou até tê-la folheando as páginas de meus desenhos com a maior casualidade do mundo. E, vindo de mim, aquela era a maior declaração de amor do mundo.

— Qualquer um que visse seus desenhos acharia que você está prestes a se matar. — Comentou Leona, enquanto eu descansava minha cabeça na carteira. Ela muitas vezes comentava coisas desse tipo, e, na maior parte delas, eu ria, mas, naquele dia em específico, eu só não estava no clima.

Era o último dia de aula antes do feriado de Natal e Ano Novo, o que significava que ninguém estava realmente prestando atenção na aula e, logo depois do feriado, teríamos que apresentar uma merda de trabalho de Biologia. Leona estava surtando internamente com a possibilidade de Harvey não aparecer para a apresentação, mas eu não me importava com mais nada. Ou ao menos tentava não me importar.

— E você anda desenhando muito o Harvey ultimamente. — Disse ela, despertando-me subitamente de meu cansaço, como se houvesse feito um feitiço. Tomei o caderno de suas mãos tão rapidamente que sequer deu tempo para que ela reagisse, mas Leona me respondeu com um sorriso sacana. — Até mais do que desenhava o Sven.

Não tinha uma explicação convincente o suficiente para aquele fato. Ou melhor, não havia uma explicação plausível que se desviasse da verdade de que eu o desenhava porque ele era... bem, ele. Então, apenas aceitava o fato de que, aos poucos, os desenhos de Sven haviam desaparecido daquelas folhas, dando lugar às várias ilustrações de Harvey que surgiram em seguida.

— Eu não sei por que vocês ficam nesse drama todo de vocês. — Começou a morena, assim que ouvimos o sinal tocar, anunciando que aquela era a última aula. Logo, nos empenhamos ansiosamente a guardar nossos materiais.

— Podemos não falar sobre isso? Você sabe quem ele quer. Nós dois vimos.

— Felicity? Pelo amor da Deusa, Viktor, Que cara bissexual em sã consciência escolheria justo Felicity? — Ela revirou os olhos, já começando a se irritar comigo. — E não é como se você tivesse visto os dois transando ou algo do tipo.

— Primeiro, eca. E segundo, eca. — Apenas imaginar o ato entre os dois me dava calafrios de nojo. Até porque eu sabia que aquilo acontecia (e muito) quando eles estavam namorando (se é que já não estavam namorando novamente). — E terceiro, eu já disse que não quero falar sobre isso.

Leona respirou fundo, como se estivesse prestes a me dar um tapa, mas quisesse se conter. Eu sabia que ela queria me xingar pelo meu "cu doce", em partes porque ela não tinha a mínima paciência com problemas amorosos, e em partes porque até eu estaria de saco cheio, se fosse ela.

— Tá, Viktor, faz a porra que você quiser. Não vai afetar a minha vida, mesmo. — A gorda colocou a mochila em suas costas. — Eu nem sei como as pessoas ainda aguentam o seu sol em Capricórnio e ascendência em Áries.

— As pessoas não aguentam.

— É, eu sei.

Naquele dia em específico, não acompanhei Leona até sua casa. Para falar a verdade, eu só queria a minha cama, e não estava nem um pouco afim de passar pela casa de Harvey. Pois, alem de não estar tão bem emocionalmente, eu ainda por cima havia recebido o boletim da unidade, e não havia sido nada bom.

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