Demorei em torno de um minuto para girar a chave na fechadura sem emitir nenhum estalo de chaves, e abrir aquela porta velha sem que rangesse. Era um absurdo que as paredes do apartamento fossem tão finas a ponto de escutar até mesmo os passos dos vizinhos subindo as escadas – sim, escadas, porque os nativos de Amsterdã aparentemente condenam o costume de reformar casas antigas para que ofereçam o básico, tipo um elevador.
Sete lances de escada todos os dias, mesmo com o meu péssimo hábito de comer tudo o que vejo pela frente (a interpretação de duplo sentido está liberada nessa sentença), fizeram-me perder mais peso do que eu imaginava que perderia. Mas, bem, isso é o de menos, porque o exercício físico de subir degraus ainda me mantém em forma, como se eu continuasse malhando com frequência.
As tábuas de madeira rangeram conforme eu tirava os sapatos e vagava de meias até o quarto. Chloe escutou os rangidos e se prontificou à minha frente, dando voltas, o rabo balançando freneticamente. Chloe, tão velhinha e gorda para correr e pular como fazia antes, mas que sabia fazer um estardalhaço quando um dos seus pais chegava em casa.
– Shhh, menina. – Acariciei suas orelhas enormes, tentando acalmá-la, para que enfim pudesse colocar meu casaco no porta-casacos e começar a me despir da roupa social que me sufocava.
Minha camisa já estava desabotoada quando cheguei na porta do quarto. Aberta, felizmente, mas não dava para enxergar muita coisa, então eu teria de fazer um malabarismo para chegar na cama sem bater meu pé em alguma coisa. Abri minha calça e joguei-a na cadeira da escrivaninha, juntamente à blusa, para então achar a cama, tateando-a com o máximo de cuidado.
Minha missão estando completa, deslizei por debaixo das cobertas grossas, procurando, com as mãos, o meu namorado.
E ah, lá estava ele, com seu pijama de tecido caríssimo.
Meu instinto foi o de aninhar-me contra seu corpo, mas tinha algo – ou melhor, alguém – nos intercedendo. Sherlock roncava, pouco se importando com o fato de que seu pai estava tentando tirá-lo do caminho.
Pouco depois de nos formarmos, eu comecei a notar que Chloe se sentia sozinha, com nossas vidas agitadas daquele jeito. A solução foi adotar um animal, mas, percebendo que nossa cadela nunca se dava bem com os cachorros da vizinhança, resolvemos ousar em adotar um gato: Sherlock. E os dois se tornaram, curiosamente, melhores amigos; Chloe agora passava o dia lambendo o gato, e ele, que era conquistado facilmente por carícias, nunca deixava de esfregar seu rosto em sua irmã nas poucas vezes em que ela ousava se afastar.
Pronto. Livre do gato no nosso meio, pude enfim agarrar-me ao meu lindo e ruivo namorado.
– Mmmm. – Ronronou ele, passando seu longo braço pelo meu corpo, para me trazer para mais perto de si. Um calor confortável me envolveu, e deitei em seu peito.
Viktor era extremamente fofo quando estava com sono, então era melhor que eu me aproveitasse disso.
– Te amo. – Sussurrei.
– Espero que tenha tomado banho antes de vir para a cama. – Ele murmurou em resposta, sonolento e rouco. – Ou vai ter que dormir com Chloe.
Foi bom enquanto durou.
***
Quando acordei, em pleno sábado, a casa estava barulhenta, com o barulho de pratos e panelas. No quarto, nenhuma alma viva além de mim. O ponteiro do meu relógio mostrava que não era nem sete da manhã ainda. Por que Viktor acordou tão cedo na sua folga?
E outra coisa que notei era o fato de que o quarto estava impecável de limpo, com as cortinas abertas e um aroma enjoativo de flores. Dava para Viktor ser um pouco mais gay?
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Me Faça Lembrar ⚣
Romance(Completo) Harvey Wingarden tinha a vida que todos os garotos invejavam; era popular, namorava a menina mais bonita do colégio, e era filho único de uma família rica de Elburg. No entanto, após sair em uma viagem, os Wingarden sofreram um grave acid...