Alegação

632 64 6
                                    

Helena tremia dos pés à cabeça. Não tivera coragem de continuar morando na casa que dividia com o marido falecido e por isso estava instalada, de volta, na casa dos pais, endereço que George Martelli fornecera aos oficiais de justiça que a mantinham sob vigilância.
Sempre que precisava sair, um circo tinha de ser armado para evitar a imprensa e por isso a última reunião com os encarregados de sua defesa foi na mansão dos Bertinelli, em Nova Iorque.
Lena cobriu seus olhos com óculos escuros quando deixou o carro, sendo imediatamente cercada por jornalistas. George Martelli saiu pela outra porta traseira e Jim logo os alcançou, vindo do segundo carro. O som de flashes e perguntas sobre o caso era ensurdecedor. Jim sorriu para os fotógrafos e ameaçou declarar alguma coisa, mas o olhar reprovador de seu chefe o impediu.

-- Está em todos os jornais que ela vai confessar hoje, Lena -- disse George, quando acabara de passar pelo portão. -- Como eles conseguem essas informações? A Martelli deveria ser um quartel general.

A advogada simplesmente continuou andando, carregando sua pasta.
-- Doutor Martelli, você viu esse circo todo! -- comentou Jim.

A resposta dele foi um olhar de pouco caso que fez o sangue sumir da face de seu subordinado.

-- Talvez seja sensato uma declaração na saída, não acha? Um passo de simpatia nosso e quem sabe não consigamos fazer a senhora Simmons parecer menos com um monstro? -- sugeriu George. -- Você vai fazer isso. É uma palavra sua que eles querem, acho ótimo que se mantenha calada, mas às vezes é preciso abrir exceções. Vai ser muitíssimo bem interpretado.

Ela não respondeu com mais que um aceno. Os empregados os receberam e Lena não os olhou nos olhos.

-- A senhora Simmons? -- quis saber Jim, tomando a frente.

-- Que bom que chegaram. Helena está no meu escritório, com os nervos em frangalhos. Muito prazer, Vincent Bertinelli -- ele estendeu a mão a George.

-- Lamento por seu genro, senhor. E agora vamos andar logo com isso -- ele se dirigiu ao escritório após a indicação.
-- Quase não acreditei quando minha filha me contou. Advogada? Que tipo de ironia do destino é essa, Lena?

Ela removeu os óculos do rosto.

-- A mesma que fez abrirem a porta da frente dessa casa para mim de novo.

Ao ouvir aquilo George parou imediatamente de andar e encarou a advogada, que não lhe dispensou qualquer atenção.

-- Você parece bem -- comentou ele. -- Espero que não seja só aparência.

-- E Marisa? -- perguntou ela, cordialmente.

-- Sedada, em seu quarto. Ela não aguentou depois do que leu nos jornais. Ouça, Helena jura inocência, por que n-

-- Você é Engenheiro, Vincent. Deixe o Direito conosco. Com licença.

Entravam no escritório quando George se inclinou na direção de Lena para sussurrar:
-- Vai me explicar direitinho o que foi isso.

-- Tudo a seu tempo, George -- ela olhou em outra direção. -- Senhora Simmons, como está?

-- Como estou? Como acha que estou? -- ela ergueu um exemplar do jornal do dia. -- Aparentemente eu fui condenada já, não fui?

-- Não ouvi o juiz batendo o martelo.

-- E eu jamais concordei em confessar hoje! Doutor Martelli, eu não sei o que dizer. Eu sou inocente, não vou confessar um crime que não cometi -- Helena tentou controlar as lágrimas.

-- Senhora Simmons, vamos conversar. Lena e eu tivemos um longo diálogo no avião. Tente manter a calma, será melhor.

-- Vocês conseguem manter a calma porque não estão passando pelo que eu passei! E tudo isso vai piorar ainda mais hoje, não vai?

-- Com o seu destempero vai sim -- comentou Lena.

George olhou para ela novamente. Tinha-a notado fria demais na primeira conversa e ainda não havia descoberto a razão de Lena ter relutado tanto em aceitar o caso.
-- A audiência começa às duas da tarde -- disse Jim.

Lena tomou fôlego.
-- Jim, pode nos dar licença?

-- Eu sou advogado deste caso tanto quanto você.

-- Sim, e foi para você que eu dei a dica de como nos pronunciaríamos na audiência.

-- O quê?

-- Eu dei a pista falsa a você, a notícia vazou... É só somar dois mais dois -- disse ela, encarando George.

-- Não disse a mais ninguém, Lena?

-- A você, é claro. Não deixou vazar, deixou?

-- Jim, por hora nos espere no carro -- disse George. -- Conversamos depois.

Ele saiu batendo a porta, inconformado. Assim que notaram que ele se distanciara, voltaram ao tema.

-- Só não queria ele nessa conversa, George. Peça desculpas depois, a notícia pode ter vazado desde uma secretária até um bom jornalista me seguindo o dia inteiro, não havia como evitar.

-- Esses seus truques... -- comentou ele. -- Mas bem, o caso. A alegação. Vamos lá.

Os três se sentaram, com Helena olhando para Lena e tentando entender o que ela havia acabado de fazer, como se não fosse nada.

-- Senhora Helena Bertinelli Simmons, como sua advogada eu questiono pela última vez: a senhora é autora do homicídio do qual é acusada?

-- Eu não matei meu marido, eu-

-- De novo, okay? -- tentou Lena, devagar.

-- Não -- disse ela, em tom mais calmo e seguro.

-- Teve alguma participação na morte de Peter J.Simmons Jr., seu marido, mesmo que indireta?

-- Nenhuma, eu jamais faria isso, eu-

-- Senhora -- advertiu Lena.

-- Nenhuma.

Lena continuou.

-- As provas da polícia, as quais, por enquanto, não nos interessam contestar, afirmam que a vítima faleceu instantaneamente, às cinco e quinze da tarde do dia vinte e sete de fevereiro do corrente ano. Senhora Simmons, entre as quatro e sete horas deste dia, período que afirma ter deixado o lar que dividiam, de que se ocupava?

-- Eu saí -- disse ela.
Os dois advogados suspiraram cansados.

-- Tente ser mais específica, senhora Simmons -- pediu George.

-- Eu saí, estava resolvendo questões pessoais.

-- Fez alguma compra nesse período? Esteve com alguém que pode garantir isso sob juramento? Seria reconhecida se chamássemos a depor um funcionário de algum lugar onde possa ter estado?

-- Eu... Não. Não estive em qualquer lugar onde me reconheceriam.

-- Tem de entender que isso nos complica. Precisa nos fornecer o seu álibi.

-- Eu não posso! -- disse ela, voltando às lágrimas.

-- Admito que entramos em divergência, mas sou obrigado a concordar com Lena agora, senhora Simmons. Sem álibi a alegação de inocência se torna insustentável.

-- Por enquanto -- disse Lena.

-- Por enquanto?

Helena e George a encararam com curiosidade. Lena tinha os olhos denotando sua extrema concentração.

-- Senhora Simmons, teve alguma coisa a ver com a saída em massa de todos os empregados da casa no dia do crime? Eles alegaram estar de folga e serem ordens da casa.

-- Não. Quer dizer, era comum que déssemos folgas para eles, até mais do que o normal, mas não precisávamos de toda aquela gente a nossa volta, era um exagero do Peter, eu... -- ela mordeu os lábios. -- Certo, de novo, não é? Não dei a nenhum empregado qualquer ordem direta de folgar no dia do crime.

-- Eles concordariam?

-- Pois penso que sim, é a verdade.

-- Eles disseram em depoimento que a ordem veio do seu marido -- informou Lena. -- Inclusive a babá, que tirou seu filho da casa.

-- E como ele não está aqui para depor, dirão que a sugestão foi sua, indiretamente. -- continuou George.

-- Sim, mas não poderão provar -- disse a acusada.

-- Exato. Mas a promotoria sugerirá isso ao júri. Isso, se formos a julgamento.

-- Vamos sim, George -- disse Lena, fechando sua pasta.

-- Tem idéia do risco que está correndo? -- ele sussurrou ao seu ouvido. -- Sem acordo ela pode pegar dezenas de anos. Vai passar o resto da vida na cadeia.

-- Você me deu o caso, não deu?

-- Mas você passou semanas me convencendo a fazer o acordo.

-- Estou mudando de idéia. A imprensa vai odiar no primeiro segundo, tinham certeza de que acabaria hoje, por outro lado poderão continuar vendendo esse escândalo. Passarão para o nosso lado em um estalar de dedos. Você disse que queria uma declaração na saída, não? Senhora Simmons, que acha de ir até o portão e chorar um pouquinho, quem sabe gritar a plenos pulmões que é inocente? Porém na audiência desta tarde eu sugiro que use um tom mais ameno -- ela sorriu friamente. -- Estou faminta, George, podemos almoçar?
Ele se despediu da cliente e saiu da mansão em silêncio, ao lado de Lena.

* * *

As duas pessoas a frente do caso Simmons escolheram um restaurante próximo do local da audiência e os seguranças do lugar conseguiram manter a imprensa do lado de fora. George os recompensou financeiramente por aquilo e em seguida se sentou à mesa escolhida por Lena. Jim fora mandado de volta a NC.

-- Certo, comece a falar, Lena.

-- Vou querer vinho branco e macarrão aos quatro queijos, que acha?

-- Do caso, Lena.

-- Ah, mas é claro.

-- Você está com aquele olhar de novo. Eu começo a conhecer um pouco de você, sabe de algo do caso que eu não sei.

-- Certamente, muitas coisas. Não fui completamente sincera com você, George, e deve estar me punindo por isso, com toda a razão, é verdade. Mas vai entender quando eu me explicar.

-- Minha atenção é toda sua.

-- Fui íntima da família Bertinelli no passado.

-- Oh, pronto, e resolveu levar isso em consideração para acreditar na alegação de inocência dela.

-- Não.

-- Deveria ter me contado.

-- Era irrelevante. Ainda é irrelevante. Estou contando pelo que presenciou entre Vincent e eu.

-- Que mais?

-- George, você me conhece. Eu não estaria onde estou se não arriscasse. Viu a insegurança dela? Quando fala do álibi, quando pensa na possível condenação... É diferente de quando alega inocência.

-- Ensaio.

-- Se mente tão bem para nós dois, sustentará bem a alegação no tribunal.

-- Vai nos levar à ruína -- comentou ele.

-- Enquanto ela jura inocência, nós dois ganhamos tempo.

-- Tempo? De que adianta?
-- George, você mesmo me ensinou que um julgamento pode ser ganho de duas formas: provando a inocência do acusado, ou-

-- Impedindo a promotoria de provar sua culpa.

-- Isso mesmo. Vamos trancá-los.Helena não tem álibi? Tudo bem, a promotoria não tem flagrante. Havia digitais dela na arma? Ora, a arma era de seu marido, ela pode tê-la pego um milhão de vezes antes do dia do crime. Ela tirou os empregados da casa? Ótimo, quem não faz isso de vez em quando? De qualquer modo, ninguém viu, ninguém sabe, até que se prove o contrário, quem meteu a bala na cabeça do herdeiro. Vamos mostrar que Maria Helena está tão ligada a morte de Peter quanto qualquer um de nós -- ela sorriu. -- E peça o vinho de uma vez, estou ansiosa.

George pediu a carta e escolheu em dois segundos. Comentou algumas amenidades com a advogada e só no final do almoço voltou ao caso Simmons:

-- Você me fez acreditar que ia tentar o acordo por algum motivo escuso ou realmente mudou de idéia apenas agora?

Lena sorveu um longo gole de vinho antes de responder.

-- Queria que me tirasse do caso. Sabia que não ia gostar do acordo.

-- Mas eu concordei com ele, ontem.

-- Fiquei surpresa que confie tanto em mim. Mas é fato, eu posso inocentá-la. Sempre soube que poderia.

Ele balançou a cabeça, esboçando um sorriso.

-- Mas não acredita nela, não é? Sei que é irrelevante. Apenas diga. Eu não sei nada de você, Lena.

A advogada mordeu os lábios, encarou o restaurante por alguns segundos.

-- Um tiro na cabeça é um crime frio. Se ela o amasse, ou já o tivesse amado, atiraria no coração, injuriada. Atiraria mais de uma vez.

-- E você acha que ela chegou a amar o marido, Lena?

-- Tenho certeza que não. Entretanto...

-- Sim?

-- O tiro na cabeça foi para encenar um suicídio.

George suspirou cansado e atirou o guardanapo de linho sobre a mesa.

-- É, você deu um jeito de me enrolar e não responder o que acha.

Lena apenas sorriu e os dois deixaram o restaurante, partindo diretamente para o fórum, onde ocorreria a audiência. A polícia organizou um esquema pesado de segurança para que os advogados e a indiciada pudessem entrar sem passar pela multidão de repórteres que os aguardava. Toda a imprensa do país estava de olho no caso, uma vez que envolvia uma família tão poderosa e um assassinato bárbaro.

-- Se fosse o filho de um Zé Ninguém, não haveria esse circo todo -- comentou George, ao ouvido de Lena, enquanto aguardavam a chegada de Helena.

-- Se fosse o filho de um Zé Ninguém, você não me daria o caso, George -- ela piscou-lhe o olho de maneira cúmplice. -- Mas é um prisma interessante que talvez possamos explorar. Essa sede dos Simmons por uma definição rápida no inquérito fez o caso pular muitas filas na atravancada justiça norte americana.

-- Você não é nem louca de ir contra eles, Lena.

Antes que ela pudesse responder, Helena entrou na sala reservada para os três, acompanhada de um oficial de justiça que os deixou a sós em seguida. Dois policiais civis guardavam a porta.

-- Sente-se, senhora Simmons -- convidou George. -- Apesar dos pesares, a senhora precisa manter a calma.

-- O que faremos, afinal?

-- É uma audiência definitiva, senhora Simmons -- explicou Lena. -- Basicamente, alegaremos a sua posição frente ao inquérito. Um juiz lerá o resultado do trabalho do delegado responsável pelo caso e no final, perguntará como a senhora se declara.

-- Eu posso ser presa de novo?

-- Se confessar o crime, sim. Com certeza. Haverá então mais uma audiência para definir a sua pena, mas enquanto isso, a senhora aguarda numa unidade de detenção. Esse tempo que ficar detida, entre a confissão e a regulamentação oficial da pena já será contabilizado e descontado no final dos... -- Lena pensou por um instante -- Vinte ou trinta anos.

-- Céus! Mas... Eu não o matei!
-- Se vai seguir com esse discurso, alegaremos inocência hoje, na audiência. Como o inquérito indicia a senhora como autora do crime, haverá um impasse.

-- E então?

-- A Justiça é cega, senhora Simmons. Quem vai decidir é o povo.

-- Tribunal do Júri -- explicou George. -- Vamos a julgamento.

-- Quando? -- quis saber a cliente.

-- Depende da velocidade da comarca, senhora Simmons -- disse Lena. -- E de quanto os seus sogros estão dispostos a arriscar. Em condições normais, o julgamento ocorreria dentro de um ano, no mínimo. Há casos que demoram ainda mais.

-- Eu ficarei presa enquanto isso? -- apavorou-se Helena.

-- Vai depender do juiz -- esclareceu Lena.

-- Não me avisaram isso!

-- Por quê? Ah sim, ficou sem tempo para fugir do país, não é mesmo?

George a encarou com seriedade, diante da declaração mordaz de sua subordinada.
-- Luthor?

-- Não tenho nada a temer! Eu sou inocente! – repetiu Helena.

-- Inocente ou não, tem muitas coisas a temer -- contradisse Lena. -- Os Simmons não vão deixar barato. Estão sedentos por vingança e não permitirão que a morte do herdeiro seja mais um dos infinitos casos engavetados no país.

-- O que Lena quis dizer -- falou George -- É que cabe ao juiz dessa audiência definir se a senhora aguardará o julgamento em liberdade ou não.

-- Mas se eu disser que sou inocente, eu fico livre, não? Quer dizer, não do processo, mas... -- perguntou a cliente, com a voz trêmula de pavor.

-- Não é uma regra, senhora Simmons -- informou Lena. -- Apenas declarar inocência na audiência não é garantia de nada.

-- Por outro lado os seus antecedentes são favoráveis -- defendeu George. -- Alegaremos isso, é claro, como alegamos para conseguir o hábeas corpus.
-- Eu acho que só conseguiremos liberdade vigiada, e olhe lá -- disse Lena. -- A propósito, pode esquecer de reaver a guarda do seu filho.

-- DE QUE LADO VOCÊ ESTÁ, AFINAL DE CONTAS? -- Maria Helena se irritou.

George perdeu a paciência e, pedindo licença à cliente, tomou Lena pelo braço e a levou para perto da janela, onde conversaram aos sussurros:

-- Está deixando a cliente mais nervosa, Lena.

-- Ela tem de estar preparada se o pior acontecer.

-- Que espécie de joguinho você está fazendo com ela? Estou de olho em você desde o início do caso, Luthor... E nem um pouco satisfeito com o que vejo!

-- Não sei por quê...

-- Ela está certa, às vezes parece que você está do lado dos Simmons... -- ele fez uma pausa e então encarou os olhos de Lena profundamente. -- Lena, eles compraram você? É isso?

Em contrapartida, ela estreitou os olhos, momentaneamente incapaz de responder.

-- Vamos, responda! Você está me traindo, Lena?

-- Sua acusação não merece resposta. Vou fingir que nem ouvi, em respeito à sua reputação, George.

Ele bufou, encarando os próprios pés.
-- Desculpe.

Lena voltou-se para a cliente novamente:
-- Senhora Simmons, eu penso que isso já ficou claro, mas já que temos algum tempo ainda, vou retomar o assunto "confissão e acordo", caso tenha pensado melhor.

-- Nunca! Não o matei, estaria em primeiro lugar mentindo sob juízo e isso sim seria um crime.

-- Ela é boa -- Lena sussurrou ao ouvido do chefe. -- Veja bem, senhora Simmons, se formos a julgamento, sendo absolutamente sincera, a senhora não nos deu nenhum meio de provar a sua inocência, de modo que isso ficará muito claro para o júri. Em outras palavras: a sentença lhe será desfavorável.

-- Achei que tivesse me garantido que poderia bloquear a promotoria, Lena -- outro cochicho do doutor Martelli, que Helena não ouviu.

-- George, dá um tempo?! -- Lena se virou, zangada, surpreendendo George.
Alguns instantes de constrangimento interromperam a conversa. Como o doutor Martelli não disse mais nada, Lena voltou a falar com a cliente.

-- Caso... Veja bem, é uma hipótese, certo? Então caso a senhora seja condenada em julgamento, a pena não será abrandada. Entretanto, caso a senhora confesse hoje, e de hoje em diante colabore com o processo, fornecendo detalhes, os quais discutiremos de antemão, é claro, e caso sejamos hábeis com o juiz, a sua pena pode ser atenuada. Aliás, com certeza será.

-- Mas eu sou inocente!

-- Mas não pode provar! -- insistiu Lena, e George percebeu então que o que ela queria era finalmente arrancar o álibi, ou o suposto álibi, que ela vinha escondendo.

-- Eu nem estava em casa na hora do crime!

-- Mas não pode provar! -- repetiu Lena. -- Não há ninguém que possamos chamar como testemunha que jure por Deus que estava com você na hora do crime!
Helena hesitou por um segundo, e depois respondeu:

-- Realmente, não há.

-- A sua teimosia vai lhe jogar atrás das grades, Hel!

George se limitou a assistir, em silêncio, a discussão das duas. Depois de uma troca intensa de olhares, Lena balançou a cabeça, deixando o ar escapar de seus pulmões de uma vez só. Então esfregou o rosto com as mãos trêmulas.

-- O que você está tentando dizer é que eu serei condenada de qualquer forma, não é? E que se confessar hoje, a pena será menor.

Lena respondeu apenas movendo a cabeça afirmativamente. Ainda estava nervosa demais para conseguir projetar sua voz.

-- Ao que tudo indica, é isso -- arrematou George.

Por quase um minuto de silêncio completo, Maria Helena consultou sua consciência.
-- Confio na Lena, doutor Martelli. Sei que ela vai conseguir provar a minha inocência.

Durante ínfimos segundos, as duas trocaram um olhar nervoso, mais íntimo, e mais uma vez foi Lena quem desviou o rosto, encarando a porta. O oficial que trouxera a cliente havia acabado de voltar, anunciando que todos deveriam entrar, uma vez que a audiência teria início. Permitindo que Helena fosse na frente, George pousou a mão sobre o ombro de Lena e sussurrou:

-- Meio a meio na firma, se você conseguir.

Lena parou de andar, mordendo os lábios mais uma vez, nervosamente. Ser sócia de um escritório como a Martelli antes dos trinta anos seria um feito e tanto, até para ela.


O Triângulo Onde histórias criam vida. Descubra agora