Perguntas e Respostas

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Andrea correu da cozinha para a sala ao ouvir o telefone chamando. Sentou-se no sofá e atendeu animada:

– Sim?

– And?

– Oi Winn! Tudo bem?

– Tudo sim, e contigo?

– Normal. Estava fazendo milk shake para distrair a DDD.

– DDD?

– Depressão de Domingo, bicha.

– Ah, tá – ele riu. – Tá a fim de sair?

– Ah, não sei... Amanhã tenho aula cedo.

– E eu tenho de trabalhar, né? Pensei em darmos uma volta, beber um chopp, só isso, à tardinha.

– Está precisando conversar? Aconteceu alguma coisa?

– Ah, nada... Sei lá.

– É por causa daquele cara com quem o Mike ficou na sexta, não é?

– Claro que não.

– Ah, Winn, não mente pra mim.

– Juro que não é isso. Só queria sair um pouco de casa.

– Vem pra cá. A gente faz uma janta, sei lá.

– Eu vou pensar, tá? Te ligo daqui a pouco – disse ele.

– Ficarei esperando.

Voltando a lembrar da noite de sexta, Andrea levantou. Enquanto terminava o milk shake, ficou repassando cada acontecimento. Primeiro, Lena batendo em retirada, depois aquele clima estranhíssimo entre Winn e Mike.

O que estava acontecendo com seu grupo de amigos? Havia muito tempo que Andrea não conseguia se divertir na Empire como antes. E não era apenas a falta da ex-namorada.

Ela começou a pensar sobre si mesma. Sempre fora o elo de ligação entre todos eles. A mais animada. E andava faltando com as pessoas mais importantes de sua vida, indo para a balada com cara de enterro e voltando sempre no assunto “Stacy”.

Quando ouviu a campainha, Andrea estava exatamente pensando que podia ser a hora de virar a página...

– Ka!

– Oi And. Posso entrar?

Andrea notou imediatamente que Kara não estava nada bem. Acomodaram-se na sala, a anfitriã desligou a televisão e se voltou para a mais nova, com um sorriso compreensivo:

– Aconteceu algo?

– Acabei de voltar da rodoviária. Fui levar a Lu.

A outra sorriu, animada.

– E aí? Como foi o final de semana? Conta tudo!

– Ah, não sei – Kara abraçou uma almofada. – Foi... Foi estranho, sabe?

– Como assim? Vocês brigaram?

– Não, não. Quer dizer, uma ou duas briguinhas, nada sério.

– Claro, é normal. Você conseguiu fazer a surpresa que queria?

Kara abaixou a cabeça, tristemente.

– Não. A gente não... Aaaam... No primeiro dia, até nos beijamos. Mas...

Andrea aguardou pacientemente. Sabia que Kara estava com vergonha de tocar no assunto. E a entendia muito bem.

– Confia em mim.

– Ela me tratou como amiga. Só como amiga, quero dizer. Sabe, parece que eu vivi uma ilusão esses meses todos! Como se nada tivesse acontecido entre a gente. Nada de romântico, eu quero dizer.

– Mas vocês se beijaram...

– É, até a hora de dormir, na sexta. Depois disso, não rolou mais nada.

– Ela disse alguma coisa? Ela te evitou?

– Eu não sei! – Kara estava visivelmente engasgada com aquilo. – Eu estou até agora tentando entender se eu fiz alguma coisa, ou deixei de fazer, ou sei lá o que foi, que ela mudou completamente.

– Ela pode ter ficado com medo. Vocês conversaram?

– Não. Eu... Eu... Primeiro achei que ia passar, esperei até o sábado, fiquei esperando o dia todo. Tomamos café, assistimos televisão, vimos coisas na internet, tudo juntas. Saímos a tarde e foi divertido... Só que...

– Só que foi como amigas.

– Isso. Aí hoje cedo eu tentei realmente me aproximar de novo. Eu... Eu... Tentei... Aaam...

– Beijá-la – adiantou Andrea.

– Aham – mesmo muito ruborizada, Kara continuou. – E eu não sei se ela não percebeu, ou se eu fui muito tola, ou se foi as duas coisas, mas não rolou. Acho que ela não me ama mais.

Abraçando a garota com força, Andrea afagou seus cabelos, calmamente. Kara começou a chorar, baixinho, e assim as duas ficaram em silêncio, por um bom tempo.

– Kara?

– Hum?

– Não é fácil para ninguém aceitar a homossexualidade, sobretudo em si mesma. Escrever, falar ao telefone é uma coisa. Sonhar... Mas ficar diante de uma garota é bem diferente.

– Eu sei.

– Não pense que a Lucy não te ama. Ela pode apenas não estar tão pronta quanto você.

– Mas-

– E agora você está aqui, toda amuadinha, achando que fez uma coisa errada, ou que ela não te deseja, não quer o seu beijo.

– E se ela realmente não quis? E ficou com vergonha de me dizer? Nossos beijos, na chegada, foram estranhos, sabe? Não foi nem de longe a mesma coisa que aquela na minha festa de despedida.

– Kara, uma garota precisaria ser louca pra não querer o seu beijo.

Assim que deixou a frase escapar, Andrea sentiu o coração acelerado. Agradeceu por Kara ainda estar abrigada no seu ombro, e não encarando os seus olhos.

E quando a mais nova demorou a responder, Andrea ficou querendo sumir. Péssima hora para ter deixando aquilo escapar.

“Quer dizer, o que eu quis falar é que a Lucy só está confusa, provavelmente – emendou.

– Mas por que ela não disse nada?

– Kara, lembra do que você me contou de quando ela te beijou da primeira vez?

– Sim.

– Então, você adorou, mas saiu correndo.

Kara suspirou derrotada e se afastou de Andrea, de modo a olhá-la nos olhos.

– Vai ser sempre assim?

Andrea não conseguiu conter o sorriso ao encarar o rosto ansioso de Kara. Por mais que tentasse não pensar, ficava presa em cada detalhe, o brilho dos olhos, a pele rosada, alguns fios loiros caindo sobre a testa.

Precisava acionar a sua razão o tempo todo, para lembrar que estavam ali discutindo o namoro de Kara com Lucy. E ainda que quisesse muito ficar mais perto, respirar o mesmo ar que Kara, tocar seus lábios salientes e perfeitamente desenhados, não tinha o direito de colocar mais dúvidas na cabeça dela.

Andrea sempre fora uma mulher contida com garotas. Quase tímida. Raramente era ela quem tomava a iniciativa. Porém, quando queria muito alguém, era quase um problema... Porque ela tinha vontade de ir com tudo.

– Não, não – disse, como se afastasse seus desejos inapropriados. – Com o tempo as coisas ficam mais claras. E os beijos, os carinhos, saem naturalmente.

– Como?

– Aaam... Não sei explicar, Kara – disse, com o fôlego preso.

– Eu te chateei com esse assunto?

– Claro que não.

– Nossa, eu entrei aqui despejando tudo e nem perguntei como você está.

– Não se preocupa, Ka. Fico feliz que confie em mim.

A mais nova sorriu sinceramente e outra vez Andrea teve de reprimir suas vontades. Aquele sorriso era simplesmente encantador.

– Vocês saíram na sexta?

– Aham. Ah! Tenho fofocas! – anunciou.

– Conte! – Kara se animou.

– O Mike ficou com um carinha...

Kara arregalou os olhos.

– E o Winn viu? – perguntou imediatamente.

– Viu. Ficou todo estranho. Claro que não disse nada, mas...

Trocaram um sorriso cúmplice.

– E você?

– Eu? Aaam...

Kara riu.

– Conta, vai... O final de semana não pode ter sido uma desgraça para todo mundo.

– Comecei a ficar com uma garota. Mas... Nem saí com ela, foi só na pista de dança mesmo.

– Como ela era?

– Baixinha, com o cabelo pintado de vermelho, sabe? Uma graça de meHelena – riu. – Mas não rolou química.

– Sei. Química, o grande problema!

– É mesmo.

– Acho que nunca vou saber como é, quando existe química – disse Kara, voltando a ficar séria.

– Que bobagem, Kara. Você vai notar na hora.

– Ah é? O que acontece?

Andrea quase riu de nervosismo. Kara tinha tanta coisa para viver ainda... E sempre com aquela curiosidade imensa!

– Primeiro, você fica nervosa com a presença da pessoa. Mesmo que estejam com milhares de pessoas, no mesmo lugar, parece que tem luzes piscantes ao redor dela. E você só consegue vê-la e a mais ninguém.

– E se estão sozinhas?

Andrea engoliu em seco.

– Você fica tentando respirar como uma pessoa normal. E não consegue. Ela fala qualquer coisa e você vai concordando com tudo, só para poder continuar olhando. Não consegue prestar atenção, os olhos se buscam...

Kara ficou mais séria e Andrea teve de desviar o olhar. Estava prestes a falar demais, sabia disso, mas não conseguia parar. Era exatamente aquilo que estava descrevendo o que ela sentia.

Ficaram em silêncio, algum tempo. Kara conseguia ouvir o próprio coração batendo acelerado.

– É como ficar pensando nessa pessoa o dia inteiro?

– Isso.

– E desejando que ela apareça?

– Aham.

– E nunca saber o que dizer, nem quando? Ficar louca de medo de falar demais, ou de menos?

– Acho que você pegou a idéia.

Kara encarou os próprios pés. Franziu o cenho, indecisa.

– E o que a gente faz quando se sente assim?

– Adoraria ter uma resposta exata para isso – disse Andrea.

– E se a outra pessoa não quer, o que a gente faz?

– Não sei, Kara.

– Dói?

– É, um pouco, eu acho.

Ficaram em silêncio de novo. Um longo, constrangedor e palpável intervalo. De certa forma, Andrea agradeceu por ele, pois conseguiu acalmar um pouco os seus nervos.

Estava prestes a beijar Kara, sabia disso. Sentia isso. Seu corpo implorava por isso.

– And, você ainda quer voltar com a Stacy, não quer?

– Ahn? – ela acordou do devaneio.

– A Stacy... A sua ex-namorada... É dela que você gosta, não é?

– Aaam... Eu... Por quê?

– Porque por alguma razão eu ficaria feliz de saber que não.

Dessa vez foi impossível fugir, olhar em outra direção, mudar de assunto, esquecer. Enquanto trocavam um olhar intenso, Andrea sentia o fôlego ir embora e uma euforia inconfundível lhe tomar.

Com a mão direita, tocou o rosto de Kara, devagar, delicadamente. A viu morder o lábio inferir, mas ela não fugiu do seu olhar.

Inclinou seu rosto na direção do dela, o coração aos pulos, as mãos suadas, a cabeça rodando. Fechou os olhos devagar, como se tudo estivesse acontecendo em câmera lenta.

A ponta do seu nariz tocou a pele de Kara e por alguns segundos, as duas aspiraram o mesmo ar, sentiram o hálito quente uma da outra, tremeram juntas.

E num pulo, afastaram-se. Apurando os ouvidos, notaram que alguém forçava a fechadura. Olharam para a porta ao mesmo tempo, sem fôlego.

Quando viram que havia passado por ela, tão à vontade como se entrasse em casa, sentiram duas coisas diametralmente opostas.

– Stacy?

Ela sorriu, jovial. Notou Kara no sofá, ao lado de Andrea, e sorriu simpaticamente para a garotinha.

– Ia fazer uma surpresa, por isso não liguei para saber se estaria sozinha.

Kara encarou Andrea, muito curiosa. E a dona da casa lhe devolveu um olhar extremamente confuso. Porém, ao mesmo tempo, um olhar culpado.

Depois de alguns segundos constrangedores, Kara se levantou.

– Bem, aaam... Oi, Stacy. Vou deixar vocês sozinhas.

Aguardou para ver se Andrea diria alguma coisa, mas ela continuava calada e atônita.

– Foi um prazer ver a famosa Kara de novo – disse Stacy, levando a garota até a porta.

Até o último segundo, Kara aguardou por um “Kara, espere” ou coisa assim. Uma espera vã. Quando Stacy fechou a porta às suas costas, a garota se viu num mundo diferente. Como se fosse outra dimensão.

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