Lados Opostos

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Lena rolava na cama sem conseguir dormir. O lento arrastar das horas naquela madrugada estranhamente quente parecia lhe conduzir à loucura.

Ainda antes de se deitar, recebera um chamado urgente. Sobre o móvel de cabeceira, para não esquecer, deixara a folha impressa com sua passagem de avião comprada pela internet. Faltava ainda quatro horas até o momento que se programara para acordar, fazer um café e ir para o banho.

Quatro horas era pouco tempo para descansar, mas parecia uma eternidade quando ela pensava que sua mente em colapso a obrigaria a atravessá-las acordada.

Já tinha tentado a televisão, depois ouvir música e por último um livro, mas nem os três ao mesmo tempo conseguiam fazer com que ela esquecesse um pouco de como a realidade a tinha cercado... A tinha deixado sem saída.

Apagou algumas vezes, depois delas sempre despertando assustada, como se tivesse perdido a hora, ou como se o tempo tivesse, pelo contrário, parado, tragando-a cruelmente para que ela ficasse presa naquele intervalo onde tudo conspirava contra si.

Meia hora antes do previsto resolveu ir para o banho. Deixou a cafeteira ligada e se ocupou de pensar apenas se comeria torradas ou uma fatia de bolo. Enquanto entrava na banheira, ocorreu-lhe a saída de deixar para tomar café no aeroporto.

O interfone tocou quando ela terminava de secar os cabelos. Lena ignorou a chamada, depois de meros dois segundos de reflexão. Para vir àquela hora, tinha de ser alguém que a conhecia, e sabia que ela sempre acordava cedo. Sendo alguém íntimo, só poderia lhe trazer mais problemas, já que esta parecia ser a ordem natural das coisas, ultimamente.

Engoliu o café com pressa enquanto se vestia e arrumava alguns documentos numa maleta. Apanhou a passagem sobre o criado mudo, o celular, a bateria extra, o fone de ouvido e as chaves do carro. Notou duas chamadas não atendidas no telefone.

Kara.

Desistiu do bolo e das torradas e foi escovar os dentes. Quatro minutos depois, deixava o elevador no andar da garagem. Kara estava parada junto ao seu carro, conforme ela previra.

-- Bom dia, pirralha!

-- Bom dia. Desculpe vir a essa hora, mas é que...

-- Entra no carro, conversamos no caminho, estou atrasada.

Kara obedeceu. Afivelou o cinto em silêncio, procurando conter a sua curiosidade gritante.

-- Jim me contou -- disse a loira.

-- E quando vai ser a festa? -- devolveu Lena, manobrando para deixar o prédio.

-- Eu não acredito. É verdade mesmo?

-- O que você acha?

-- Não sei, mas... Foi por causa da Helena?

-- Você não acha mesmo que eu vou responder, não é?

-- Estou preocupada com você -- disse Kara.

-- Não fique. Eu estou bem. Não pareço bem?

-- Para onde estamos indo?

-- Aeroporto.

-- Fazer o quê?

-- Você, não sei. Eu vou viajar.

-- Mas...

-- Kara, eu não trabalho mais naquele escritório, não vai ser agora que eu acharei que lhe devo satisfações, não é mesmo? Alguém lá vai assumir o seu estágio, não se preocupe com isso.

-- Não estou preocupada comigo, estou preocupada com você.

Lena ficou calada por algum tempo, e enquanto pensava sobre aquilo, fingiu se distrair com o trânsito.

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