Águas Paradas

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Por mais cansada que estivesse e por mais tarde que tivesse adormecido, Lena sempre despertava cedo. Nem que fosse para concluir que poderia ficar mais algum tempo na cama, ainda assim, havia um horário em que seu corpo "ligava", todas as manhãs.

Virando-se na cama, devorou com os olhos o corpo da mulher que dormia serenamente ao seu lado. Sorriu.

A pele negra, brilhante e macia, os lábios grossos, os cabelos ondulados - e cacheados nas pontas - espalhados sobre o travesseiro. E uma expressão, claro, de satisfação, que Lena partilhava.

Ambas estavam completamente nuas e por um segundo ela se imaginou acordando a outra ao lhe tomar o bico dos seios com a boca. Eram fartos, firmes, convidativos.

Correu os olhos pelo resto do corpo, mais uma vez, com medo de que o desejo que imprimia naquele olhar pudesse queimar a pele dela. Longas pernas, coxas torneadas e glúteos perfeitos.

Sim, a queria de novo. Seu corpo mal podia ser mantido longe do dela.

Ficou algum tempo tentando recordar o nome daquela mulher. Sorriu de novo. Não se lembrou da ocasião em que ela tinha se apresentado, na noite anterior, mas do momento em que a própria Lena deixara seu nome escapar entre os lábios, já de madrugada, ardendo de prazer.

Tannia se mexeu sobre a cama, resmungando alguma coisa, sem realmente despertar. E Lena suspirou tristemente. Não poderia se deixar levar.

Em todos aqueles anos aprendera muitas coisas, e uma delas era que por alguma razão a maioria das mulheres achava que sexo matinal significava envolvimento.

Pousou um beijo na maçã do rosto da outra, cuja pele tinha aquela temperatura morna do sono, e se levantou.

Atenta aos sons do quarto, trancou-se no banheiro. Seu refúgio. Quando percebeu que a outra despertara, ligou o chuveiro.

Tinha livros e revistas nas gavetas, pensadamente deixados ali. Precisava de algo com que se distrair para aquele tipo de situação. Tannia bateu à porta timidamente, forçou a maçaneta e a percebeu trancada.

Quando a madrugada era deliciosa como o fora com aquela bela mulher, a manhã era ainda mais tensa que o normal. Algumas mulheres demoravam mais que as outras para perceber que Lena já estava inacessível, sob todos os aspectos.

Depois de vinte minutos, desligando o chuveiro, abriu a porta e precipitou por ela apenas a cabeça.

- Tem café na cozinha, se precisar - não era raro que as mulheres acordassem ao seu lado com uma ressaca gigante.

- Bom dia! - sorriu a outra, tentando disfarçar a tensão gerada pela frieza de Lena.

- Bom dia - acabou por sorrir também, aliviada ao ver que Tannia já estava vestida. - Só um segundo, e eu te levo até a porta.

Trancou-se de novo, apertando os olhos. Ficou encarando o espelho, vestiu seu robe e saiu com um sorriso artificialmente simpático.

A morena disfarçou a decepção, e não dificultou as coisas. Beijaram-se de leve, nos lábios, e ela caminhou até o elevador sem olhar para trás. Mulher esperta, nem tinha tentado marcar mais alguma coisa.

Sozinha, enfim, Lena apanhou uma caneca de café e começou a planejar o seu dia. Montara um escritório no quarto sobressalente de seu apartamento e mantinha nele cópias das pastas dos casos mais trabalhosos que acompanhava.

Para os criminalistas em geral, a relação com os clientes era atribulada. Ela procurava não pensar muito naquilo. Tentava abstrair a questão, quando às vezes era obrigada a visitar um deles em alguma sala de um dos presídios ao redor da cidade.

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