O Tempo Contra Elas II

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Kara abriu os olhos devagar, procurando se situar. Mirando o relógio, percebeu que havia dormido apenas três horas desde que Lena a tinha deixado ali, dentro embora parecesse que fazia um ano.

Sabendo que o despertador só tocaria meia hora depois, Kara teve certeza de que outra coisa a tinha despertado, e com um sorriso no rosto aceitou a resposta de seu inconsciente: era saudade. Como na tarde anterior, em que sequer conseguira cochilar.

Com o celular na mão, Kara escreveu uma mensagem. Lena tinha procurado desconversar, mas Kara sabia que a reunião perdida era sobre a proposta que o dono da firma havia feito à advogada.

Não sabendo exatamente o que escrever, Kara foi breve: “Tudo bem?”

A resposta chegou quando Kara se preparava para o banho: “O que a senhorita faz acordada?”.

Kara riu, sentindo uma palpitação gostosa no peito. Sua vontade de ligar, supondo que Lena não estava tão ocupada já que conseguira responder, foi quase incontrolável. Era praticamente como se Kara fosse ficar sem um braço ou uma perna se não ouvisse a voz de Lena naquele instante.

Resoluta, deixou o celular de lado e correu para o banho. A caminho do estágio, ensaiou várias vezes escrever de novo, mas se deteve. A situação já estava completamente fora de controle, e alimentar aquilo, embora fizesse bem, também desalentava Kara de uma maneira que ela não sabia explicar a si mesma.

Na noite anterior, ela tinha prometido a si mesma que romperia o namoro com Lucy, e só não fez isso porque acabou desmarcando o jantar em cima da hora. A namorada não deu tempo de Kara tentar explicar o motivo, desligara o telefone sem nem ao menos se despedir.

Além de todos os problemas, Kara agora tinha que fazer as pazes com Lucy antes de pensar em romper com o namoro.

Kara tinha motivos mais lógicos para ficar com Lucy do que para terminar com a garota. Mas sabia que a estava machucando e, provavelmente, a única coisa nobre que ainda poderia fazer seria dar a Lucy a chance de encontrar alguém que a amasse devidamente.

Sabendo que se voltasse para casa fatalmente acabaria nos braços de Lena, Kara resolveu sair. Tinha esticado até além do limite de suas forças já comprometidas, e mesmo assim... Bem, ela nem terminou com Lucy, e nem resistiu à Lena.

Com a consciência pesando mais que uma tonelada, a garota entrou no escritório e no primeiro instante percebeu que seus problemas poderiam piorar consideravelmente.

O saguão de entrada da Martelli estava praticamente deserto. Kara poderia ter se detido nisso, não fosse pela namorada que, aos soluços, jogava alguns poucos pertences dentro de uma caixa.

Temendo se perder nas próprias conclusões, Kara respirou fundo quando Lucy a alcançou com o olhar.

– Hei... – disse Kara, cochichando. – O que houve?

Por breves instantes, Lucy a olhou como se Kara tivesse acabado de fugir de um sanatório. Mas então fitou a porta por onde Kara entrara, finalmente compreendendo que a garota tinha acabado de chegar.

– Aquela vadia da sua “amiga” finalmente conseguiu acabar comigo.

Sentindo como se tivesse sido golpeada no estômago, Kara mal conseguiu respirar.

– Co... Como assim, Lu?

– Agora ela é a “toda poderosa” da Martelli! Se antes já fazia o que lhe vinha na cabeça, agora ela tem meios mais claros para passar por cima de quem quer que seja!

Antes que Kara pudesse dizer mais alguma coisa, Sandra, a chefe das secretárias, apareceu carregando uma série de pastas. Lucy parecia alheia a sua presença, enquanto terminava de esvaziar sua gaveta. Sandra, no entanto, parecia estar completamente constrangida.

– Onde está a Lena, Sandra? – Kara perguntou.

– A Doutora Luthor está em uma reunião com o Doutor Martelli, Kara. Sob ordens de não serem interrompidos.

As últimas palavras da secretária nem chegaram até Kara. Decidida que aquilo deveria ser um mal entendido, no máximo um capricho infundado de Lena, a garota faria o que fosse necessário para remediar a situação, ciente, é claro, que talvez George não gostasse nem um pouco de ser inquerido por uma estagiária.

– Lu, olha pra mim – pediu a garota. – Olha pra mim!

Relutante, a ex-secretária finalmente ergueu os olhos.

– Não saia daqui até eu voltar, ok? Por favor...

Suspirando, Lucy nem mesmo assentiu, mas Kara tomou aquilo como uma afirmativa e correu para sua sala. Deixaria suas coisas em sua mesa e tomaria o rumo da sala de George.

Assim que entrou, Kara percebeu que os novatos estavam mais agitados do que nunca.

– Hei, Ka! Já ficou sabendo da fofoca?

Com um olhar extremamente desagradável, a garota deixou claro em silêncio que não estava nem um pouco a fim de partilhar do entusiasmo especulativo deles. Só que, distraídos, eles não entenderam dessa forma.

– Sabe a Lucy?

Kara não respondeu enquanto largava a mochila em qualquer canto, o que não impediu Henry de continuar falando:

– Andava fazendo hora extra com alguém do escritório...

A garota gelou. Acreditava que nada que eles pudessem dizer a faria hesitar. Terrivelmente enganada, esperou Marcus acrescentar:

– Com aquela cara de boazinha... Estava espionando a Lena.

Kara teve impressão de conseguir ouvir os pelos de sua nuca ficando arrepiados. Foi a vez de Cristine contar:

– Espionando a Lena e passando informações pro Jim. Descobriram que o Doutor Martelli tinha proposto sociedade para a chefinha de novo. O Jim se aliou com o Phillip e os três conspiraram para tirar a Lena da disputa. Assim, o Phillip seria o novo chefe, e o Jim provavelmente teria todas as regalias do mundo.

Notando que Kara parecia tudo, menos surpresa, Henry se preocupou:

– A Lena já tinha te contado ou você está com essa cara porque não entendeu a falcatrua?

– Que cara? – balbuciou ela.

– Cara de quem ganhou uma caneca, sei lá! – disse Cristine. – A gente te passa a fofoca do ano e você fica assim?

Kara nem sabia por onde começar.

– Quem diria... – comentou Marcus. – O palerma do Jim pegando uma gostosa como a Lucy. O mundo é mesmo injusto.

– Espera! – disse Kara. – O que foi que você disse?

– Ah, finalmente a sua ficha caiu!

– A Lucy tinha um caso com... – Kara não escondeu a expressão de nojo. – Com o Jim???

– É! – disse Cristine. – Dá pra acreditar? Os dois acabaram de ser demitidos. A Lena fez o panaca confessar tudo pro Doutor Martelli. Mas o Phillip escapou. Sabe como é, a corda só arrebenta do lado fraco.

– Se bem que eu também não iria querer comprar briga com o cara com o currículo dele – disse Henry. – Até pra chefinha seria um páreo duro. Esperta é a Lena de manter os inimigos por perto...

Quando eles olharam de novo, Kara parecia prestes a vomitar.

– Garota, você está passando mal? – perguntou Cristine. – Marcus, segura ela, ela vai desmaiar!

Marcus se adiantou, mas Kara o repeliu com um gesto. Henry estava prestes a pedir uma explicação para aquilo quando todos ouviram a porta.

Quando Lena entrou, Kara finalmente ergueu os olhos, os quais já vertiam as lágrimas de um golpe traiçoeiro demais.

Você sabia!? – Kara interrogou com ódio.

Lena tentou acalmá-la com o olhar, o que logo se revelou inútil.

– Fora, os três – ordenou a chefe.

Percebendo a seriedade do tema, os novatos sequer tentaram argumentar. Assim que Marcus fechou a porta, Lena tentou se aproximar de Kara, mas a garota se afastou subitamente e deu três passos em direção à janela.

– Você sabia e não me disse nada!? – cobrou Kara.

– Amor...

Não me chame assim! – disparou Kara. – Nunca lhe dei o direito de fazer isso.

Lena aguardou alguns segundos, respirando pausadamente.

– Sinto muito por você ter ficado sabendo dessa maneira, Ka...

Kara ergueu a mão, completamente furiosa.

– E devo agradecer você por isso, certo? Não me venha com uma historinha de que também foi pega de surpresa, Lena! Se dependesse de você eu nem viria para o escritório hoje!

– Exatamente, Ka! Iria conversar com você em casa.

Kara gesticulou de qualquer forma na direção de Lena.

– Isso não me importa agora! O que aconteceu? Que história é essa de despedir a Lucy?

Sentindo as mãos suando frio, Lena se viu em um beco sem saída.

– Lucy repassou para o Jim informações confidencias a respeito da proposta que o George me fez. Ele e o Phillip armaram um plano fajuto para me jogar contra o George.

Então, através do que Lena não disse, Kara entendeu. Ela havia contado a Lucy sobre a proposta.

– É tudo minha culpa... E isso você também sabia. Por que não estou assinando a minha demissão?

Lena temia que Kara levasse as coisas para aquele lado. Mais do que tudo, temia as atitudes dela.

– Por que você não fez nada de má fé! Confiou na Lucy assim como eu confiei em você. Os culpados foram punidos, Kara.

Mas nada abrandava a culpa de Kara. E Lena percebeu aquilo no semblante da garota.

– Então... Eles me usaram?

– Ka, essa história tem mais detalhes do que parece. Por favor, me deixe te levar para casa. Prometo esclarecer tudo pra você.

Quando Lena tentou uma segunda aproximação, Kara quase se deixou levar pelo impulso de ser confortada. Mas antes que a tristeza se apoderasse completamente dela, um outro sentimento gritou mais alto.

E, tomada de frustação e mágoa, ela tornou a afastar Lena.

– Apenas me responda se é verdade que eles estavam tendo um caso.

Lena estava acuada novamente. Em geral não hesitaria em usar aquela história para conseguir o que desejava. Mas se tratando de Kara, era quase impossível manipular qualquer verdade.

– Amor, por favor, apenas me deixa tirar você daqui...

Mas Kara já tinha sua resposta. Lena a tinha dado desde o momento que estrara naquela sala. Se tinha sido poupada enquanto o caso era desvendado, era porque Lena temia que os resultados magoassem Kara.

Era tarde demais. Naquele momento, com o coração, o orgulho e o amor próprio fragmentados, Kara deixou toda a calma e a razão caírem por terra enquanto passava por Lena decidida a tirar a limpo aquilo que jamais ousara suspeitar.

Enquanto desviava das pessoas pelos corredores da Martelli, Kara notou que Lucy já não estava mais no saguão. Sandra se adiantou e informou que a garota havia acabado de deixar o prédio.

Kara passou reto pela recepção e avistou Lucy quase na rua, indo em direção ao ponto de ônibus. Correndo, Kara a alcançou sem muito esforço. Segurando o braço dela com um pouco mais de força do que necessário, a fez virar o rosto em sua direção.

– O que está fazendo, Kara? Está me machucando!

Kara pareceu não escutar. As lágrimas deram lugar à vermelhidão em seus olhos. Talvez Lucy pudesse ver ali todos os fantasmas que vinham assustando a estagiária por todo aquele ano.

– Achou que fugiria sem me dar uma explicação? Achou que se safaria, assim, tão simplesmente?

– Do que está falando? – Lucy perguntou, assustada.

– Aposto que está indo se encontrar com o seu amantezinho de merda, não é? Aposto que irão começar a tramar outro plano para enganar outra trouxa! Como vocês escolhem? Existem critérios?

– Você está fora de si, Kara! – acusou enquanto se desvencilhava.

– Você me enganou o tempo todo! Me usou! Explorou a relação que tínhamos para colher informações sobre a Martelli. Como nunca me dei conta disso? Você me acusava de não compartilhar nada com você, usava o que eu sentia por você como chantagem. E o tempo todo estava atuando!

Lucy deixou cair a caixa que carregava aos pés de Kara. Em seus olhos, a indignação faiscava.

– Ela te dominou por completo, não foi? Você está tão podre quanto ela!

– Não me venha com isso agora... Era você quem estava dormindo com o cretino do Jim. Era nele que você pensava enquanto transava comigo? Era um sacrifício pra você, Lucy? Ter que aguentar a garotinha do interior todos os dias!?

Sem mais conseguir se controlar, Lucy nem pensou direito enquanto acertava o rosto de Kara com uma sonora bofetada. Kara imediatamente levou a mão ao rosto, sentindo o relevo que os dedos de Lucy deixara em sua face.

– Você está insinuando que eu a traí, Kara? Logo você? Com que moral você me cobra alguma coisa? Como ousa insinuar que eu estava fingindo o tempo todo? Você nunca quis esse namoro! Você quer é abrandar o peso da sua consciência!

– Você não sabe nada sobre isso.

– Se alguém conspirou alguma coisa aqui, foram você e a Lena... Comigo fora da Martelli, vocês ficam com o caminho livre, não é? Você não tem coragem de terminar comigo e essa é a desculpa perfeita. Durante todo o nosso namoro você queria estar com outra pessoa, se alguém fingiu alguma coisa, foi você Kara. Cada vez que me beijava, não era o meu rosto que você tocava...

As lágrimas novamente tomaram o rosto de Lucy. Secando parcialmente com o dorso da mão, ela voltou a fitar Kara com raiva.

– Isso não é verdade, Lucy! Eu quis que a nossa relação desse certo tanto quanto você. Eu quis amar você desde a primeira vez que nos vimos.

Kara agora se sentia esgotada. A discussão com Lucy estava longe de ser o acerto de contas que ela esperava. A cada palavra, Lucy abria em Kara ferimentos tão profundos que a garota temia se perder para sempre se ousasse olhá-los de perto.

– Você é tão nobre, não é Kara? Tão correta e certinha! Não percebe o quanto isso é irritante? Você fica alardeando por ai que seria incapaz de fazer alguma coisa errada, quando na verdade você é a que mais machuca, a que mais manipula. Se esconde atrás dessa moral toda para justificar os erros que comete. E mesmo sentindo culpa, você foi incapaz de ser honesta comigo...

– Isso não muda o fato de você ter sido uma canalha comigo. Não me venha com essa de que me amou o tempo todo.

Lucy acabou rindo, talvez de cansaço, talvez de tristeza, mas o fez com tanta dor que Kara chegou a recuar.

– Chega de dar murro em ponta de faca, Kara. Você quer acreditar nisso, não é? Nada do que eu diga mudará alguma coisa. Sinta menos culpa pelo que me fez achando que eu a traí. Você não passa de uma menina imatura que sente medo do escuro.

Respirando fundo, Lucy voltou a apanhar a caixa com seus pertences.

– Você não merece nem um centésimo do amor que eu te dei. Nunca mais chegue perto de mim.

Antes que Kara pudesse dizer qualquer coisa, Lucy voltou a caminhar em direção ao ponto de ônibus.

De onde estava, Kara ainda podia ver a ex-namorada, mas se sentia presa em um círculo de fogo, o qual a isolava do mundo ao seu redor. Se tentasse sair, Kara queimaria na certeza de que tudo o que ela acreditava ser não passava de ilusão.

De repente, nada mais parecia real. E Kara não sabia mais se existia ou se era apenas uma lembrança. Uma lembrança feita de desilusão e desgosto, como se cada passo que dera durante toda a sua vida fosse errado.

A sua frente, sua vida pendia a beira de um precipício no qual Kara sabia que merecia cair. Tudo o que Lucy dissera, desencadeara todos os fracassos, todos os medos e frustações de Kara.

Antes que se deixasse cair, Kara sentiu mãos conhecidas lhe puxando pela cintura e, ao se virar, encontrou o rosto de Lena tão próximo ao seu que podia ver cada partícula de luz que irradiava de seus olhos.

Olhos que diziam a Kara que ela tinha um único motivo para não se perder. O motivo Lena deixou ainda mais claro quando beijou Kara tão suavemente que a garota mal sentiu os lábios da advogada.





* * *





Kara acordou em sua cama. As cortinas estavam fechadas, assim como a porta, de modo que a garota não saberia precisar quanto tempo ficara dormindo nem que horas eram.

Na verdade, quando acordou, Kara desejou que o seu coma tivesse durado alguns anos. Assim ninguém mais lembraria do que tinha acontecido e ela não precisaria se explicar.

Era um pensamento infantil, ela sabia. Mas ela desejava mais do que nunca poder se ater nos sonhos que tinha quando criança. Aqueles que ninguém julgava impróprios e que não destruíam a vida alheia.

Resignada, lançou longe os travesseiros que a cercavam na cama e se deixou levar de volta para a realidade.

A casa estava bem diferente do quarto. As janelas todas abertas permitiam que a luz do sol, pintada de laranja, invadisse os ambientes, dando a Kara a certeza de que, pela proximidade da noite, dormira boa parte da tarde.

Lena estava cantarolando baixinho na cozinha, enquanto picava uma série de legumes em diversos vasilhames. A cena teria encantado Kara, e teria prendido a garota por toda a eternidade não fosse o buraco negro que ameaçava lhe engolir.

Notando a presença de Kara, Lena ergueu os olhos e sorriu tão docemente que roubou da garota um sorriso tímido.

– Gostei do penteado novo – apontou a advogada.

Com um resmungo, Kara tentou ajeitar as mechas emaranhadas com os dedos, mas desistiu na menor resistência.

Lavando e secando as mãos rapidamente, Lena puxou Kara de encontro ao balcão. Segurando o rosto da garota, depositou um beijo leve em seus lábios antes de retribuir seu olhar.

– Tá com fome? Podemos fazer um lanche antes do jantar. Que acha de leite morno com biscoitos?

Kara ignorou a velha piada e apenas se deixou afagar por Lena. Não tinha forças para recusar aquela demonstração de carinho, não tinha forças para pensar se devia ou não afastar Lena, pelo bem das duas.

– Me diga que nada do que tem na minha cabeça aconteceu, Lena. Me diga que foi tudo um pesadelo. Que nada mais existe além dessa casa, que nunca saímos daqui... Que somos apenas nós duas.

– Isso só depende de você, Ka. Eu poderia passar o resto da minha vida aqui com você – Lena fez uma pausa. – Seria um problema quando ficarmos sem comida, mas daríamos um jeito, eu acho.

Kara tentou sorrir e entender a imensidão das palavras de Lena, mas havia lembranças demais em sua cabeça, dores demais em seu coração.

– Eu deveria ter imaginado que tudo isso aconteceria! Eu deveria saber, entende?

Afastando Lena, Kara cruzou os braços mantendo alguma distância.

Respirando fundo, a advogada pensou bem nas palavras que usaria. Kara estava por demais machucada e, se Lena pudesse, criaria um mundo novo no qual Kara jamais se feriria, no qual ela seria pra sempre aquela garota curiosa, de língua afiada que desafiava Lena como nenhuma outra pessoa havia feito.

– Você precisa saber que a Lucy nunca traiu você, Kara. Jim a manipulou para conseguir as informações.

A declaração de Lena embriagou Kara de tal forma que a garota precisou se amparar no móvel.

O quê??

– O Jim, de alguma forma, descobriu o envolvimento de vocês. Quando a Lucy contou sobre a proposta, ele montou um plano com o Phillip.

– Plano?

Só então Lena se deu conta de que nem mesmo o começo daquela história Kara sabia.

– Phillip procurou o George e insinuou que eu estava me vangloriando no escritório. Que estava abusando de uma autoridade que ainda não me pertencia... Enfim, deu um showzinho, esperando com isso que a George voltasse atrás na proposta.

– Isso não prova a inocência da Lucy, Lena...

Tomando fôlego mais uma vez, Lena se enveredou naquele caminho que tanto desgostava. Defender Lucy era a última coisa que pensara fazer na vida, mas se era por Kara...

– Kara, o Jim confessou que estava tendo um caso com a Lucy. Fez isso quando eu o interroguei sobre o motivo deles estarem se encontrando fora do escritório.

Kara, bufou em descaso. A cada frase, Lena só a fazia acreditar ainda mais na falta de índole da ex-namorada, mas se calou quando a advogada continuou:

– Não entende que foi que ele se entregou, Ka? O Jim se aproximou da Lucy porque descobriu que vocês duas estavam envolvidas. Ele se aproveitou da necessidade dela de ter alguém para falar mal de mim. Se ela desabafava com ele sobre a relação de vocês, é porque ele sabia que ela era lésbica.

Kara se sentiu ainda mais confusa, mas percebeu que Lena tinha uma certa razão para pensar daquela forma. Ao assumir o namoro delas para Jim e confiar no rapaz para desabafar, Lucy fora apenas ingênua.

– Lena, isso é apenas uma possibilidade.

Outra vez puxando Kara pelas mãos, Lena se aproximou. Roçou os dedos de Kara no próprio rosto e fechou os olhos por alguns segundos.

Naquele momento, tinha Kara toda pra ela. Não existia mais uma namorada, não precisaria dividir Kara com mais ninguém. Mas então porque insistia naquela defesa que poderia fazer tudo ruir?

A resposta, como sempre, estava nos olhos temerosos de Kara. Lena sabia que a garota precisava saber a verdade.

– Eu sei que a Lucy jamais a traiu, Kara, porque ela teve a chance de se defender, de negar o envolvimento com o Jim, mas ela não o fez, pois sabia que poderia complicar você com isso. Ela escolheu levar toda a culpa para te preservar e fez isso por amor.

Com lágrimas nos olhos, Kara apenas assentiu, finalmente compreendendo tudo.

Lena, agora, sentia a boca tomada pelo amargo da incerteza. O que iria acontecer depois disso, somente Kara poderia decidir. Consternada, percebeu que sempre fora assim. Colocara sua felicidade e seu coração nas mãos de Kara no momento em que se apaixonara.

Talvez o veneno que lhe tirava o gosto da boca fosse justamente aquilo sentia por Kara. Ironicamente, sabia ser justamente esse veneno que não somente a mantinha viva, mas como era motivo de fazê-la querer viver.

– Preciso de um banho, Lena...

Sem dizer mais nada, Kara deixou a cozinha. Lena permaneceu mais tempo do que conseguiria contar parada no mesmo lugar.

Quando Kara retornou, estava arrumada.

– Vai sair? – estranhou Lena.

– Eu preciso...

– Mas você não comeu nada e...

– Não se preocupe com isso. Vou jantar.

Um segundo depois, a advogada estava novamente sozinha. Jogando a faca de qualquer jeito na pia, seguiu para o escritório. Antes, serviu uma generosa dose de uísque.

O líquido desceu queimando, sem conseguir aplacar a inquietação de Lena. Dera a Kara todos os motivos do mundo para ir atrás de Lucy. E se isso fosse verdade, só provava que a estagiária realmente amava a ex-namorada. Só provava que tudo o que elas tinham vivido, para Kara, fora apenas um caso guiado pelo desejo.

As cicatrizes de Lena mais uma vez latejaram, lembrando-a que ela fora muitas vezes marcada pelo desamor. Mas naquele momento, a dor que sentia mal podia ser nomeada. Era algo diferente de tudo que havia vivido.

Se a dúvida sobre o que Kara sentia por ela era capaz de desencadear tanto sofrimento, era porque o que a advogada sentia pela garota era tão intenso quanto podia ser um grande amor.

Para Lena, só restava a escolha de engolir tudo aquilo e encontrar um meio de continuar vivendo ou, talvez pela primeira vez, deixar para trás todo o orgulho que a mantivera viva até ali, mas que também fizera dela alguém amarga.

Deixando de lado o copo, Lena se lançou para a garagem. Como previra, nos momentos em que passara no escritório, Kara aguardava o táxi na frente de casa.

Discretamente, a advogada aguardou que a garota entrasse no taxi para então segui-los. Durante o caminho, Lena evitou pensar no que estava fazendo. Qualquer consequência daquele ato insano que estava prestes a acontecer seria melhor do que não fazer nada.

O táxi de Kara parou em frente a um conhecido bar de NC. Lena estranhou, pois imaginara que a garota iria procurar a ex-namorada na casa dela. Será que Kara havia ligado para Lucy e marcado um encontro naquele lugar?

Lena esperou que Kara entrasse para então deixar o carro e segui-la. Escolheu um canto escondido no bar, não muito perto da mesa na qual Kara acabara de sentar.

Poucos minutos depois, uma garota de cabelos castanhos se encaminhou sorridente para mesa de Kara. Lena observou a intimidade com a qual as duas se abraçaram.

Perdida em pensamentos conflituosos, Lena assistiu abismada enquanto a garota ora passava a mão pelos cabelos de Kara, ora lhe tocava o braço. Kara gesticulava, mas Lena não conseguia nem ouvir o que falavam, nem ver o rosto de Kara, que estava de costas para ela.

A desconhecida ouvia com atenção, mas insistia em ficar tocando Kara o tempo todo. Pensando rápido, Lena tirou o telefone do bolso e aguardou que atendessem.

Alô? – disse Carina.

– Carina! Me diga se conhece alguma amiga da Kara que tem cara patricinha, cabelos castanhos e olhos verdes.

Silêncio.

A And? – sugeriu Carina.

Lena bufou.

– Sim, porque se fosse ela eu não teria reconhecido... – tentou recobrar a calma após a ironia. – O cabelo é mais claro.

Lena, boa noite pra você também! Não é só porque eu estou na cama com uma garota que eu não posso atender esse seu errr... Pedido estranho.

– Para de drama, Carina. Me responde logo que aí você pode voltar a fazer o que estava fazendo.

Por que você quer saber isso, afinal? Está tudo bem com a Ka?

Impaciente, Lena trocou o telefone de mão.

– Ela está ótima! Me responde de uma vez! Conhece ou não?

Aff! Mais ou menos da altura da Kara?

– Sim!

Ah! Deve ser a Alisson...

– Alisson? Mas de onde surgiu essa Alisson?

Carina riu, finalmente entendendo o motivo do mau humor de Lena.

Olha, eu só sei que ela estuda com a Kara e que, bem, elas vivem se pegando...

Assim que Carina começou a rir, Lena desligou o aparelho. Era só o que faltava! Quantas amantes Kara tinha?



Alisson já tinha conseguido arrancar alguns sorrisos de Kara. Finalmente ela parecia ter se acalmado.

Apesar de escutar o que Kara dizia, a garota não pode deixar de notar a mulher que vinha na direção delas. Algo nela a inquietou. Trazia no rosto um tipo de sorriso que era o preferido de Alisson. O sorriso “sem compromisso”.

– Kara, você vai esquecer o que quer seja quando olhar a gata que está vindo pra cá.

Totalmente confusa Kara se virou em um reflexo e, de fato, esqueceu tudo o que tinha cabeça ao ver sobre quem Alisson estava falando.

– Lena? – perguntou a garota, atônita.

– Lena? – repetiu Alisson, tão surpresa quanto Kara.

– Que ótimo, nem preciso me apresentar – sorriu a advogada. – Muito prazer.

– Uau!

– Alisson! – repreendeu Kara.

– Alisson? Bonito nome... – disse Lena puxando uma cadeira e sentando ao lado da garota.

– Lena, o que diabos está fazendo aqui?

– Vim tomar um drinque, Pirralha. E que coincidência, não? – a advogada alargou o sorriso enquanto erguia o copo em um brinde.

– Adoro coincidências... – suspirou Alisson.

– Eu prefiro acreditar que isso é o destino, sabe? Essa força irrefreável!

Quando Alisson riu, Kara teve vontade de bater a cabeça da amiga na mesa por horas. Lena se ocupou em ignorar Kara e dar em cima descaradamente de Alisson, que, para horror de Kara, estava visivelmente se divertindo.

As duas começaram conversando sobre Direito, depois partilharam anedotas sobre viagens à Europa e foram parar nos contatos em comum, que estranhamente, eram muitos.

Conhecendo Lena, Kara percebia o quão falsa ela estava sendo. Só que era uma falsidade diferente, que fazia a garota lembrar de quando tinha sido apresentada à advogada. Os flertes dela eram tão deliberados que Kara não entendia como Alisson poderia estar caindo naquela armadilha.

Kara simplesmente não conseguia acreditar no que via. Depois do dia terrível que tivera, tudo o que não precisa era ver Lena dando uma de Lena pra cima da sua amiga.

– Por que está fazendo isso? – despejou Kara.

– Isso o quê? – Lena se fez de desentendida. – Estou apenas conversando com a Alisson.

Ao dizer isso, Lena a tocou levemente no braço.

– Ah! Me desculpe... Tenho esse costume de tocar as pessoas enquanto falo, sabe?

– Fora daqui! – exclamou Kara.

– Calma Kara – pediu Alisson.

– Cansei de ter calma! Não estou com saco para os seus joguinhos, Lena!

– Ora, Kara... – começou Lena, soltando o copo na mesa. – Por que brigar se podemos dividir? O que acha, Alisson? Nós três podemos nos divertir juntas... Ambas conhecemos as qualidades da Kara – piscou o olho.

Antes que Alisson pudesse esboçar qualquer tipo de reação, Kara já havia se levantado e jogado toda a bebida que restara em seu copo na cara de Lena.

– Uma vez canalha, sempre canalha...

Kara deixou o bar pisando firme. Sem notar as pessoas que olhavam curiosas, sem notar o gerente que caminhava na direção da mesa delas, mas, principalmente, sem notar o sorriso satisfeito que Lena exibia.

Enquanto Kara se afastava, Lena ainda olhou para Alisson.

– Pelo visto ela não gostou da ideia. 

Alisson riu, mas ofereceu à Lena um olhar cúmplice e compreensivo.

– Você não é nada menos do que eu sempre imaginei.

Aquele “sempre” deixou muita coisa subentendida.

– Pelo menos foi divertido – acrescentou Alisson.

Lena assentiu antes de também deixar a mesa.


Ao ganhar a rua, Kara procurou por algum táxi, mas não tinha nenhum à vista. Antes que pudesse pegar o celular para ligar para alguma cooperativa, mãos decididas já a haviam jogado contra um dos carros estacionados na frente do estabelecimento.

Kara tentou resistir, mas Lena segurava sua nuca com força, enquanto também a detinha pela cintura. A boca da advogada tomou a de Kara com pressa, com sede. O gosto da bebida que Kara jogara em Lena se misturou ao beijo.

Mesmo não querendo, seu corpo se entregou e Lena relaxou o abraço forçado quando sentiu que Kara correspondia.

O cheiro de álcool deixou Kara ainda mais tonta, mas aquele beijo perigoso não podia ser interrompido. Sentindo que cada vez mais Lena a tomava para si, Kara tentava escapar em busca de ar, mas logo sua boca era novamente assaltada por Lena.

Depois do que pareceram horas, Lena finalmente permitiu que Kara se afastasse alguns centímetros do seu rosto.

Dessa vez, com uma delicadeza que nem Lena sabia possuir, a advogada tornou a tocar o rosto de Kara. Quando seus olhares se encontram, Lena não conseguiu desvendar a infinidade de sentimentos que se revelavam.

O duelo que Kara travava com as próprias emoções e sentimentos, com as suas certezas e dúvidas, Lena já havia vencido. E foi com assustadora, porém honesta firmeza que ela verbalizou as únicas palavras que a impediam de ter Kara completamente:

– Kara... Eu te amo.



* * *



Aquele seria o último fim de semana de Andrea no Canadá. Como celebração, Ellie e Edward haviam preparado uma série atividades que incluíam desde passeios pela cidade, a saídas para boates e barzinhos.

Andrea estava feliz e triste ao mesmo tempo. Passar aquele tempo com os colegas de apartamento a lembrara da falta que sentia da antiga turma. No fundo, Andrea sempre soube que, de alguma maneira, se afastaria dos amigos de National City.

Fosse pela viagem para o Canadá ou pelo fracassado namoro com Lena, a garota sentia que seria ela quem mais sairia perdendo. No entanto, Andrea fora contemplada com aquelas duas novas amizades, sem as quais possivelmente não suportaria a pressão de estar tão longe de casa. Mesmo que Andrea já não tivesse mais uma casa.

Naquela noite, sairiam para dançar em um badalado clube canadense. Edward levaria a namorada que estava perigosamente interessada em conhecer uma balada gay.

Ellie infernizara o rapaz a tarde toda, sugerindo desde microfones e câmeras escondidas nas roupas da garota, até um plano maluco no qual Edward se disfarçaria de “lésbica masculina” para afastar as possíveis pretendentes da moça.

Andrea, no entanto, notava uma certa expectativa no amigo de que a namorada, de fato, se interessasse por alguma mulher. Preferencialmente uma bissexual descolada.

Enquanto se arrumava no quarto, Andrea esbarrou em um dos seus casacos favoritos. Na verdade, aquele era o casaco favorito de Ellie. Aquela peça sempre fazia Andrea lembrar dos momentos nos quais pensara em Ellie de uma maneira nem um pouco inocente.

– Está pronta?

Andrea pulou e susto ao notar Edward parado a porta do seu quarto.

– Sim – disse, vestindo o casaco que tinha nas mãos.

Assim que chegaram, Ellie correu pegar algumas bebidas, enquanto falava pra quem quisesse ouvir que a namorada de Edward era completamente hétero.

– Você sabe que ela vai fazer isso a noite toda, não é? – cochichou Andrea no ouvido do amigo. – Acho melhor você dar um jeito dela calar a boca, se não suas chances de realizar a fantasia de dez entre dez homens cairá por terra!

– Ok. Você tem razão – disse o garoto, de uma maneira séria. – Me ajuda a esconder o corpo?

Mas antes que Andrea pudesse responder, Ellie tinha voltado. Andrea apanhou a cerveja que a amiga oferecia e piscou para Edward antes de arrastar Ellie para a pista de dança. Agradecido, Edward apenas sorriu discretamente e se voltou para a namorada que parecia querer gravar cada detalhe daquele ambiente na cabeça.

– Acha sensato deixarmos o Ed sozinho? – inquiriu Ellie.

Andrea puxou a amiga para um canto mais silencioso.

– Ellie, para de onda! Você sabe muito bem o que o Ed realmente quer.

Ellie soltou uma divertida gargalhada antes de fitar Andrea daquele jeito travesso.

– Sim! Mas foi tão divertido ver a cara de terror dele quando saí gritando que a Connie era hétero!

Andrea acabou rindo também. Sentiria, mais do que conseguia admitir, uma falta absurda de Ellie e das duas maluquices. Até mesmo dos momentos “sem noção” da garota, Andrea sentiria falta.

Como das vezes nas quais Ellie a acordava em plena madrugada, sempre na noite anterior a uma importante prova de Andrea, para contar que finalmente tinha se lembrado da vez em que vira um OVNI abduzindo meia dúzia de vacas.

“Eles devem gostar muito de hambúrgueres, e convenhamos, qual a possibilidade de se criar vacas em um planeta repleto de gazes nocivos?” Essa era a única coisa que Ellie se preocupava com a relação à vida além da Terra.

Enquanto dançavam, as duas observavam Edward e a namorada, que conversavam animadamente com um grupo de garotas. De repente, o garoto fechou a cara arrastou a namorada para longe do grupo.

Curiosas, Andrea e Ellie voltaram a se juntar aos amigos.

– Que houve? – perguntou Ellie aos dois.

– Umas malucas! Queriam levar a Connie para a mesa delas! Aí quando eu disse que ela estava comigo, aquela mais alta, com o cabelo todo espetado, disse que eu não precisava me preocupar, pois me arranjaria um dos seus amigos!

Indignado, Edward se zangou ainda mais quando as duas começaram a rir loucamente da cara dele. Até mesmo Constanza fazia força para disfarçar o riso.

– Eu te disse pra vir disfarçado. Tô te dizendo, lésbicas não perdoam a mina que vem com o “namoradinho”. É um troféu, saca?

Andrea percebeu que Edward não pensara na possiblidade de não conseguir “entrar” na mesma brincadeira que a namorada. Conformado, o garoto pareceu desistir daquela ideia e apenas se divertir.

Cerca de três horas e muitos copos de cerveja depois, Andrea já não conseguia mais acompanhar sequer o refrão das músicas. Ellie parecia ser a única sóbria do grupo, o que não consolava ninguém, já que a garota era completamente maluca mesmo sem ingerir uma gota de álcool.

Andrea voltou do bar com uma coca. E foi com alivio que sentiu a cabeça mais lúcida. No entanto, ao notar que Ellie estava dançando com uma outra garota, uma ideia absurda passou a lhe tomar os pensamentos.

Deixando o refrigerante de lado, a garota se lançou entre aquele mar de corpos e, sem hesitar, empurrou a garota mestiça que tentava sensualizar com Ellie e grudou o corpo no da amiga. Antes que Ellie pudesse se dar conta do que poderia acontecer, Andrea lhe tomou a boca com tanta sofreguidão que Ellie quase perdeu o equilíbrio.



Andrea despertou devido a um desconforto. Tentando clarear a mente, percebeu que seu braço há muito tempo estava implorando para que algum sangue voltasse a circular nele.

Puxando o braço lentamente, tentou não despertar Ellie, que dormia serenamente no seu ombro. Quando estava quase conseguindo, Ellie se mexeu e voltou a acomodar o corpo sobre o braço de Andrea.

Gemendo de dor, Andrea não teve outra escolha se não empurrar o corpo de Ellie para o outro lado da cama. A garota rolou e parou a poucos centímetros da borda do colchão. Se Andrea tivesse usado um pouco mais de força, Ellie teria se estatelado no chão.

Cavalos marinhos não precisam de cela... – resmungou Ellie, ainda ferrada no sono.

Rindo da situação, Andrea se pôs a alongar o braço amortecido. Lembranças da noite anterior irromperam sua consciência sem pedir licença. Lembranças dela beijando Ellie ainda no clube, lembranças do momento em que chegaram em casa, após terem deixado Edward e a namorada para trás, e não interromperam o beijo até despencarem na cama de Andrea.

Ellie, para a grata surpresa de Andrea, era uma amante incrível. E, após tanto tempo sem saber o que é estar com outra pessoa, Andrea sentia o corpo finalmente saciado.

Andrea se levantou, decidia a tomar um banho rápido e preparar um café da manhã reforçado.

Assim que saiu do banheiro, Andrea notou Ellie parada no meio do corredor e, claro, estava completamente nua.

– Como você conseguiu me marcar aqui sem que eu visse? – perguntou a garota, apontando para uma marca vermelha na testa.

Imediatamente Andrea se deu conta de que, apesar de não ter empurrado Ellie com força suficiente para que ela caísse da cama, fora o bastante para fazer a garota dar com a testa no criado mudo.

– Sabia que você se mexe horrores enquanto dorme? Pode ter batido, por acidente. – Andrea sorriu de maneira inocente.

– Já me disseram isso mesmo. Daquela vez em que acampei com uns amigos dentro de um balão...

Andrea achou mais sensato não perguntar se o balão estava no ar ou não. Em vez disso, se inclinou e beijou Ellie nos lábios. A garota pareceu surpresa, mas retribuiu.

– Por que não toma uma ducha enquanto eu preparo o café?

Ellie assentiu e entrou no banheiro.

Minutos mais tarde, Andrea sorvia calmamente uma xícara de café quando Ellie entrou na cozinha.

– Alguma notícia do Ed? – perguntou a garota, enquanto também apanhava uma xícara cheia.

– Deixou um recado, ligeiramente ofensivo, na secretária eletrônica nos xingando por termos sumido. Disse também que decidiu posar na casa da Connie quando percebeu que faríamos “barulhinhos” a noite toda...

Ellie sorriu sem graça. Era difícil que a garota sentisse vergonha. Poucas vezes Andrea presenciara aquela emoção e todas as vezes ficara encantada.

– A noite passada foi maravilhosa, Ellie. Não sei o que significou pra você, mas... – Andrea suspirou. – Pra mim foi absolutamente perfeita!

Ellie sorriu, antes de sorver um longo gole da bebida quente.

– Eu sou apaixonada por você, And, desde a primeira que te vi. Daquela vez que o Edward estava fim de você.

Aquela declaração pegara Andrea totalmente de surpresa. Fora tão repentina, impulsiva! E ao mesmo tempo soara simplesmente natural. Bom, fazia jus a tudo o que Ellie sempre fora.

Depois de tantos meses, ouvir uma declaração de amor fez Andrea se sentir aquecida por dentro. Mal pode acreditar que alguém ainda seria capaz de lhe despertar o coração outrora despedaçado.

– Ellie...

– Fico feliz pela noite de ontem ter significado algo pra você, And. Mas eu sei que você não me ama desse jeito...

– Mas eu sei que poderia me apaixonar por você, Ellie. Pra falar a verdade, desde aquela vez que você me beijou para despistar a Hanna que eu descobri que te desejo. Só lamento que tenhamos ficado juntas na véspera da minha partida, mas não precisamos desistir!

– Está sugerindo que namoremos à distância? – disse Ellie, impressionada.

– Poderíamos tentar!

Andrea estava sendo sincera. Acreditava mesmo que poderia ser feliz ao lado de Ellie. Aproximou-se da garota e a beijou. Ellie correspondeu e não desfez o abraço quando o beijo terminou.

– And, não posso concordar com isso. Não há nada mais que eu queria senão ficar com você. Mas sabemos que eu faço parte de um ciclo da sua vida que está chegando ao fim. A And que eu amo é a que viveu comigo aqui no Canadá. Não conheço a And que mora em NC. Sabemos que os seus desejos serão outros quando você retornar para casa.

O peso das palavras de Ellie surtiram efeito em Andrea. E ela se pegou pensando de onde, de uma hora para outra, Ellie tirara tanta sensatez.

– Não vou te esquecer só porque estaremos longe, Ellie!

– Eu sei! Mas olha, vamos fazer um acordo, ok? Quando a gente se encontrar de novo, porque eu sei que nos encontraremos, se ainda me quiser, aí eu aceito a relação do jeito que for!

Diante do sorriso sincero da garota, Andrea acabou cedendo. Internamente, ela agradecia por Ellie ter sido tão madura e decidida sobre aquela situação.

Ellie fora seu porto seguro naqueles últimos meses que Andrea passara no Canadá. E ela sabia que, no fundo, era aquela segurança que desejava manter. Mas Ellie sempre seria uma grande amiga a qual Andrea se sentia confiante em recorrer a qualquer momento.

Após mais alguns beijos carinhosos, as duas terminaram o café da manhã juntas, especulando se Edward teria ou não realizado a sua fantasia na noite anterior.

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