A Promessa

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Insatisfeita em manter seus beijos apenas nos lábios de Andrea, Lena percorreu todo o seu rosto, o pescoço, a pele descoberta do colo. Em contrapartida, Andrea a afagava, primeiro nas costas, depois o abdome, e então, sem privar o seu tato do que ele realmente almejava, foi abrindo os botões da camisa de Lena, com uma perícia compatível com o número de vezes que já se imaginara naquela situação.

Por um segundo, os olhos se encontraram de novo, e naquela ínfima fração de tempo uma série de antecedentes e implicações povoaram a mente de Lena. Não porque pensava em desistir nem porque tinha medo das consequências, mas porque estava se deixando levar, porque se já não bastasse a sua vontade onipresente de ter Andrea, ela ainda sabia como a provocar ainda mais.

Só Andrea era capaz de fazer Lena perder completamente a razão. A advogada provara isso apenas uma vez. Se fora o suficiente para não esquecer, não tinha sido, por outro lado, capaz de lhe preparar para a intensidade da segunda chance. Sentiu-se tonta e sem ar, de um modo deliciosamente perigoso. Com destreza, foi conduzindo Andrea até o sofá, enquanto suas mãos afoitas já brigavam com o casaco leve que ela vestia por cima da blusa de generoso decote.

-- Eu quero você, And... Preciso de você...
A frase escapou dos lábios ocupados de Lena. Com o corpo em chamas, Andrea se sentou sobre o colo dela, ficando de frente para a advogada enquanto suas mãos prendiam o cabelo dela com firmeza, mas gentilmente.

-- Eu sempre fui sua... -- confessou antes de roubar um beijo intenso, demorado, saboroso.

Enquanto a sucessão de beijos aplacava o mínimo da ânsia que sentiam, apenas o mais urgente, as mãos de Lena foram agindo por conta própria, abrindo o jeans que Andrea vestia, atirando longe o seu casaco e erguendo a sua blusa.
Determinada, Andrea prendeu ainda mais o cabelo da outra, forçando-a a abrir espaço para os beijos que se estenderam desde o lóbulo da orelha até os seios, passando por toda a pele sensível do pescoço de Lena e lhe arrancando os primeiros gemidos.

Com um movimento vigoroso, tomando a cintura de Andrea, Lena a deitou de costas no sofá, encaixando-se entre as suas pernas e forçando o seu corpo contra o dela, enquanto se inclinava para finalmente remover a blusa e o sutiã que a impediam de ir adiante.
Andrea fez o mesmo logo em seguida, aproveitando para arranhar a pele de Lena enquanto a puxava para junto de si, abraçando seu tronco com as pernas, arqueando as costas, oferecendo-se de uma maneira que jamais havia feito.

Voltaram aos beijos intensos, demorados, sôfregos. Seus gemidos se misturaram num único som que embalava seus corpos, ora gentilmente, ora num ritmo quase selvagem.
Num acordo mútuo, firmado por olhares, deixaram o sofá, e enquanto ganhavam a cama, com pressa, com urgência, abandonaram pelo caminho as últimas peças de roupa. Andrea encarou Lena num misto de satisfação e desejo, e logo a puxou sobre o seu corpo, exigindo seus beijos, reclamando com a pele tudo que lhe fora negado até então.

Por um instante, assustaram-se. A campainha soara na sala de um modo nitidamente urgente. Lena foi a primeira a voltar ao que fazia.

-- Pode ser até o Papa, vai ter de esperar -- disse a advogada, sorrindo.

-- Parece castigo -- disse Andrea, quase rindo. -- Sempre tem alguém pra ligar ou aparecer.

Lena segurou os dois pulsos de Andrea acima de sua cabeça, encarando o seu rosto muito de perto.

-- É, só que desta vez eu não vou parar...

-- Promete? -- pediu Andrea, depois de ouvir a campainha soando mais uma vez.
-- A única coisa que pode me fazer retardar isso é um pedido seu, And.

Andrea libertou uma das próprias mãos e acariciou o rosto de Lena.

-- Então não se preocupe. Eu sempre quis... Mas nunca lhe desejei tanto quanto agora...

Lena sorriu antes de tomar a boca de Andrea com euforia, num beijo durante o qual rolaram na cama, trocaram novas carícias, gemeram contra os lábios uma da outra. O que antes era urgência se tornou quase uma febre. Precisavam daquilo mais do que qualquer coisa.

Na sala, o som da campainha foi se tornando mais recorrente, mais desesperado. Logo em seguida, as duas ouviram a porta começar a ser esmurrada.
"Mas que merda!" pensou Andrea, que notava aos poucos perder a concentração em Lena, por conta daquele som insistente.

-- Seja quem for, vai desistir daqui a pouco -- disse Lena, percebendo a apreensão de Andrea.

-- Eu sei, mas... -- suspirou, derrotada. -- Já que esperamos tanto, prefiro que seja com calma.

A advogada estreitou os olhos, encarando a amante. Andrea estava certa. Teriam todo o tempo do mundo dali em diante. Como as batidas continuavam, Lena pousou um beijo carinhoso na boca de Andrea, apanhou seu robe e deixou o quarto com os olhos vermelhos, dessa vez de ódio.

Quem quer que estivesse tocando a campainha, certamente pagaria muito caro...
Lena girou a maçaneta e abriu a porta com decisão, num movimento rápido.
E deu de cara com Helena.
Sem que ela pudesse controlar, a surpresa sobrepujou a raiva, e Lena se viu paralisada. Aproveitando os segundos de indecisão da advogada, Helena passou pela porta e por ela.

-- O que pensa que está fazendo?

-- Desculpe ter batido desse jeito, Lena, mas eu não desistiria enquanto não conseguisse falar com você.

-- Como passou pelo porteiro?

-- Isso é irrelevante agora.

-- Matou ele, também? -- provocou Lena.
Helena engoliu a acusação e continuou buscando os olhos agitados e ao mesmo tempo curiosos de Lena.

-- Já não teve o suficiente, Helena? Você conseguiu colocar George contra mim, o que mais você quer?

-- Eu vim ver se você está bem -- explicou ela.

Lena deixou um riso nervoso escapar enquanto cruzava os braços.

-- Quer saber? Diga logo o que você quer, não vou interromper. Você não tem mais como me atingir, então...

-- Eu não esperava que ele fosse demitir você!

-- Claro, quem poderia esperar? Só por causa do seu ataque histérico na reunião? -- ironizou Lena.

-- Você disse que não iria me interromper -- reclamou a outra.

Lena bufou, mas não disse mais nada. Discretamente, mirou a porta fechada do quarto, torcendo para que tudo aquilo acabasse o mais rápido possível.

-- Você estava certa quando supôs que eu falei sobre nós diante do seu chefe para que ele tirasse você do caso – confessou Helena. -- Mas está errada sobre o motivo.

-- Não precisa explicar mais nada, ok?

-- Preciso sim. Preciso porque eu fui longe demais. Mesmo tentando lhe proteger eu acabei prejudicando você...

-- Tentando me proteger? -- Lena a encarou com um olhar incrédulo. -- Não dava para ser um pouco mais criativa? Essa foi a mesma desculpa que você usou dez anos atrás, e quer saber? Ela não cola mais.

-- Você precisa acreditar em mim, Lena -- suplicou.

-- Não, não preciso. Eu só levei a pior, todas as vezes em que confiei na sua palavra. Quando você finalmente me contou a verdade, tratou de me expulsar da sua vida de novo!

-- Eu menti! Por Deus, Lena, você acreditou mesmo naquilo? Eu jamais conseguiria tirar a vida do Peter, mesmo que quisesse.

-- Então por que você confessou?

-- Para você parar de falar no maldito álibi! Estávamos sozinhas, finalmente, e você não tirava seu disfarce de advogada por nada!

-- O quê?

-- Tem ideia do quanto eu quero você? Do quanto senti sua falta, esses anos todos?

-- Você só pode ser doente.

-- Então você também é, porque eu não fiz amor sozinha, ontem à noite.

Ouvindo atrás da porta do quarto, Andrea apertou os olhos, raivosa.
Imaginando que a conversa era ouvida, Lena tripudiou:

-- Não foi nada demais pra mim -- disse a advogada. -- Na verdade eu só queria tirar uma velha dúvida... E confirmei que eu não sinto mais nada por você.

Os olhos de Helena foram cobertos por uma densa cortina de lágrimas. Curvando o rosto em direção ao chão, ela tentou tomar fôlego, para continuar a conversa.

-- Uma parte de mim fica feliz em saber que você se libertou disso. Já provei que só sou capaz de lhe trazer problemas.

-- Nem tente se fazer de vítima, Helena. Vai culpar quem, agora? Os seus pais, de novo? Qual é a chantagem que eles estão fazendo atualmente? Espero que seja algo muito interessante, que tenha valido a pena eu esperar uma década por você e lhe perder de novo por causa do seu medo -- Lena despejou tudo de uma vez.

-- Você está me julgando mal, Lena. Eu sei que fiz a escolha certa.

-- Claro... Se casar com um milionário para salvar as contas do seu pai e deixar a idiota da sua namorada pensando "pobrezinha, se sacrificando desse jeito". Não caio mais nesse papo furado!

-- Eles descobriram sobre nós! -- disse Helena.

-- Seus pais sempre souberam, sua tola!

-- Não eles!

Lena a encarou, interrogativa.

-- Meu pai tinha dívidas com... -- engoliu em seco. -- Com um canalha, um agiota que ele procurou quando os bancos não lhe deram mais crédito. Você não tem noção do que esse tipo de pessoa pode fazer. Os capangas desse homem começaram a nos seguir, descobriram sobre você, descobriram sobre o Peter...

-- Você já estava com ele!?

-- Não! Você sabe que éramos apenas amigos. E sabe que ele era apaixonado por mim.

Lena esfregou o rosto, atordoada com tudo aquilo. Helena resolveu ir até o fim, já que começara a contar, finalmente, toda a verdade.

-- Foi esse canalha que sugeriu ao meu pai que me "vendesse" para os Simmons, como você diz. Papai, é claro, adorou a ideia.

-- E você também -- acrescentou Lena.

Helena esperou que os olhares se encontrassem para continuar:

-- Considerando que com isso ele retirou a ameaça de morte sobre você, eu adorei, sim.

Lena sentiu o chão se abrindo sob seus pés.

-- Se eu errei em algum momento, meu bem – disse Helena. -- Foi em propor a nossa promessa. Não deveria ter prendido você. Abrir mão da minha felicidade era escolha minha, sim. Condenar você a sofrer junto foi egoísmo.

Lena foi obrigada a virar o rosto, já tomado de lágrimas.

-- VOCÊ NÃO TINHA O DIREITO DE ESCONDER ISSO DE MIM!

-- Eu lamento tanto... -- Helena se aproximou, tentando abraçá-la, mas Lena a empurrou bruscamente.

-- Como você teve coragem? Como? Você manipulou a minha vida como se eu fosse um fantoche seu!

-- Eu sei... Eu reconheço, mas não vou me arrepender. Eu morreria por você, Lena. Eu faria coisas piores do que essa. Eu aguentaria qualquer tipo de tortura, por mais longa que ela fosse e eu aguentei até mesmo o seu desprezo e o seu ódio por mim. A única coisa que eu não suportei foi perceber que você tinha reconstruído a sua vida e que eu estava atrapalhando de novo.

-- Atrapalhando?

-- Você disse que o meu processo estava perdido e arranharia a sua carreira!

-- E então você provocou a minha demissão e acelerou as coisas, não é mesmo?

-- Não! Eu só queria que você saísse do caso. Assim não perderia, junto comigo.

Lena teve de se apoiar no móvel mais próximo para não ir ao chão. À sua volta, as paredes giravam e o rosto de Helena saía de foco a cada instante. Com mil perguntas na cabeça, só conseguiu fazer a mais óbvia:

-- Por que não me contou a verdade na época?

Olharam-se.

-- O que você faria? -- devolveu Helena.

Sem nem pensar, Lena respondeu:

-- Morreria por você, se não tivesse outra saída.

Movendo a cabeça afirmativamente, Helena demonstrou que já sabia ser aquela a resposta.

-- Por isso eu não contei.

Desnorteada, Lena se aproximou do sofá com passos vacilantes. Deixou seu corpo tombar sobre ele, ainda sem fala, ainda incapaz de reagir. Nada no mundo poderia tê-la preparado para ouvir aquilo.

Nenhuma mentira ou qualquer mal entendido envolvendo o caso delas tinha chocado Lena daquela forma. E como num efeito dominó, a advogada logo concluiu a gravidade dos fatos: Helena era inocente... De tudo!
Mas provavelmente outra vez iria pagar com a própria liberdade.

-- Eu vou falar com o doutor Martelli, está bem? Explicarei o que aconteceu. Tenho certeza que ele vai voltar atrás -- disse Helena.

A voz de Lena soou estranhamente distante na resposta:

-- Não se preocupe com isso. Se quisesse continuar ao lado dele, eu mesma conseguiria convencê-lo.

O silêncio que se seguiu provou que a verdade, enfim, era como um muro entre elas. Se ele fosse posto ao chão, não seria ali, não seria de imediato.

Antes de sair, Helena se aproximou de Lena, afagando sua nuca. A advogada continuava sentada no sofá, encarando os próprios pés.

-- Por favor, não me odeie.

Pouco depois de Helena deixar o apartamento, Lena ouviu outra porta, dessa vez a do seu quarto. Com a mente confusa, não conseguiu precisar quanto tempo havia se passado entre um evento e outro.

Andrea já estava vestida, exceto pelo casaco, que ficara na sala. Ela o apanhou, sem olhar para Lena.

-- Sabe, doutora Luthor... Você teria me poupado de muita coisa, se eu soubesse dessa promessa desde o princípio.

Lena respirou fundo, bem devagar. Tinha chegado tão perto! E menos de uma hora depois, Andrea estava mais distante de si do que nunca. Tentaria remediar com uma saída altiva e brilhante? Ou baixaria a guarda de vez?

-- Sei que eu sou a mulher que você ama, And. Então, por favor, diga alguma coisa que faça com que eu me sinta menos miserável -- implorou Lena.

Andrea esperou até ser olhada nos olhos. Apanhou sua bolsa enquanto isso.

-- Quando eu me senti assim, não ouvi nada de você. Vai precisar de mais que uma carinha de choro se um dia me quiser de volta.

-- And...

-- Eu só tô muito cansada de tudo isso Lena...

-- Andrea...

Ao ouvir a súplica, ela quase desistiu. Porém as lágrimas que molharam sua face foram como um lembrete das que já haviam caído, e um alerta sobre as muitas que ainda poderiam rolar...

Sentiu-se fraca e covarde, e decidiu pensar melhor. Mas não ali, não naquele momento. Foi embora em silêncio, deixado para trás um coração quase vazio.

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