A declaração

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Winslow solicitou 15 dias de férias na Livraria quando a sua mãe adoeceu, no começo de setembro. A gentil senhora fingiu se zangar com o filho, mas era visível o quanto tinha adorado aquele cuidado mais próximo.

Ele era um bom filho, sempre tinha sido e a não ser que mudasse completamente de personalidade, sempre seria. A mãe vinha em primeiro lugar para tudo. Kara o entendia muito bem, pois também era filha única. Partilhava daquela sensação de que era o bem mais precioso do mundo para alguém.

Os dois tinham se aproximado bastante depois que Kara passou a sair com mais frequência. Depois de um tempo, a presença de Stacy com eles, na mesma roda, já não incomodava tanto.

Até porque Kara já tinha muito mais assunto com Mike e Winn do que com Andrea, que nem sempre podia sair, ficando em casa com a namorada.

Na primeira sexta-feira de outubro, Andrea conseguiu convencer Stacy a sair com ela e com seus amigos. Combinaram de beber alguma coisa em um pub próximo à Empire e depois seguir para lá.

Kara se animou. Ainda que estivesse preocupada por causa do resultado do último simulado no cursinho pré-vestibular, sabia que precisava de alguma distração ou iria enlouquecer de tanto estudar.

No barzinho, distraiu-se em uma conversa animada com Mike, sobre marcas de roupa. Vez ou outra, Winn comentava alguma coisa. Andrea e Stacy conversavam entre si.

Kara as observava pela visão periférica. Embora sentadas lado a lado, não se tocavam, o que era muito diferente de como agiam entre quatro paredes. Stacy era aquele tipo de garota acostumada a manter sempre um mínimo de contato físico. Grudenta.

Mas afinal de contas aquele bar não parecia nem um pouco com um lugar onde demonstrações de homoafeto seriam bem recebidas ou simplesmente ignoradas.

Com isso, Kara começou a se questionar. Quando ainda tinha Lucy, tudo fora confuso e fugaz demais para que pensasse a respeito. Não queria admitir, mas sentia falta de ter uma namorada.

Um nome que lhe fizesse suspirar, alguém para ligar por alguns minutos, e ouvir a voz antes de adormecer. Quando pensava nisso, sentia ainda mais pena de si por ter perdido Andrea.

E ao contrário do que tinha imaginado logo após o aniversário dela, Kara ainda a queria. Kara, na verdade, queria Andrea ainda mais. Cada dia que passava, aquilo que ela sentia ficava mais forte e complexo.

Pouco depois da meia-noite, finalmente foram para a boate. Winn entrou na frente e logo todos se acomodaram em uma mesa. A música estava animada e a pista de dança, lotada.

Quando juntas, Kara e Stacy raramente passavam dos cumprimentos e de algum comentário trivial. Uma tensão palpável que Andrea se desdobrava para mediar. Winn e Mike sempre ajudavam. Mas como também se esforçavam para serem agradáveis com Stacy, às vezes Kara sentia que sobrava na conversa.

Estaria agindo errado? Mais de uma vez por dia ela se perguntava se não era hora de dar um basta naquilo tudo. Virar as costas, fazer programas com suas colegas de cursinho e arranjar uma garota. Uma garota que estivesse disponível.

E por mais que aquela saída lhe atraísse em alguns pontos, quando começava a pensar no que deixaria para trás, recuava. Era egoísmo, sabia muito bem. Às vezes uma palavra a mais escapava, uma frase de duplo sentido.

Pequenos vestígios que mantinham Andrea ciente de que Kara permanecia a postos. Permanecia disposta. Que a garota estava ali, literalmente linda e loira, no banco de reservas.

Um tom de voz mais inflamado a despertou dos devaneios. Andrea se exasperara pela terceira recusa seguida de Stacy em levantar para dançar.

Kara já tinha percebido que Stacy não gostava muito da Empire. Ou talvez não gostasse muito de nada, porque a expressão dela era sempre a de alguém que achava tudo um saco.

Como Andrea poderia ter se apaixonado por ela? Eram tão diferentes, Andrea tão cheia de vida, agitada, efusiva – Kara estava aprendendo a conhecê-la melhor e percebeu que havia se enganado nas primeiras impressões.

A Andrea dos primeiros meses, do período sem Stacy, era apenas um esboço não muito claro de uma garota incrível. E o que ela aparentava, recentemente, era o que justificava o fato de tanta gente amá-la. De ter amigos fiéis, de ser quase um objeto de culto.

Vendo-a feliz, finalmente, fazia muito mais sentido. Não havia mulher alguma em National City que pudesse se comparar com Andrea. Enquanto isso, Stacy era comum. Simplesmente comum. Segundo informação de Lena, era boa de cama, mas... E daí?

Kara teve de concordar que sua virgindade não ajudava muito a entender as coisas pelo prisma do sexo. Mas ainda assim, não via sentido na relação entre as duas namoradas que discutiam, bem ao seu lado.

– Ta bom, meu bem, já entendi – disse Andrea. – Ka, vamos dançar? – estendeu a mão, dando as costas solenemente à namorada.

A garota olhou para aquela mão estendida e pensou em todas as possibilidades, em uma fração de segundos.

– Claro.

Partiram da mesa para a pista em silêncio. Kara sentia o coração aos pulos no peito e a nuca queimando sob o olhar assassino de Stacy. Andrea tentava esconder, mas guardava um sorriso debochado no canto dos lábios.

– Aqui está bom? – perguntou Andrea, quando encontraram um espaço razoavelmente vago entre um bando de jovens dançando animadamente.

– Sim, acho que você encontrou um bom lugar ainda às vistas da Stacy – respondeu.

Por conta do som alto, Andrea não ouviu.

– O quê?

– Eu disse que aqui está ótimo – disse Kara.

Depois disso, puseram-se a dançar. De olhos fechados, Kara permitiu que o ritmo a conduzisse. Não se preocupou com quase nada. Já tinha ouvido vezes demais que dançava bem, não precisava impressionar. E nem tinha medo de fazer feio.

Quando a primeira música acabou, Andrea a arrastou pela mão, foram até o balcão e apanharam uma bebida. Dividiram o mesmo copo e voltaram a dançar. Veio outra música agitada, e Kara via Andrea vez ou outra desviar o olhar para a mesa onde Stacy ficara plantada.

– Nossa, eu estava louca para dançar. Há semanas que não saía... – disse Andrea.

– Uma pena que a piranha da sua namorada tenha gostos tão diferentes dos seus – disse Kara, propositalmente num tom baixo.

– O quê? Ka, fala mais alto que eu não consigo te ouvir por causa da música.

– Eu disse que também estava louca para dançar! – respondeu.

Andrea sorriu. A música foi acabando, mas antes disso, outra começou. Era o ponto alto da noite.

– Nossa, eu amo essa! – comemorou Andrea.

E eu amo você.

Era uma brincadeira do DJ colocar a introdução da música do momento e pausar, fazendo a galera pedir aos berros por mais. Coisa super comum. Kara só não esperava que ele tivesse decretado dois segundos de silêncio absoluto exatamente no momento em que ela deixou a frase escapar.

Ironicamente, aquele “eu amo você” pareceu ecoar por toda a boate. Andrea ficou petrificada, assim como Kara. A primeira, assustada com o que tinha ouvido. A segunda, ainda sem entender aquela peça que o destino tinha pregado. Por que tinha vindo ao mundo com uma matraca tão solta?

No exato momento que a música voltou a tocar, Stacy apareceu, tocando o braço da namorada e puxando Andrea com gentileza. Kara conseguiu ouvir o que ela disse, pois Stacy praticamente gritava.

– Embora não goste disso, a sua música preferida eu faço questão de dançar com você.

Andrea só sorriu para ela depois de lançar mais um olhar atônito na direção de Kara. E a garota continuava ali, petrificada. Os olhos, suplicantes, conservavam o brilho surgido ali no momento que ela se declarara, e nem o susto e muito menos Stacy tinham conseguido apagar aquele efeito.

– Aaam... Amor, só um segundo, está bem?

Mas quando ela olhou de novo, Kara tinha evaporado.

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