Me Leve com Você

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O julgamento poderia ter acabado, mas Kara continuava tendo muitas lições. Ao lado de George Martelli, partiu para uma conversa com o promotor e seus assistentes. Ela ficou calada, como era o esperado, mas seus ouvidos estavam atentos, captando tudo.

Pela manhã, George e Lena deram a ela apenas detalhes superficiais sobre o acordo com o Simmons.

O resultado, que para muitos foi totalmente inesperado, para ela foi nada mais do que previsível. Afinal de contas, todo o inquérito fora armado para acusar Helena de forma a proteger a reputação de seu falecido marido. Quando esta dita reputação foi colocada em risco -- por Lena -- um freio lhe foi imposto.

Justo, não era.

Daniel Muraro fora assassinado e a polícia local não tinha qualquer pista sobre o crime. Porém ele, da mesma forma, tirara a vida de uma pessoa. Alguns detalhes de toda aquela trama provavelmente jamais seriam descobertos.

Se pudesse apostar, Kara diria que Ronald Peters deu fim ao assassino do herdeiro dos Simmons. Mas apostas, no Direito, significavam pouca coisa, ainda mais para alguém que apenas engatinhava naquela área.

-- Vamos buscar nossas coisas no hotel? -- propôs o doutor Martelli.

-- Claro.

Lena tinha sumido e Kara não quis perguntar sobre o paradeiro dela. A tinha visto sair apressada, e sabia muito bem que dia era aquele.

Andrea estava se mudando para o Canadá.

E Kara lhe dissera adeus por uma mensagem de texto, no recesso antes da sentença. Se ainda a amava, já tinha quase certeza que não. Seus caminhos tinham se separado muito naqueles meses que sucederam o término. Suas mágoas, aos poucos, demonstraram ter vida mais longa que o afeto que restara quando voltaram a ser “apenas” amigas.

Quanto à Carina, não sentia saudades. Talvez depois de alguns dias, aumentando o tempo decorrido desde o último encontro, seu corpo pudesse reclamar, mas não o coração. Esse estava completamente apático. Fechado. Estava em manutenção.

-- Em quase trinta anos de advocacia, esse foi o caso que fez tudo valer a pena -- confessou George Martelli, enquanto afivelava o cinto.

Kara estava aflita, querendo pensar em qualquer coisa que não fosse a decolagem do avião, que ocorreria em poucos minutos.

-- Que bom que comecei por ele, então... -- disse a garota.

-- Está chateada conosco, Ka?

“Ka”. George Martelli a havia chamado de Ka! Em vista da surpresa, ela quase esqueceu de responder.

-- Aaam... Chateada, não.

-- Percebi que você é uma pessoa com moral firme e princípios rígidos.

O silêncio dela foi a resposta que o advogado esperava. Ele continuou:

-- Você sabe agora quantas coisas aconteceram, ou uma parte delas. Sabe que até mesmo um assassinato ocorreu, na tentativa de acobertar o primeiro, e que o dito primeiro já foi, em si, um efeito colateral de uma negociação para manter algo escondido.

-- Sim.

-- Jamais conseguiríamos defender Helena, jogando completamente limpo.

Kara ficou pensando sobre aquilo. Havia um fim, sim, que poderia justificar os meios utilizados. Mas no final das contas todos apresentavam um objetivo nobre, e se as coisas fossem sempre desse jeito, o mundo estaria num caos completo.

Depois de um suspiro, Kara comentou:

-- Vocês fizeram a única coisa que o Simmons não esperava.

George a encarou com curiosidade, e Kara completou:

-- Enfrentaram-no de igual para igual.

-- É, eu acho que ele nunca teve disso, na vida.

-- Mas estava preparado, para quando acontecesse -- disse Kara. -- Afinal, ele escapou impune.

-- Ele perdeu o único filho -- George a encarou significativamente.

-- Você faria a mesma coisa? -- Kara nem acreditou quando ouviu a própria voz fazendo aquela pergunta para o doutor Martelli.

Ele a analisou, pacientemente. Kara sentiu o rosto pegar fogo e até agradeceu pela decolagem, porque ela interrompeu o embate silencioso dos dois.

A aeronave já estava estabilizada, cerca de quinze minutos depois, quando George finalmente respondeu, pegando Kara de surpresa.

-- Não creio que jogaria a culpa em uma pessoa inocente. Quanto ao resto... -- fez um gesto qualquer.

A “língua solta” e a curiosidade sem fim de Kara voltaram ao nível normal, passado todo o nervosismo.

-- Por que o senhor não teve filhos?

O advogado encarou a pequena janela, enquanto mastigava a pergunta.

-- Tivemos uma filha, minha esposa e eu -- ele inspirou profundamente. -- Ela morreu poucas horas depois do parto.

-- Eu sinto muito.

-- Obrigado. Mas não se preocupe, foi a tempo suficiente para eu aprender a lidar com isso.

-- Mas nunca esqueceu.

-- Não se esquece uma coisa dessas.

Kara apenas forçou um sorriso e finalmente se calou. A conversa a tinha feito lembrar de seus pais. Ela ficou feliz de saber que com o tempo era possível aprender a superar uma grande perda, mas triste com a parte final.

Como tudo tinha uma implicação oposta, seus pais, também, jamais esqueceriam dela. O problema era que Kara não sabia se isso para eles era um consolo ou uma maldição.

* * *

O aeroporto estava movimentado quando Lena desembarcou, apressada. Venceu a distância até o saguão, as escadas e os corredores, praticamente correndo e agradecendo por não ter de esperar por sua bagagem, a qual nem tinha apanhado no hotel. Vasculhou os painéis a procura do número do voo, aflita, angustiada.
       
Finalmente descobriu o portão de embarque e quis voar até lá, mas o fluxo de pessoas parecia com um monte de obstáculos em uma gincana escolar. Ela precisava passar por aquele labirinto de gente até encontrar quem estava procurando.
       
-- Cartão de embarque?
       
-- Am... Estou procurando uma pessoa.
       
-- Já vai fechar, tem cartão?
       
-- Eu... Preciso... -- percebeu que não conseguia falar.
       
-- Segurança!
       
-- Não... -- ela recuou. -- Desculpe -- tentou sorrir para a funcionária do aeroporto, mas só conseguiu parecer mais desequilibrada do que já estava denotando ser.
       
Tentou um último recurso, antes da porta de vidro se fechar:
       
-- ANDREA!!!???
       
Suava frio por causa do ar condicionado do terminal. Mexia os dedos dos pés dentro da bota, compulsivamente, nervosamente. E finalmente viu um rosto curioso. Não conseguia ouvir nada, mas pôde ler os seus lábios e decifrar sua expressão.
       
-- Lena...?
       
Sinalizou desesperadamente para que Andrea desistisse do voo e deixasse a sala de embarque, coisa que ela ou não entendeu, ou fingiu que não.
       
-- Não pega o avião... -- suplicou, com os lábios trêmulos.
       
Andrea sinalizou que não estava entendendo nada. O serviço de som do aeroporto anunciou a última chamada e Andrea olhou aflita para onde já deveria ter ido.
       
-- Não!
       
Mais uma vez ela sinalizou pedindo explicações. Lena se lembrou de uma caneta em sua bolsa, pegou-a e quase a deixou cair no chão, pela pressa e destempero. Rabiscou três palavras na palma da mão e grudou-a no vidro, antes dos seguranças a alcançarem.

EU TE AMO

Andrea ficou pasma.

Olhou para o rosto de Lena e sua expressão suplicante. Olhou pra mão. Leu várias vezes. Olhou para o rosto da outra de novo. Então alguma coisa lhe ocorreu. Alguma coisa que Lena tentaria inutilmente decifrar nas horas seguintes, e Andrea apenas balançou a cabeça, discordando da idéia implícita de mudar de planos.

Acenou como quem se despedia e foi caminhando para trás enquanto uma das comissárias já vinha buscá-la, para poder fechar o avião. Só deixaram de se olhar quando Andrea teve mesmo de se virar para tomar o outro corredor, mas Lena ficou ali, despertando a curiosidade de quem passava, desnorteada, com a palma da mão grudada no vidro que separava o saguão da sala de embarque.

Andrea não estava totalmente decepcionada, mas se sentia incompleta. De tudo, levaria pelo menos a lição: não é menos difícil dizer adeus quando a partida é escolha sua.

* * *

Quando o dia amanheceu, tudo parecia fazer parte de uma realidade alternativa.

A vida de Lena se resumia a duas coisas: fazer o possível e o impossível para se tornar sócia da firma onde trabalhava; e conseguir um dia decidir entre manter a promessa com Helena, ou ceder à paixão inesperada por Andrea.

Para sua sorte, as duas buscas terminaram no mesmo momento.

Para sua desgraça, isso tinha acontecido da pior maneira possível.

Vencer uma causa por meio de um acordo escuso não era seu ideal de sucesso. Torturar Andrea naquela espera até o ponto em que ela não aguentou mais, não era como tinha sonhado se libertar, enfim.

Lembrava com exatidão do dia em que tinham se conhecido. A história delas tinha tantos clichês, que Lena chegava a virar os olhos, achando tudo ridículo.

E ridiculamente perfeito.

Esbarraram-se no corredor da faculdade. Lena, com sua expressão mal-humorada eterna. Andrea, com um nervosismo que o choque apenas aumentou. Andrea gaguejando qualquer coisa; Lena em completo silêncio. Seguiram em rumos opostos, ambas sorrindo misteriosamente. Ainda não sabiam, mas algo muito importante tinha mudado dentro delas, pelos dois ou três segundos em que os seus olhos ficaram ligados. 

Dez minutos depois, o reencontro. O destino tornando as coisas ainda mais interessantes para Lena: Andrea era sua aluna. Durante um semestre inteiro, duas vezes por semana, eram obrigadas a estar na mesma sala. Foi assim, numa observação à distância, que uma foi conhecendo a outra, e nisso, deixando-se conhecer.

Forçavam assuntos para conversar no corredor e trocavam cumprimentos que vinham acompanhados de sorrisos -- da parte de Andrea, e de olhares profundos -- da parte de Lena.

Lena já tinha certeza de como viera ao mundo, enquanto Andrea às vezes achava que sua atração por mulheres fosse algo como uma “fase”.

Então veio a primeira separação. Lena deixou a docência, deixando, também, o fascínio e deslumbre que Andrea sempre sentiria pelo Direito, pelas regras, e principalmente pela forma como a advogada a ensinara a ver o lado oposto de tudo.

Junto com a entrada de Winn e Carina em suas vidas, veio a primeira ligação que não precisava ser disfarçada com assuntos acadêmicos.

Andrea descobriu a Empire, encaixou-se em seu novo mundo, e conseguiu o que queria desde o começo: Lena. O problema foi que isso aconteceu da maneira errada, ou pelo menos, não do modo como ela esperava.

Encontro após encontro, a proximidade aumentava. Andrea vivia o martírio de chegar cada vez mais perto, mas nunca ao objetivo. Para Lena, o perigo consistia em querer desesperadamente ceder, mas ter medo de ir longe demais.

Sua frieza não permitia que perdesse o controle. Seu egoísmo a impelia a manter o objeto de desejo sempre por perto. 

Cada conversa, cada ligação, cada encontro e até mesmo os mais casuais contatos físicos eram como testes, como provas, às vezes mais simples, outras vezes realmente desafiantes, e algumas, muito dolorosas.

Até o dia em que Lena finalmente caiu na própria armadilha...

* * *

Carina atendeu a porta com uma expressão de curiosidade. Lena fora lacônica ao telefone, mas mesmo as poucas palavras deixaram no ar que algo muito interessante havia acontecido.

Elas tinham se visto na noite anterior. Até onde Carina lembrava, ela, Lena, Winn e Andrea estavam se divertindo como nunca, e enchendo a cara como sempre. Winn encontrou um norueguês de passagem por NC e em menos de dois minutos de conversa, estavam aos beijos.

Andrea flertava com uma desconhecida, contando com a ajuda da própria Carina, que ficou por quase uma hora como “garota de recados” das duas. No meio daquela confusão, o álcool foi lhe subindo à cabeça e a última lembrança clara que ela tinha era a de ter avisado Lena que o flerte de Andrea tinha uma amiga encantadora.

Não que na relação delas esse tipo de explicação fosse obrigatória. Na verdade, até mesmo evitavam isso. O que aconteceu foi que Carina estava “alta” e queria se gabar da conquista. “Encantadora” era a palavra chave para ela. Quando Lena se arranjava com alguém, Carina ficava sabendo simplesmente porque a advogada desaparecia.

Mas ela se preocupava com Andrea, afinal, elas tinham vindo juntas. Carina tinha insistido para saírem, já que Andrea tinha afirmado mais de uma vez que preferia ficar em casa vendo um filme tosco e rindo com ela. A amizade das duas estava num ponto alto, talvez o melhor de todos. Isso porque Andrea conseguia ainda engolir o ciúme que sentia da relação de Carina com Lena ter um ingrediente extra: sexo.

Lena se prontificou a ficar de olho em Andrea e Carina não pensou em mais nada. Em fato, a maioria dos detalhes só lhe veio à consciência depois do telefonema da advogada.

-- Entra...

Ela não esperou por um segundo convite, entrando no apartamento da amiga com passos rápidos e largando sua bolsa e seu corpo sobre o sofá.

-- Fiz merda... -- disse, cobrindo o rosto.

-- Como assim?

Encararam-se, sentadas frente a frente, enquanto Lena escolhia as palavras certas.

-- Você quer a versão resumida ou...?

Carina deu um pulo.

-- Vou apanhar um vinho! Já almoçou?

-- Sem fome. Mas aceito o vinho, sim.

-- Pelo visto a coisa foi séria. Já volto.

Enquanto Carina apanhava as taças e abria a garrafa, Lena ia antecipando mentalmente a conversa. Não seria fácil. Mais do que nunca, precisava se confessar com alguém em quem confiasse. O problema era justamente confiar. Diante da falta de alternativas, Carina foi eleita por dois motivos simples: conhecia bem uma personagem básica da história e tinha um modo de pensar semelhante ao de Lena.

-- Isso vai parecer o caso todo em si, mas se trata apenas do começo...

-- O suspense está me matando, Le...

-- Passei a noite com uma mulher.

-- Novidade! -- brincou Carina.

-- Não poderia ter dormido com ela.

-- Novidade dois, né? -- ela conhecia muito bem a atração que o “proibido” exercia sobre Lena.

-- Estou terrivelmente encrencada.

-- Por quê?

-- É um pouco complicado de explicar. Eu não fui completamente sincera quando conversamos sobre nossos passados, Carina.

-- Epa, a coisa está ficando cada vez melhor! -- seus olhos brilharam.

-- Eu já me apaixonei, sim.

Carina achou que não era hora de reclamar, ou mesmo de fazer alguma piadinha. Sentia pelo tom da voz dela que Lena estava fazendo um esforço tremendo para se abrir. Apesar de não amá-la como mulher, Carina tinha aprendido a admirá-la como pessoa.

Pelo silêncio da outra, Lena concluiu que poderia continuar. Aos poucos, controlando a emoção, foi contando cada detalhe de sua história com Helena, enfatizando o modo como haviam sido separadas.

Contou sobre a promessa.

-- Nossa, quando eu dizia que você é um poço de segredos, juro, não imaginava que tinha tantos!

-- Como eu disse, isso é apenas o começo da história.

-- Deixa eu adivinhar: essa mulher com quem dormiu ontem é a Helena?

-- Não.

-- Hum.

-- Mas ela me faz sentir as mesmas coisas.

-- E a sua promessa está ameaçada...

-- É.

Carina cruzou as pernas, sorvendo um longo gole. Ficara sensibilizada pela história. Mesmo que não a conhecesse, gratuitamente, já sentia uma grande afeição por Helena

-- Uau -- foi tudo que conseguiu dizer, por fim.

-- Preciso que você me convença que se trata de uma paixonite boba, que não vale a pena mudar tudo agora... Por uma coisa que provavelmente nem daria certo.

Carina sorriu. Lena pedindo a sua ajuda era tão raro, que sempre marcava.

-- Conte comigo -- sorriu ternamente. -- Mas afinal, quem é a mulher?

-- Andrea Rojas.

A taça de Carina foi ao chão, tamanho o choque.


* * *


Assim que Lena abriu a porta, tomou uma espécie de susto. Ao invés do “olá” corriqueiro, Kara a abraçou subitamente.

-- Mas... -- dando-se por vencida, correspondeu ao abraço.

-- Como você está? -- perguntou Kara, com o semblante preocupado.

Lena caprichou na expressão de quem não estava entendendo nada.

-- Como sempre? -- sugeriu ela mesma.

-- Ah, Lena... -- Kara a arrastou pela mão para o interior do apartamento da advogada. -- Sem essa de bancar a durona, ouviu?

Lena acabou rindo.

-- Tudo bem, eu sei que foi o seu primeiro julgamento e que as emoções foram diversas e intensas, mas acredite, apesar do meu envolvimento nesse caso ser bem mais pessoal do que deveria, no fundo tudo não passa de mais um processo vencido.

Kara rolou os olhos.

-- Não estou falando do julgamento. E nem da Helena...

Lena a encarou com surpresa.

-- Então?

Kara começou a responder e a gesticular, enquanto andava pela sala.

-- A história é mais ou menos assim: a And ligou para o Winn, que ligou pra mim, que tentei ligar pra você, mas você não me atendeu... Aí eu liguei pra And, depois liguei pro Mike e descobri que o Winn já tinha ligado pra ele. Então liguei pra Carina, que também tentou ligar pra você, e também não conseguiu, depois ligou pra mim, que liguei pro Mike, que ligou pro Winn...

-- Tá, tá! Já fiquei tonta...

-- Que diabos foi isso que aconteceu?

-- Se toda essa gente te ligou e você ligou para eles, creio que a pergunta seja retórica.

-- Então pare de me enrolar e me diga como você está -- exigiu.

Lena chegou a abrir a boca para dizer que aquilo não era da conta de Kara, mas desistiu. O olhar da garota era tão sinceramente preocupado que conseguia atravessar suas defesas.

Suspirou longamente.

-- Tentando me conformar -- respondeu.

-- Pois não deveria!

-- E quer que eu faça o quê?

-- Olha, eu não sei bem... Mas, nossa, se eu tivesse alguma condição de ir para o Canadá, pobre And...! Que mulher burra, pelo amor de Deus!

-- Burra?

-- E depois a loira sou eu! -- reclamou Kara.

Lena balançou a cabeça, espantando um pouco da tensão.

-- Dói muito admitir isso, mas ela fez a coisa certa -- disse a advogada.

-- Por que diz isso?

-- Eu sempre empatei ela, Ka. Ela não tem culpa que eu só caí na real depois que ela finalmente conseguiu achar um rumo para a própria vida.

-- Mas é você, Lena! -- teimou Kara. -- Quem em sã consciência deixa VOCÊ pra trás?

Se não estivesse fazendo um esforço tão grande para não demonstrar emoções, Lena teria sorrido.

-- Eu não acredito... Não consigo acreditar que você esteja aí, parada, conformada, achando tudo lindo.

-- Não estou achando nada “lindo”, Kara. Mas de que adianta me desesperar? Eu sempre soube que a possibilidade existia. Cada dia que eu atrasei essa decisão, estava me arrastando para o desfecho previsível. Ninguém espera pra sempre, se não tiver um motivo.

-- Amar você deveria ser o motivo dela.

Lena não encontrou resposta para aquilo.

-- E você sabe que estou certa, porque se acreditasse mesmo que a And vai ser mais feliz sem você, não teria ido ao aeroporto -- insistiu Kara.

Outra vez, não soube o que responder.

-- Então agora me explique o que você veio fazer na minha casa.

Pela primeira vez desde que entrara, Kara sorriu.

-- Ajudar com as malas!

-- Malas?

-- Sim! -- sorriu mais.

-- Que maravilha... -- disse, num falso tom animado. -- Quer dizer que eu terei viagem de férias grátis? Não lembro de ter me inscrito em qualquer promoção.

-- Férias pode até ser. Grátis até seria, se eu tivesse dinheiro para bancar pra você... -- interrompeu o raciocínio por um segundo. -- Se bem que você tem mais dinheiro do que eu, não sei se eu bancaria não...

Lena se perdeu de novo no falatório da garota.

-- Hein?

-- Ah, isso não importa -- fez um gesto corriqueiro.

-- Kara... -- suspirou. -- Você deveria vir de fábrica com a tecla SAP.

-- Nada! -- voltou a andar, dessa vez rumo ao quarto. -- Então vamos pensar, você vai precisar de muita roupa de inverno...

Lena a seguiu, mesmo sem saber direito o motivo.

-- ...se bem que poderá fazer compras lá, também. Já sabe quanto tempo vai ficar?

-- Kara, eu não sei nem pra onde estou indo!

-- Canadá, criatura! -- colocou as mãos na cintura.

A advogada parou de andar, e logo em seguida, ao notá-lo, a outra finalmente fez o mesmo.

-- Kara... -- chamou ternamente.

-- Hum?

-- Por que está fazendo isso?

Ao mesmo tempo que queria escolher bem as palavras, Kara sabia que Lena poderia lê-las facilmente enquanto encarava os seus olhos. Aquela estranha ligação entre elas tinha ficado ainda mais forte, ultimamente.

-- E quanto ao que você sente por ela? -- insistiu Lena.

Kara encarou o chão, mordendo os lábios. Seus olhos ficaram escuros quase instantaneamente.

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