Reencontro

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Andrea socou a própria mesa, furiosa. Cinco anos se matando de estudar na faculdade e tudo o que lhe pediam na empresa era para preparar café e conferir a correspondência dos executivos. Pensando friamente ela até ganhava bem demais para fazer aquilo, mas isso não significava que estivesse satisfeita. Longe disso. Sem pensar, apanhou sua bolsa, desligou o computador e deixou o escritório, sem avisar o destino ou mencionar se voltaria depois do almoço.
       
Transtornada, ainda mais por causa do enorme fluxo de pessoas nas calçadas, Andrea olhou para o céu e começou a gritar. Ninguém prestou atenção nela. Esperou o sinal fechar, atravessou diante de uma porção de motoristas ansiosos e desceu a rua, apressada.
       
-- Que loucura é essa, And?
       
Winn e Mike haviam recebido um telefonema muito estranho da amiga, e combinado um almoço a três para que pudessem conversar. Ela ainda tomava fôlego quando se sentou no balcão de uma pizzaria.
       
-- Não sei mais o que fazer -- tentou sorrir. -- Que bom que estavam por perto. De qualquer modo, eu teria atravessado a cidade para encontrar vocês.
       
-- Espera -- disse Mike. -- Pede alguma coisa, uma água, sei lá, se acalma.
       
-- Não quero me acalmar. Eu já fiquei calma demais. Tudo o que eu faço sempre é ficar calma e achar que vai passar. Chega disso.
       
O casal trocou um olhar preocupado e deu as mãos, por baixo do balcão.
       
-- E a Ka? -- perguntou Mike, com cuidado.
       
-- Ahh! Sei lá da Kara!
       
-- And, ela mora com você, como assim “sei lá dela”?
       
-- A Kara agora só sabe falar da Martelli, do grande caso Simmons e de sair depois do expediente pra beber com o pessoal da firma.
       
-- Você não está na TPM, está? -- quis saber Winn.
       
-- Devo estar -- admitiu. -- Um pouco pode ser isso, mas... Ah, eu tô cansada, Winn. Exausta.
       
-- De quê?
       
-- De tudo -- disse, chorosa.
       
-- E o estágio?
       
-- Acabei de largar. Não piso mais lá.
       
-- Não haja de cabeça quente, Andrea.
       
-- Ninguém me dá valor lá dentro, Mike.
       
-- Reconhecimento vem com o tempo. Faz um ano que você entrou, tenha calma.
       
-- Ah, sei lá -- ela sorveu um gole de refrigerante. -- Acho que meti a minha vida em um buraco sem fundo.
       
-- Calma, a gente está aqui para te ajudar -- sorriu Winn, compreensivo. -- Que está pensando em fazer?
       
-- Sinceramente? Largar a Kara, largar o escritório e me matar. Não necessariamente nessa ordem.
       
-- Não fala isso nem de brincadeira. Vocês estavam tão bem, o que está acontecendo? Fale com ela, reclame dos horários, se é isso que te incomoda.
       
-- Não é só isso que me incomoda -- disse séria.
       
-- Os pais dela? O fato de ela ainda estar morando com você? É isso?
       
-- Não! Não é ela, sou eu. Já disse, o problema todo sou eu. Só que eu não posso fazer nada, não é mesmo? Se eu largar a Kara, o que vai ser da vida dela?
       
-- Andrea, antes terminar com ela do que manter o namoro por pena.
       
-- Não é pena, é... Eu me preocupo. Eu gosto dela.
       
-- O suficiente? -- perguntou Mike.
       
Andrea não soube responder.
       
-- Estou me sentindo uma idiota. Tinha pensando em uma coisa, sabem? Viajar. Isso me afastaria do emprego e da Kara, por tempo suficiente para eu pensar, sem que eu precisasse me demitir e sem que eu precisasse romper o namoro.
       
-- Isso é uma tentativa de resolver os problemas ou de fugir deles?
       
-- Ainda estou pensando quanto a isso.
       
-- Já conversou com a Lena?
       
-- Sobre o quê?
       
-- Sobre isso, oras -- Winn estranhou o comportamento dela. -- Ela é sua melhor amiga, não é?
       
-- É...
       
-- Ela comentou -- disse Mike -- semana passada, que vocês não se viram mais desde a festa.
       
-- Ela disse mais alguma coisa?
       
-- Não. Por quê? Existe algo a ser dito?
       
Andrea consultou sua consciência.
       
-- Eu beijei a Lena no aniversário dela.
       
Mike e Winn se encararam pasmados.
       
-- Que horas?
       
-- Sei lá, estava todo mundo ocupado.
       
-- E ela?
       
-- Não sei. Não nos vimos mais, eu tenho evitado.
       
-- Na hora, eu quero dizer -- salientou Winn.
       
-- Correspondeu.
       
Winn sorriu.
       
-- Sabia.
       
-- O quê?
       
-- Ela anda estranha. Sabia que o motivo era você, mas é lógico que ela não falou nada.
       
-- A Kara disse que ela está às voltas com o caso novo. Que quinze jornais e revistas ligam para ela por dia, que tem sempre um repórter seguindo as duas e que o doutor Martelli marca em cima para saber de cada detalhe.
       
-- Repetem o nome dela todos os dias, até no noticiário -- comentou Mike, divertido.
       
-- Mas então... -- retomou Winn. -- Ela correspondeu. E você?
       
-- Dei um jeito de sumir.
       
-- Por que você fez isso?
       
-- O que mais eu poderia fazer? Eu a beijei para esquecer, de uma vez por todas, que ela existe.
       
-- Deve ter funcionado que é uma beleza -- Mike foi irônico.
       
-- Eu tinha de fazer isso. Eu sei que a Lena nunca vai ficar com ninguém, muito menos comigo, então quis por um ponto final em tudo.
       
-- Mas quer terminar com a Kara.
       
-- Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Não diretamente. São ambas consequências de uma mesma causa.
       
-- Que você não sabe qual é.
       
-- Isso aí.
       
-- Se você sair do estágio, And, vai fazer o quê?
       
-- Pensar só no mestrado, por enquanto.
       
-- Aqui ou no Canadá? -- perguntou Winn.
       
-- Ainda vou pensar. Ah, é tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo!

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