Capítulo 02: Anschluss

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Áustria, Terra

1938

Ezra fechou a sua loja com um sorriso no rosto. Aquele começo de março estava surpreendentemente bom para os negócios, ainda mais considerando que ele vendia antiguidades. Desde que vendera uma velha cadeira do século anterior que havia pertencido ao Imperador da Áustria para um colecionador inglês, ele recebera visitantes de vários lugares da Europa para comprar os mais diversos itens que datavam de séculos antes.

Trancou a porta, sorrindo, colocou a chave no bolso de seu terno e passou a caminhar rua de paralelepípedo. Ao olhar para a fachada de sua loja, ele não deixou de sentir orgulho. Ezra Antiques, as letras diziam, mas logo abaixo, as mesmas palavras no alfabeto hebreu, seu idioma materno. Ele construíra aquela loja do zero depois de anos e anos juntando dinheiro trabalhando nas mais diversas lojas naquela cidade e na capital, Viena.

Viu outros lojistas fechando suas portas, deu boa-noite para diversos deles, muitos dos quais haviam se tornado seus amigos – tomavam cerveja, ouviam esportes no rádio e, resumindo, passavam um bom tempo juntos. Mas não naquele dia. Aquele dia era uma data especial.

Sua filha mais nova, Ester, estava completando seu terceiro ano de idade. Por isso, ele parou em uma pequenina loja de brinquedos que havia no final da rua de sua própria loja. Felizmente, o dono ainda não tinha fechado. Entrou ouvindo o sininho tocando, indicando que um cliente havia chegado – o próprio Ezra tinha um em sua loja.

As prateleiras estavam cheias de brinquedos, desde carrinhos feitos de madeira – muito bem detalhados e trabalhados, por sinal – até tabuleiros de xadrez. O que Ezra procurava, porém, era uma boneca de pano sem botões ou qualquer coisa que sua filha poderia engolir e sufocar. Encontrou a boneca perfeita, com cabelos loiros e olhos azuis de crochê. Pagou e deixou a loja.

O cheiro de pão caseiro foi o primeiro sinal de que estava chegando em casa. Sua esposa costumava assá-los todas as semanas, mas naquele dia, ela estava fazendo de uma maneira especial – com geleias feitas das mais diversas frutas.

Foi recebido com abraços de seus dois filhos mais velhos, Eber e Elazar, gêmeos de seis anos. Eles fizeram centenas de perguntas em menos de um segundo, as quais o pai respondeu da melhor maneira que pôde com um sorrido, dizendo para eles irem se lavar para o jantar.

Mazal não parou de secar um prato para receber o beijo de Ezra. Ele tentou pegar um pedaço do pão que estava em cima do fogão, mas ela não deixou.

– Vendeu bastante hoje, meu bem? – Mazal disse, sorrindo, enquanto entregava para ele um prato de vidro vazio, para que ele se servisse.

Ezra sempre ria toda vez que ela fazia isso, pois o lembrava da primeira vez que conversaram: "meu marido vai servir o próprio prato se quiser comer." Foi uma das primeiras frases a sair de sua boca, com uma raiva que ele não sabia explicar de onde vinha. No entanto, ele tinha certeza que ela seria sua esposa para o resto de sua vida.

Antes que ele pudesse servir-se, Ester surgiu na porta da cozinha, usando um vestidinho azul diferente dos que Ezra tinha visto antes – era novo, feito pelas mãos idosas da mãe de Mazal. Ezra pegou sua filha no colo e imediatamente tentou morder sua barriga, tirando as risadas mais gostosas da menina. Seus cachinhos castanhos balançando enquanto ele lutava para se livrar.

– Eu trouxe um presente para você. – Ele disse, levantando-se com ela nos braços.

zende! – Ester praticamente gritou, abrindo ambos os bracinhos gordinhos de excitação.

Eles foram até a sala, onde os gêmeos brincavam com carrinhos de madeira. Ezra tirou de sua sacola a boneca de pano e a entregou para a menina, que suspirou de surpresa. Ester imediatamente agarrou a boneca, apertando-a forte contra seu peito, enquanto o pai voltava para cozinha. Deixou a menina delicadamente no chão.

Afterlife: AscensãoOnde histórias criam vida. Descubra agora