Capítulo 06: Luz

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Chamei minha espada e adaga para minhas mãos, invertendo a adaga para defender-me. Encarei cada um daqueles pares de olhos com toda a determinação. Eu sabia que minhas chances de derrotar uma quantidade tão grande de Filhos era nula, mas a vida de Lael e Týr estavam em minhas mãos naquele momento. Todavia, combate não seria necessário.

Um dos pares de olhos deu alguns passos a frente, revelando-se à luz que ilumina o Paraíso. Ela era muito bela, com traços delicados e lábios grossos e vermelhos como maçãs suculentas. Nas vezes que a vi antes, ela trajava uma roupa elegante, seja em vestido ou em calça, mas naquela floresta perdida em qualquer lugar do Paraíso, ela decaíra para um simples par de calças de sarja e uma camiseta regata – parecia até que tinha saído de Indiana Jones.

Seu olhar, apesar da cor ameaçador, parecia derrotado. Seu semblante estava cansado, como que o peso do mundo e da guerra estivessem sobre seus ombros. Abigail – ele precisou conter-se para não rir do nome – estava muito longe da gloriosa mulher e Senhora de Guerra que fora um dia. Aparentemente, servir Kifo, como Týr havia contado que ela fizera, tinha um caro pedágio.

– Olá, Leo. – Ela disse; sua voz ainda era doce como da primeira vez que a ouvi, o que aconteceu depois de ouvir aquela voz pela primeira vez, porém, foi terrível. – Já faz muito tempo.

– Eu deveria te matar agora mesmo. Pelo que fez comigo e com Týr. – Retruquei, ainda decidindo se deveria ou não simplesmente atacar.

– Você e seu anjo estão cercados. Tenho dezenas de Filhos prontos para queimar os dois com lava. – Apesar das palavras, ela não parecia estar me ameaçando, pelo contrário, ela estava na defensiva. – Eu irei te escoltar imediatamente para fora de minha ilha antes que Kifo venha em seu encalço.

– Onde estamos exatamente?

– Creta. – Ela informou.

Não fiquei surpreso que nós atravessamos o Mar Mediterrâneo, apesar de tal fato ter sido um completo acidente por parte de Lael – sem uma de suas asas, ele provavelmente só nos levou para terra seca mais próxima. Em nenhum momento eu abaixei minha espada.

– Eu preciso ajudá-lo. – Falei em bom som apontando para Lael; nenhum deles pareceu se importar. – Preciso de um hospital ou um lugar limpo o bastante para cuidar de suas feridas.

– Eu não irei ajudá-lo. Ele é um inimigo e se Kifo souber, e ele saberá, que nós ajudamos a um inimigo, ele virá pessoalmente terminar o serviço que começou. – Abigail levantou o cabelo cumprido que caía na lateral de seu rosto, revelando uma queimadura profunda. – Depois que falhamos em conquistar Nova Jerusalém e ele escapou da prisão em que os anjos o colocaram, ele nos baniu para Creta depois de me torturar por três dias. Eu não sei como, mas ele conseguiu deixar marcas em mim que jamais saíram.

– Posso dizer o mesmo em relação a você e a nós. – Retruquei, deixando transparecer a ira em minha voz. Abigail ficou pensativa em um momento, como se todos os dias que compartilhamos em Paris voltassem à tona.

– Unosh! – Ela gritou, virando a cabeça de lado, como se tentasse olhar para seus homens. Segundos depois, um homem careca e sem camiseta apareceu do lado dela do nada; era um Pnamryak, um Ryak capaz de teleportar-se de um lugar a outro. – Leve-os para o Heraklion. Não é nosso melhor lugar, mas está fora do que Kifo me deu como território. Se perguntarem, o anjo te levou até lá sozinho.

Não confiei muito no que estava prestes a acontecer, mas deixei que Unosh tocasse meu ombro contanto que a ponta de minha espada estivesse grudada em seu pescoço. Ele abaixou desengonçadamente para tocar em Lael; no segundo seguinte, desaparecemos.

Diferente do vórtex dos anjos, a viagem de Pnamryak não irritou meu estômago, que já era uma grande vitória. Unosh nos deixou em seguida. Olhei a minha volta, descobrindo o hospital vazio de qualquer alma – no Paraíso, aqueles lugares costumavam servir para cuidar de almas natimortas.

Afterlife: AscensãoOnde histórias criam vida. Descubra agora