Saudades

28 2 0
                                    

ROMANCES MENSAIS

LIVRO VIII – LOUCURAS DE AGOSTO

📅

CAPÍTULO XXVII - SAUDADES

Durante toda a minha vida, eu nunca estive sozinha. Mesmo na barriga da minha mãe, ainda que não tenha sobrevivido ao parto, Melanie foi a minha companhia. E quando nasci, Beth se tornou a pessoa mais importante da minha vida. Ainda que tivéssemos a diferença de cinco anos de idade, Beth nunca me deixou sozinha. Mesmo quando estávamos brigadas, não saíamos de perto uma da outra, porque simplesmente não fazia sentido algum ficarmos afastadas.

Beth era como a minha alma gêmea e meu polo oposto. A nossa maneira, estávamos sempre competindo e nos divertindo com as conversas mais idiotas e infantis. Desde sempre, ela era a minha melhor amiga e uma das pessoas que eu mais admiro no mundo. Beth é divertida, doce, inteligente, amorosa, extrovertida, linda e determinada. É tudo o que eu gostaria de ser e que nunca serei capaz.

E é exatamente por isso que ficar longe durante todo esse tempo foi como uma tortura para mim. Mesmo quando eu precisava viajar à trabalho, nós conversávamos o tempo todo e as chamadas de vídeo durante a noite eram sempre obrigatórias. Eu não conseguiria dormir sem ouvir as canções em sua voz doce para me acalmar por estar longe de casa.

Esse tempo afastada me fez perceber que eu era muito mais dependente de minha irmã mais velha do que eu imaginava. Ser levada para a França e ficar tanto tempo sem poder nos comunicarmos fez eu sentir pela primeira vez o que é a solidão. Ter perdido meu pai foi uma dor dilacerante, mas tudo se tornou ainda pior por não ter a única pessoa no mundo que podia ler a minha mente com apenas um olhar ou identificar qual o problema comigo apenas pelo meu tom de voz.

Então, vê-la diante de mim, depois de ter desejado tanto esse momento foi como um sonho. Sem qualquer controle, tudo o que consegui fazer foi permitir que as lágrimas descessem com ainda mais intensidade pelo meu rosto e correr para seus braços, que me amparam com igual urgência, deixando seu guarda-chuva e o buquê de flores que trazia consigo irem ao chão. O calor daquele abraço apertado e o perfume levemente adocicado de jasmim invadem o meu olfato, trazendo aquele conforto que somente minha irmã mais velha conseguia me dar.

A chuva continuava a cair com intensidade, mas nenhuma de nós se importava com isso. Matar a saudade que havia nos sufocado durante todo aquele tempo em que estivemos distantes era muito mais relevante naquele momento. E em meio ao choro e abraços apertados, sinto que já não nos molhávamos mais. Aos nos separarmos, sorrio ao ver que Freddie segurava o guarda-chuva de Beth sobre nós e as flores que ela havia deixado cair.

- Obrigada. – Sussurra Beth, tentando se recompor. Ela respira fundo algumas vezes e me encara como se não acreditasse que eu estava mesmo diante dela. – Por onde você estava? Desde quando você voltou? Você tem se alimentado e dormido bem? E o que são esse cabelo escuro, lentes e óculos? O que aconteceu?

- Uma pergunta de cada vez, Beth. Eu estou bem e vou te contar tudo. – Respondo, rindo levemente. Enxugo as lágrimas e encaro Freddie por alguns instantes antes de voltar minha atenção a Beth. – Eu nem sei por onde começar. Tanta coisa aconteceu que é difícil explicar. E de certa forma, é uma longa e complicada história.

- Eu estou com tempo. – Afirma Beth, cruzando os braços.

- Por que não vamos para um lugar mais confortável? Essa chuva está piorando. Pode ser perigoso ficarmos expostos aqui. – Alerta Daryl, chamando nossa atenção.

- Ele tem razão. É melhor nós irmos para a capela que tem aqui dentro. Além de nos proteger da chuva, também é mais seguro para mantermos nossas identidades escondidas. – Responde Freddie, apontando para uma pequena capela que ficava em uma área mais afastada do cemitério.

Loucuras de AgostoOnde histórias criam vida. Descubra agora