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Certo tempo atrás, li que a paixão é um jogo de espelhos onde se projeta o que é idealizado em si mesmo em outra pessoa. Se apaixonar, no entanto, é uma forma de se ver melhor por meio de outro indivíduo. Por consequência, é um estado um pouco soberbo, narcisista e irreal.

Aquele que se apaixona com facilidade pode ser analisado como alguém que não tem capacidade de avaliar suas ações com racionalidade. Alguém que consegue declarar amor e fazer promessas para uma vida inteira para uma pessoa diferente a cada mês ou semana, deveria ser colocada em quarentena emocional.

No mínimo, existe algo perturbador ali.

— Pelo que entendi, as crianças da sua escola não te recepcionaram muito bem - iniciou meu terapeuta, ao fim da sessão. — Na infância você não tinha amigas e na adolescência foi compensada pela atenção de garotos.

— Mas minha mãe...

— Sua mãe apenas reforçou a ideia de que você deveria se agarrar a isso como uma oportunidade de finalmente ser aceita pelos seus colegas americanos - suspirou Eric, fechando seu caderno de anotações. — Ela te ensinou a se relacionar de uma maneira muito errada, Shiori.

— É, eu... acho que já sabia - admiti.

— Mas também espero que saiba que não existe nada de errado em se apaixonar por alguém, contanto que seja da maneira certa.

Eu preciso confessar que, provavelmente minha narrativa não tenha sido tão confiável. Posso ter me favorecido na história em certos pontos ou simplesmente me esquecido de narrar alguns acontecimentos apenas porque estava mais preocupada em chegar logo até aqui, ao fim – ou ao início, partindo de outro ponto de vista.

E aqui estou eu, de onde começamos, com os dedos dos pés afundados na areia fria da praia vazia de Santa Monica, sem saber ao certo o que fazer a seguir.

Apoio o queixo nos joelhos cobertos por jeans, observando Duke correr em círculos atrás de seu próprio rabo, com um pequeno sorriso no rosto, mas lágrimas nos olhos.

Não posso dizer que não sofri, seria uma mentira sem tamanho. Chorei tanto que devo ter soluçado duas ou três vezes enquanto corria rua abaixo, o mais rápido que minhas pernas permitiam, procurando por um táxi e repetindo para mim mesma que eu ao menos tentei.

Encolhida no banco detrás do motorista, com Duke amuado em meu colo, aceitei que fiz o que pude e que minha vida continua, pois sou uma mulher forte e independente, que tem seus defeitos, mas mesmo assim, uma mulher corajosa, que se arrisca.

E que para aprender a viver, foi preciso cometer alguns erros – ou vinte e um –, até as coisas darem certo.

— Eu vou ficar bem - murmurei para Duke, firme.

Mas desde que voltei ao hotel, dois dias atrás, tudo que consegui fazer foi me arrastar pelos cantos e chorar em silêncio, fazendo com que minhas lágrimas se misturassem a água quente e espumada que envolvia meu corpo.

Como o destino pode ser tão irônico!? Esfregando na minha cara que o tempo que perdi tentando reviver meus relacionamentos fracassados, serviram para que, no fim, fosse o amor da minha vida, quem fizesse as pazes com o seu passado.

E como eu pude? Onde estava meus olhos que não enxergara-o a tempo?

Me esforço para sentir raiva de Abbey, afinal, é a segunda vez que alguém importante para mim escapole entre meus dedos e corre em direção a companhia dela. Mas não consigo. Não há espaço para outro sentimento nesse instante, em meu vazio só cabe frustração e dor, como se meu peito estivesse em chamas e meus pulmões fossem esmagados, dificultando a minha respiração.

◞ hᥲᥕhᥱ  !Onde histórias criam vida. Descubra agora