Depois de ler o panfleto da escola de culinária de Nils, eu liguei para agendar uma aula para àquela noite.
Como ainda faltava algum tempo, decidi dar um passeio pelo Warehouse District para ver onde ele morava. Duke e eu demoramos um pouco mais para alcançar o destino do que se eu estivesse andando sozinha, mas os petiscos pareciam estar funcionando para ele, que ainda estava aprendendo a caminhar de coleira.
Embora eu não tenha levado o boné e os óculos escuros que compunham o meu disfarce, não achei que teria problemas, pois estávamos no meio de um dia de semana. Era muito improvável que ele estivesse em casa.
Depois de localizar o prédio certo, dei uma olhada no saguão elegante e fiquei impressionada com o que vi. A fachada era de um mármore reluzente e havia um porteiro sentado atrás de uma imensa escrivaninha de mogno, superchique. Depois de bisbilhotar mais um pouco por ali, percebi que não havia muito o que ver.
Assim que atravessamos a rua, Duke se agachou para satisfazer suas necessidades, e enquanto esperava por ele, voltei a olhar para o prédio e percebi que de lá conseguiria enxergar o interior dos apartamentos.
Embora eu soubesse que não deveria fazer isso, me lembrei de que meu binóculo estava na bolsa, e não resisti a dar uma olhadinha.
Para um dia de semana, havia bastante gente andando pelas ruas, e como não queria que ninguém pensasse que era uma pervertida ou que estava perseguindo alguém, eu fingi olhar para os pássaros que estavam empoleirados no topo do prédio.
Depois, desviei meu olhar para o nível das janelas quando percebi que a barra estava limpa. Hmmmm... teto, parede, lustre, e... bem, isso era tudo. Quando eu soltei o binóculo e deixei-o pendurado ao redor do meu pescoço, Duke aparentava já ter terminado.
Dei uma última olhada para o prédio e fiquei horrorizada com a cena: o próprio Nils Allen estava em frente à entrada, olhando na minha direção. Por uma fração de segundos, nossos olhares se cruzaram e meu estômago se revirou. Rezando para que ele não me reconhecesse, eu rapidamente desviei o olhar.
Não conseguia acreditar. Fui pega. Tinha de sair dali.
Tentei correr pela rua na direção oposta ao prédio, mas senti que a coleira de Duke estava presa em alguma coisa. Quando dei uma olhada para ver qual era o problema, notei que ele estava todo esticado na calçada, se recusando a se mover. Cachorro mau!
Enquanto eu me agachava para pegá-lo nos braços, Nils atravessava a rua e vinha em minha direção.
Merda! Merda! Merda!
Eu não acreditava, não acreditava que ele está vindo atrás de mim. Com Duke nos braços, corri o mais rápido que pude pela calçada, me sentindo como uma criminosa. As pessoas por quem eu passava olhavam para mim, e eu tinha certeza de que achavam que eu estava louca. Depois de correr por uma distância que imaginei ser relativamente grande, eu me virei para olhar, e meu coração quase errou as batidas. Ele não somente continuava a me perseguir, mas estava mais perto do que antes.
Merda! Eu me virei novamente e acelerei o passo.
— Shiori! Pare de correr! - pude ouvi-lo gritar.
Com Duke balançando para cima e para baixo em meus braços, me esforcei ao máximo para despistá-lo e virei à esquerda na primeira esquina que encontrei, entrando em uma lanchonete qualquer, seguindo até o banheiro.
Não acreditava que isso estava acontecendo. Com certeza ele iria chamar a polícia e me denunciar.
Poucos segundos depois eu ouvi alguém batendo na minha porta. Duke começou a latir.
— Shiori, sei que você está aí! - outra batida - Abra a porta!
— Ei, senhor, o que está acontecendo? - alguém perguntou do lado de fora, mas não consegui ouvir a sequência.
Antes que Duke voltasse a latir, ouvi um 'click' e a porta se abriu. Acho que esqueci de trancá-la.
— Shiori, por que você está me seguindo? - perguntou Nils. Sem saber o que dizer, peguei um pedaço de papel qualquer caído próximo ao cesto de lixo e o estendi.
— Aqui está! - exclamei, fingindo que estava procurando pelo que quer que fosse. — É o recibo da compra que fiz na... loja de iscas, hm... 500 gramas de minhocas!
Caralho!
— Shiori Brosnan! - ele chamou outra vez, e olhei para cima, apreensiva.
Seu cabelo estava bem comprido, preso em um amontado escuro no topo da cabeça. Ele estava ainda mais bonito do que na época em que o namorei, com a mandíbula travada e o suor escorrendo por sua pele marrom, que destacavam seus músculos na camisa branca.
— Quem é... digo, Nils, é você!? - fingi estar surpresa.
— Sim, sou eu... e você sabe disso - sua voz era calma, mas ele estava sério. – Por que está fugindo de mim?
— Fugindo? Não, não, eu estava correndo porque precisava vir ao banheiro antes de um compromisso.
— Por favor, não minta - ele suspirou. — Você estava me espionando, eu a peguei no ato e você tentou fugir.
— Espionar você? - eu fingi estar ofendidíssima. - Eu jamais faria algo assim! Nunca!
— Sabe, achei que fosse coincidência quando vi o seu nome na lista de alunos da aula dessa noite, mas... Shiori, eu insisto que você converse comigo, saia desse banheiro.
— Não posso conversar agora - insisti, balançando a cabeça. — Eu 'tô indo... pescar.
Nils olhou para mim. Um olhar sério, um olhar intenso, um olhar que era totalmente... sexy. Ele era muito bonito, por que é que isso tinha que acontecer justo com ele?
— Tsc, tudo bem, acho que podemos conversar por alguns minutos - depois de pegar Duke e sair do banheiro, eu disse a ele que realmente me registrei para fazer a aula sobre massas folhadas, mas que não fazia ideia de que ele era o professor.
— Você não está me seguindo? - perguntou ele, e apontou para o meu peito. — Então por que é que você estava com esse binóculo olhando para o meu prédio?
— Eeh... - tentei pensar em uma desculpa. — Eu 'tô procurando por possíveis locais pra instalação de uma nova filial da Paltrow Design, e achei que ter o Warehouse District como vizinho seria perfeito, e...
— Keiko disse que você foi demitida.
Minha irmã falou com ele! Aquela maldita, linguaruda!
— Bem, havia pássaros e...
— Shiori, pare de mentir - pediu ele, colocando a mão no meu ombro. — Você só está piorando as coisas.
— Você 'tá certo, me desculpe... - me rendi. — Preciso confessar, fui até a sua casa pra ver onde você morava e eu me inscrevi na aula de culinária sabendo que você seria o professor. Me desculpe mesmo, só queria ver você outra vez, e não sabia se você queria me ver.
— Olha, fico lisonjeado por você vir tão longe apenas para me ver, mas você tem razão, não quero ver você - eu senti meu coração doer, e voltei a olhar para ele.
— Mas tudo aconteceu a tanto tempo. Por que você não consegue deixar aquilo pra trás? Por que não podemos fingir que acabamos de nos conhecer?
— Porque não acabamos de nos conhecer e não consigo deixar tudo pra trás. Eu te pedi em casamento, Shiori! - ele suspirou. — Eu me ajoelhei pra você e recebi um não em troca, na frente de todo mundo. Eu posso lidar com isso, de verdade, mas não posso admitir que você venha até aqui agir como se nada tivesse acontecido.
— Eu entendo, me desculpe - eu declarei em voz baixa, admitindo a derrota.
Depois de dizer adeus, Nils foi embora.
Quando ele virou a esquina e desapareceu, comecei a me amaldiçoar. Raramente pensava nas coisas que dizia e fazia, raramente pensava além do momento presente e em como minhas ações afetam outras pessoas.
E pela primeira vez, comecei a considerar que o fracasso de minhas relações amorosas não tinham nenhum outro culpado além de mim.
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Fanfictionㅤ 𖥻 ꒰ 𝗈𝗌 𝖽𝖾𝗓𝖾𝗇𝗈𝗏𝖾 𝖿𝗋𝖺𝖼𝖺𝗌𝗌𝗈𝗌 𝖺𝗆𝗈𝗋𝗈𝗌𝗈𝗌 𝖽𝖾 𝗌𝗁𝗂𝗈𝗋𝗂 𝖻𝗋𝗈𝗌𝗇𝖺𝗇, 𝗅𝖾𝗏𝖺𝗆 𝖺̀ 𝗍𝗈𝗆𝖺𝗋 𝗎𝗆𝖺 𝗂𝗇𝗎𝗌𝗂𝗍𝖺𝖽𝖺 𝖽𝖾𝖼𝗂𝗌𝖺̃𝗈: 𝗇𝖺 𝗍𝖾𝗇𝗍𝖺𝗍𝗂𝗏𝖺 𝖽𝖾 𝗇𝖺̃𝗈 𝖺𝗎𝗆𝖾𝗇𝗍𝖺𝗋 𝗌𝖾𝗎 𝗇𝗎́𝗆𝖾𝗋𝗈 𝖽�...