Capítulo VII

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Yan veio ao seu encontro. A camisa azul claro, bem passada e a gravata, em harmonia com a calça social escura lhe dava um ar de seriedade, muito diferente da sexta-feira. Parecia estar em frente de um outro homem, mais seguro de si.
O coração de Alana parou por alguns segundos, voltando a bater louco quando a mão tocou seus cabelos e ele aproximou a boca quente para depositar um beijo leve em seu rosto. O seu cheiro, o roçar da barba macia em sua pele e o calor dos lábios a desnortearam. O beijo foi rápido e casual, entretanto para Alana a sensação foi como se ele tivesse beijado o seu corpo todo, a julgar pela onda de calor que subiu chegando às suas bochechas. Segurou a bolsa com mais força do que deveria, num leve tremor.
Ele se afastou, colocando as mãos nos bolsos da calça, com um sorriso no canto da boca.
___ Quer beber alguma coisa? Um café, água...?
Para acalmar a perturbação que seu toque tinha causado, Alana pediu um copo d'água.
___ Por favor, sente-se, enquanto peço a Svetlana que providencie seu pedido. - disse apontando o conjunto de sofá do outro lado, onde uma parede de vidro, mostrava a vista magnífica da cidade.
Ansiosa, Alana o vendo se afastar, deixou seus olhos examinarem o escritório amplo e bem iluminado. Uma estante suspensa e envidraçada que ocupava uma das paredes, exibia muitas peças de pedras semi preciosas de diferentes tamanhos e texturas. Quartzo Rosa, Ametistas, Jades, Runis, Turmalinas... A coleção era simplesmente magnífica!
A mesa de Yan, em curva, de mármore preto com alguns veios dourados, as cadeiras modernas, os objetos de escritório do mais fino bom gosto, deixavam o ambiente agradável e requintado.
Ele voltou e sentou-se na poltrona a sua frente e de repente seus olhos se encontraram. Yan sustentou o olhar por um tempo, o que a fez ficar tonta. Mexeu a cabeça levemente para afastar a sensação que a dominava.
__ Pois bem, Alana, - suspirou.__ pedi que viesse até aqui porque preciso muito de sua ajuda.
__ Confesso que estou curiosa. Se é uma ajuda, estou estranhando o tom formal. Você não parece nem de longe o homem com o qual comi Hot Dog na sexta-feira.
Yan afrouxou um pouco o nó da gravata.
__É impressão sua. Que tal assim? - sorriu.__Talvez seja o ambiente. Aqui trato de negócios. E é sobre isso que quero conversar com você.
__ Não entendi. É ajuda ou negócios? Não imagino o que teria eu, para conversar com você, que envolva isso. - sorriu e mostrou o recinto com a mão.__ Aqui a julgar pela decoração da sala e pelo nome da corporação, é uma empresa de minérios...As pedras são lindas, mas sequer sei o nome para distinguir uma da outra.
Yan inclinou o corpo, escorando os braços sobre as coxas, cruzando as mãos.
__ Tem a ver com Eduarda... Não contei tudo sobre ela. - revelou.
__ Não? - levantou uma sobrancelha.
__ Disse que ela é esperta, inteligente...Contudo, Duda não ouve e não fala. Acho impossível que Fran já não tenha comentado isso com você.
Alana ajeitou melhor o cabelo atrás da orelha, admitindo com calma.
__ Eu já sabia que ela é deficiente auditiva!
__ Porque não me falou?
__ Esperei que partisse de você a iniciativa, porém como me contou várias coisas de sua vida, presumi que não aceitasse isso direito ainda. Sabe, os pais custam a entenderem que tem filhos deficientes. Se culpam ou sentem vergonha... - ela cruzou as pernas.__Entenda, não estou te julgando, apenas comentando o que aprendi com minha experiência trabalhando com crianças que possuem algum déficit. A deficiência auditiva é irreversível? Pergunto porque hoje existem vários tratamentos e aparelhos que melhoram em partes a deficiência e permitem a pessoa levar uma vida normal.
___ Infelizmente, a perda auditiva é profunda. Outro problema, que o dinheiro não resolve. - mexeu o lábio, com cinismo.__Duda não tem o nervo auditivo. Houve uma má formação quando...
Yan levantou-se subitamente dando-lhe as costas, respirando pesado.__ ...quando Elen tentou abortar. O medicamento que usou causou isso.
__ O que?! - ela saltou do sofá em choque, ficando ao seu lado.__Não consigo acreditar no que estou ouvindo! Porque Fran nunca me disse nada?Como Elen pode ter a coragem?!
__ Nem Fran, nem Igor sabem dessa história! Por enquanto, só eu, o pediatra de Duda e agora, você!
__ Meu Deus, Yan!! Imagino como deve ter sido difícil... - Alana pousou a mão em seu ombro, se solidarizando.__Acho que nada do que lhe disser adiantará muito... Só o que posso fazer é condenar essa atrocidade!!
Ele se virou e Alana o analisou por instantes. O maxilar trancado e a veia pulsando em sua têmpora esquerda, demonstravam que aquilo era muito dolorido. Contudo, com a voz, estranhamente segura para as emoções que estava sentindo, Yan continuou:
__ Como você sabe, Duda é uma criança que terá que vencer inúmeras dificuldades. A principal delas, é a comunicação. Você como professora entende que esse primeiros anos são importantes para que ela se desenvolva. Porém, além da língua, ela precisará ter, para poder frequentar um ambiente escolar, uma imunidade forte e isso, conforme falei com seu médico, irá demorar.
__ E o que quer de mim exatamente? - ela perguntou.
__Então, eu pensei, que talvez, você pudesse juntar o útil ao agradável. Você precisa de um emprego e Duda, necessita de alguém que a ajude a se desenvolver e a se comunicar melhor. Sei que fala fluentemente LIBRAS e LSA.* Tem noção do quanto isso fará diferença na vida de Eduarda?
Alana cruzou os braços, tentando agir com naturalidade diante do que ele lhe pedia. Seu coração saltava no peito com a possibilidade de cumprir o que tinha dito ao filho, antes de morrer.
" Prometo a você que ouvirei seu coração bater, sempre que tiver saudades suas..."
__ Alana? - Yan a tirou de seus pensamentos, estranhando seu silêncio.
__ Estou tentando lembrar se contei a você no que exatamente me especializei... Andou me investigando? - juntou as sobrancelhas.
__ Não me leve a mal. Esqueceu sua pasta com seus currículos no meu carro. Tomei a liberdade de olhar. Espero que me perdoei por isso. - informou saindo em direção a sua mesa, pegando a pasta embaixo de uma papelada.
Alana o seguiu.
__ Claro, nem me dei conta. Os remédios que tomo, me deixam meio lerda! - pegou o objeto que ele lhe alcançava.__ E o que achou da minha trajetória como professora? Porque eu? Tem gente muito mais capacitada! Fonoaudiólogas, doutoras no assunto!
__ Primeiro porque uma Fono, não teria tanta experiência em pré-escola. Será bem difícil conseguir uma à altura do seu currículo, e segundo, porque quero ser generoso com você, assim como foi com Eduarda. Tenho uma dívida. Nenhum dinheiro no mundo, pagará o que fez por ela.
A conversa foi interrompida por alguns instantes, quando a assistente entrou trazendo duas garrafas de água e copos, numa bandeja, que depositou em cima da mesa. Assim que Svetlana se retirou, Yan continuou, servindo o liquido transparente e gelado para ela.
__ Obrigada! - sorriu e bebeu um gole.
__ Quero que pense na minha proposta. Seja a professora particular de Duda, ensine-a a se comunicar e a se inserir no mundo e lhe pagarei um salário excelente. - ele agora, agia, como um homem de negócios.__ Veja bem, estive me informando, depois que li seu currículo...Tive ótimas referências. Sei que é maravilhosa no que faz e fiquei pasmo com a ninharia que ganhava!
__Mas você disse aquele dia, na pensão, que irá voltar para a Romênia com Duda. - e Alana arrazoou. __Não seria bom, eu criar um vínculo com Eduarda para depois, deixá-la. Crianças com deficiências se apegam demais a quem lhes dá atenção... e eu, tenho certeza, darei a ela muito mais que atenção. Darei, carinho... É minha sobrinha! Nessa situação Duda sentiria a dor da perda duas vezes. Já basta a que sentiu da mãe. Na cabecinha dela, se sentirá abandonada mais uma vez!
Ele apontou a cadeira de couro em frente à mesa, oferecendo para que se sentasse. Alana o fez com o corpo ereto e Yan se escorou no mármore frio, cruzando os braços. Aquela visão, a hipnotizava e uma luzinha de alerta acendeu em sua mente: 'Ele é maravilhoso, mas é seu ex-cunhado, Alana! Controle-se!"
Ele replicou a argumentação dela.
__ Sei que tem toda a razão, por isso quero você! Tem a sensibilidade o bastante para enxergar essas questões. Só você pode fazer o que preciso porque seu coração é bom. Posso lhe garantir que não vou me estabelecer lá. Ficarei o tempo necessário para resolver impasses familiares e depois voltarei para o Brasil.
Pense com carinho, na possibilidade de me ajudar por algum tempo. Levarei junto uma equipe entre médicos, enfermeiros e babás. Se estiver disposta a concordar com todas as cláusulas do contrato, estará fazendo um bem, não só a Duda, mas a mim e minha avó.
Te dou um tempo para refletir e caso não concorde com as últimas cláusulas, nada mudará. Apenas, as excluirei. Acredite, não será difícil ter uma convivência comigo e Duda. Eu sei que irá entender. Caso precise de explicações, estarei a sua disposição para tirar qualquer dúvida sua.- virou o corpo másculo, moldado pela camisa, que ressaltava sua musculatura, pegando algumas folhas de papel.
__ Aqui está minha proposta. Tudo o que precisa saber, está nas cláusulas, inclusive seu salário e vantagens.
Alana passou os olhos pelas letras, parando no cifrão com dois dígitos altos em uma das cláusulas.
__ Está me oferecendo dez vezes mais do que ganhava no meu emprego anterior?
__ Sim, e se passar para as próximas folha, verá que se for comigo para Romênia, receberá em Euros o tempo que estiver lá.
Alana o encarou. O valor que ele oferecia simplesmente era inacreditável.
__ Está maluco?!
Ele sustentou seu olhar de espanto.
__ Nunca estive tão bem, Alana!
__ Isso é tentador...- admitiu, segurando a respiração.__ resolveria meus problemas financeiros...
__ Todos eles. - completou, afirmando em seguida.__ E lhe daria segurança no futuro.
Alana levantou e parou por um tempo, olhando a estante de pedras, com os papéis ainda em mãos, pensativa.
__ E então? - ele pressionou.
__ Tem certeza disso? Afinal, sou irmã da mulher que você...
__ Amo? Odeio? - indagou com franqueza, tendo os olhos fixos nela.
__ Yan...- murmurou.__ Pode achar que essa grana toda...
__ Está querendo me dizer que tem medo de ser comparada a sua irmã. É isso?
__ Sim. Sempre odiei essas comparações. Sou apaixonada pelo meu trabalho...Estudei, ralei para pagar minha especialização e me dediquei muito! Isso que me oferece... Entende, não sou movida por interesses. Embora, como você disse, garantiria meu futuro.
__ Estamos tratando apenas de negócios, Alana! Você prestará um serviço, eu lhe pagarei. Não há o que comparar com sua irmã. Meu faro diz que acertarei lhe contratando!
Alana se sentiu ridícula por questionar isso. Se ele ainda amava Elen, não era um problema seu. Yan estava falando de relações de trabalho e estava deixando bem claro, que ela não poderia confundir isso.
__ Te darei uma resposta amanhã. Tudo bem?- ela sorriu de leve.
__ Aguardarei ansioso, Alana. Sei que será mais uma vez a salvação de Duda e sem dúvidas, a minha, se aceitar!
Alana começou a atravessar a sala para pegar a bolsa, que havia deixado no sofá, sentindo a presença dele nas suas costas.
Nervosa, se virou, dando de encontrão no corpo de Yan, se desequilibrando sobre o salto plataforma das sandálias. Levantou os olhos, com os lábios entreabertos, quando ele a segurou com firmeza pelos ombros.
__ Ah, desculpa!- pediu sentindo a pele derreter mais uma vez com o toque.
O olhar negro examinou sua face, parando nos lábios salientes e bem desenhados, coberto pelo batom vermelho aveludado. Alana, instintivamente, passou a língua os umedecendo. Seu coração parecia querer saltar pela boca e teve a certeza de que se o ex-cunhado se inclinasse um pouco mais o ouviria batendo forte.
Yan elevou a mão, tocando com a ponta do polegar a pintinha no canto de sua boca. O perfume misturado ao carinho, a deixava ainda mais consciente de que havia um certo perigo no ar. De imediato, a razão fez com que Alana, escapasse de seus dedos, saindo pelo vão entre o sofá e ele.
Respirou fundo para conter as emoções que mostravam claramente que ainda estava viva. Forçou um sorriso, dizendo:
__ Posso pedir ao seu motorista que me leve ao hospital?
Ele enfiou as mãos no bolsos da calça e respondeu meio de lado. O clima entre os dois havia mudado com a topada.
__ Claro. Anselmo está a sua disposição.
__ Obrigada então. Amanhã voltamos a conversar.
__ Ótimo! - concordou, sem coragem de olhá-la. __Igor está com Eduarda! Será uma oportunidade de conhecê-lo melhor também.
__ Hã... Você me liga? - inquiriu sem jeito.
__ Minha assistente entrará em contato com você. Ela é quem lida com minha agenda. Até logo, Alana!
__ Tchau! - se virou, saindo apressada em direção à porta.

Durante todo o trajeto, a imagem do cunhado se fez presente em seus pensamentos. Anselmo, o motorista, era simpático, cabeça raspada, parecendo ter pela aparência seus 45 anos. Comunicativo, puxou logo assunto.
__ Não sabia que D. Elen tinha uma irmã gêmea.
__ Pois é. Também fiquei surpresa, que nunca tenha comentado. Nem eu sabia que tinha uma sobrinha.
Trabalha há bastante tempo para Yan?
Ele sorriu satisfeito, a olhando pelo retrovisor interno.
__ Há mais de dez anos. Senhor Yan é um bom homem e patrão. Ultimamente, tem sido castigado pela vida. - meneou a cabeça.
__ A vida é assim, não é mesmo? Parece que quanto melhores somos , mais somos atingidos pelas intempéries.
__ Ficamos muito felizes com sua atitude. - ele informou.
__ Ficamos?
__ Sim. Eu e os outros empregados. Acredito, que em breve, será convidada a conhecer a mansão em Jurerê. Torcemos para que tudo volte ao normal e principalmente, que o senhor Yan refaça sua vida e encontre a felicidade novamente.
Alana olhou pela janela o trânsito daquela segunda-feira, pensando na proposta de trabalho dentro da pasta, em cima de suas pernas.
Seu medo maior, seria cair numa armadilha do destino, ficando tão próxima de Yan. Ele agitava com seu coração cada vez que o via. Se aceitasse, poderia ela ficar imune ao charme de sua presença marcante e máscula?
Suspirou e mordeu o lábio, olhando as duas folhas com a proposta novamente. As cifras eram uma tentação. Significaria, ao final do aprendizado da sobrinha, poder se livrar do aluguel ou talvez, montar seu próprio negócio.

O cheiro característico de limpeza, misturado ao de Éter e substâncias de alguns medicamentos usados por pacientes, acompanhavam Alana enquanto percorria a ala onde Eduarda estava internada. Era impossível andar por ali e não lembrar dos dias de aflição, tristeza e desesperança, que marcaram sua vida nos últimos meses.
Bateu com jeito, empurrando a porta cinza claro.
__ Com licença! - enfiou a cabeça, pedindo baixinho.
Vislumbrou Igor sentado, numa das poltronas que o quarto dispunha para os acompanhantes.
Ele ergueu a cabeça, fechando o livro que lia.
__ Alana! - sorriu largo.__ Que bom que veio! Entre.
Ela passou o corpo magro, encostando devagar a porta atrás de si.
__ Bom dia, Igor! Como está Eduarda? - torceu o pescoço para a cama onde a menina dormia.
__ Está muito bem! Nem parece a mesma Duda de antes. Mesmo com o soro, sentou e brincou comigo. A enfermeira achou melhor ela descansar antes do almoço, por isso deu um banho quentinho para induzir o sono.
___ Ah, fico imensamente feliz! - se achegou para perto do leito, esfregando o álcool em gel nas mãos, que estava a disposição na mesa de cabeceira. __ Está até corada! - exclamou.
Sem poder conter a vontade, pousou a mão sobre o peito que subia e descia com a respiração leve do soninho e seus olhos se encheram ao sentir o coração do filho batendo no tórax de Eduarda. Mordeu a boca para obrigá-la a parar de tremer e sentiu o braço de Igor sobre seu ombro.
__ Ele está vivo dentro dela, Alana!
__ Está sim. - concordou deixando que as lágrimas caíssem em meio a um sorriso.__ Sinto que fiz a coisa certa!

LSA* : Língua Americana de Sinais.

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