Capítulo XX

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Quando, sessenta minutos, mas tarde, saiu do banho, ela o encontrou dormindo, recostado em dois travesseiros. Retirou seus sapatos, o cobriu com carinho e seus dedos passearam por seus cabelos, descendo para a barba macia, contornando os lábios grossos que sabiam tão bem lhe dar prazer. Suspirou, sentindo-se melancólica. Como poderia deixá-lo depois de tudo o que estava vivendo com ele? Seu coração se apertou e ela deixou a toalha cair e se aconchegou nua, debaixo das cobertas já aquecidas pelo corpo de Yan. Ele sentiu sua presença e a puxou para mais perto e sem abrir os olhos, resmungou:
__Demorou no banho...Ah, Alie, não se afaste de mim por tanto tempo...!- colou seu corpo nela, voltando a adormecer.
Não demorou muito para que seus olhos começassem a pesar e os sonhos vieram calmos, sendo substituídos aos poucos por cenas mais turbulentas.
Alana se viu com Yan dentro de uma paisagem. Ambos riam felizes, caminhando por uma estradinha cercada de Girassóis. De repente, o caminho começou a ficar íngreme e o céu tornou-se escuro, a chuva começou a cair e a lama dificultava seus passos. Ao seu redor tudo foi perdendo o viço. Quanto mais subiam, mais lutavam contra as dificuldades e mais cansados ficavam. Num dado momento, Elen apareceu no topo de uma montanha. Yan parou, ofegando, olhando desesperado para Alana e com um pedido de perdão, virou-se em seguida para Elen, que chamava seu nome. Alana estendeu a mão tentando segurá-lo e foi com enorme desespero, que viu Yan seguir em direção a irmã. Em meio ao turbilhão de sentimentos ruins por vê-lo se achegando a Elen, Alana ouviu um riso, tão conhecido, ao seu lado.
__Eu te avisei, ser insignificante! Ambas perdemos. Pare de chorar! Você o perdeu porque não lutou o suficiente. Olhe para trás!
Alana obedeceu a ruiva, se assustando com o desfiladeiro muito perto de seus pés, no mesmo instante que sentiu duas mãos a empurrando para o nada. Ela tentou gritar, mas algo trancava em sua garganta, a sufocando por completo. Enquanto caía na imensidão negra, enxergava alguns que haviam passado por sua vida. Seu pai, Mike de mãos dadas com a avó...Aisha...rostos desconhecidos...Começou a chorar desesperadamente, tentando pedir socorro, mas não conseguia se expressar.
__Alana!! - alguém a sacudia com força.__ Alana, abra os olhos, você está tendo um pesadelo!! Alana!!
Atônita, forçou a abertura deles e soltou o ar pela boca, aliviando o sufocamento. O choro foi liberado, convulsionando seu corpo frágil.
__Calma, Alie! Já passou, foi só um sonho ruim... - ele passou as mãos em seus cabelos enquanto a abraçava.
__Sonhei que caía num abismo... estava sufocada...não conseguia pedir socorro...Ai, que sensação horrível!
__ É o efeito do fuso horário. Nosso organismo fica descontrolado. Vou pegar um copo d'água para você!
__Não! - se agarrou em seu braço.__ Não me deixe só!
__Tudo bem, Alie. Vai ficar tudo bem. - passou a mão em sua face limpando as lágrimas. __Só vou ao banheiro.
Com olhos amedrontados e tremendo, enrolada no cobertor, viu ele sair e voltar, rápido, com o liquido.
__ Beba, vai se sentir melhor.
__Desculpa te acordar. Estava dormindo tão sereno.
__Não percebeu, mas já faz um bom tempo que dormimos. Já estamos quase na metade da tarde.
Ela alcançou a ele o copo vazio.
__ Está melhor?
Alana balançou a cabeça em positivo, mas a sensação de algo ruim dentro dela não a abandonou. Respirou fundo, repetindo mentalmente, que era apenas um sonho. E sonhos eram resultados da intensa atividade cerebral.
Ela passou a mão pelos cabelos para ajeitá-los. Yan sentou ao seu lado, convidando:
__ Quer dar uma volta por aí, comigo, antes do anoitecer? Acho que vai ser bom para espairecer. Você está lívida!!
__E onde iríamos.
__Pensei em te levar na aldeia.
Segurando o cobertor sobre os seios, pensando um instante, concordou.
__Claro, vou me arrumar. Podemos levar Eduarda?
__Não sairia sem ela. Vou avisar uma das babás que a prepare. Depois, volto para tomar um banho e trocar de roupa.- beijou seus lábios e parou os olhos em sua face.__ Obrigada por estar aqui!
__ Que eu me lembre, assinei um contrato.- ela riu, mais calma.
__ Mesmo assim, sinto que não está sendo obrigada. Percebo que o lugar te encantou.
__ Encantou mesmo. - olhou através do vidro da janela, a vista.__ Vá logo, porque estou ansiosa para conhecer esse povo!

Na hora, em que Yan calçava seu par de tênis e disse que iriam a pé, Alana achou um absurdo. Pois Eduarda, dificilmente, aguentaria caminhar. Porém, ele a tranquilizou, dizendo que não fariam o caminho pelo qual tinham chegado à casa. Pegariam um atalho por dentro do campo, que os levaria direto a entrada da aldeia.
Eduarda sorria, sentada sobre o pescoço do pai, de olhos atentos a tudo ao seu redor. Quem os visse daquela forma, jamais imaginaria, que Yan, fosse um homem rico.
Ali, tão descontraído, o lugar o transformava em alguém de vida muito simples.
Enquanto desciam a montanha pelo caminho estreito, a paisagem deixava de ser uma mera imagem ao longe e se tornava palpável.
As flores campestres, enfeitavam o pasto e algumas mulheres de lenços coloridos e saias compridas, tocavam seus rebanhos de ovelhas. Mais adiante, as plantações de Canola, cresciam viçosas, um carro de boi subia a ladeira com fardos de capim e assim a paisagem rural e simples, os encantava.
Demoraram mais do que pretendiam no caminho. Vez ou outra, paravam para conversarem com pessoas que cruzavam. Muitos deles eram velhos conhecidos de Yan. Alana procurava inteirar a sobrinha sobre tudo o que viam. Caminhar sem compromisso, na tarde ensolarada, num lugar como aquele era uma ótima oportunidade para Eduarda expandir seu vocabulário de Libras e também para espantar os temores de Alana com o pesadelo de horas antes.
Na aldeia, as ruelas principais eram calçadas por pedras retiradas das rochas das montanhas ali de perto e as casas eram de arquiteturas simples, que remetiam ao passado, quando o Comunismo era o sistema de governo. A maioria delas eram coloridas, algumas de alvenaria rústica, com janelas e telhados de taubilhas de madeira. Nas calçadas, as pessoas conversavam animadas e os olhares curiosos sobre eles eram inevitáveis.
Um senhor, dono de uma taverna simpática, com mesinhas na calçada, oferecia seus produtos:
__Fii binevenit! Vino sa gusti brânza si vinul nostru!
Alana sorriu para o senhor, de calças largas, escuras, camisa branca e boné de feltro marrom, quando Yan o cumprimentou com um aperto de mão, devolvendo algumas palavras em romeno. Em seguida, virou o rosto para Alana.
__Quer comer alguma coisa? Ele está nos oferecendo queijos e vinho.
__Mas é claro! Acho que Duda também deve estar com fome e sede.
Escolheram uma das tantas mesas disposta ali e esperaram o que o senhor tinha para lhes oferecer.
Uma camponesa que passava com um maço de flores nos braços parou e com um largo sorriso lhe alcançou três botões de rosas amarelas. Ela aceitou, olhando para Yan, que explicou:
__Um velho costume para dar boas vindas a quem chega na aldeia. Não se surpreenda se receber mais flores hoje. Os romenos gostam tanto delas que as espalham por aí. São pequenas gentilezas.
Alana levou os botões ao nariz. Já tinha notado a paixão que aquele povo tinha pelas flores. Elas podiam ser vistas nas floreiras enfeitando as janelas, nos canteiros dos jardins bem cuidados. A beleza da diversidade das cores e das espécies eram de tirar o fôlego.
__Perceba que as rosas são em número ímpar. Flores em números pares só em velórios. Seria uma gafe enorme, oferecer quatro rosas a você!
__Nossa! - ela riu encantada. __ Que povo acolhedor!
As palavras de Yan saíram um tanto melancólicas:
__ Com todas as mazelas da guerra, que assolaram o país, eles não perderam a gentileza, a educação, a humanidade e o gosto pela vida.
__E você? - o encarou.
Alana queria entrar dentro do seu coração, desvendá-lo, descobrir se Elen ainda vivia dentro dele.
__ Ainda se sente vivo? Vai deixar que flores brotem em seu coração novamente?
Ele sorriu, amargo, não se espantando com as indagações.
__ Ele está sendo remexido para que as sementes brotem...Quero que saiba que não devolveu a vida somente a minha filh...
Foram interrompidos pelos senhor com uma tábua de queijos, pão recém saído do forno e uma garrafa de vinho, abaloada, coberta por palha trançada.
Para Eduarda, um suco de limão fresquinho e bolachinhas caseiras com cobertura colorida.
Depois de comerem e visitarem uma igrejinha, Yan a conduziu por uma rua, que se abria num campo cheio de barracas coloridas.
__Bem vinda, ao acampamento Romanov!
Um homem já idoso, que selava um cavalo, veio ao encontro deles com um largo sorriso no rosto e abraçou Yan demoradamente.
As frases na língua materna, demonstravam alegria e eram ditas por ambos os homens. O cigano era tio avô de Yan. Em alto e bom som ele anunciou:
__Vino toată lumea! Yan a sosit !! ( Venham todos! Yan chegou!)
Algumas mulheres, com seus vestidos rodados e coloridos, saíram das tendas ao ouvirem o chamado, assim como outros homens que andavam por ali. As crianças rodearam o casal e Eduarda, logo quis se desvencilhar do colo do pai para brincar.
Yan se virou para ela. O brilho do olhar escuro demonstrava prazer em rever sua gente.
__Alie, são todos meus primos e primas, tios...A maioria têm casas em outras cidades. Estão acampados aqui, por causa da cerimônia. Eles viajaram, montaram as tendas e estão à espera da festa.
__Sério? Está me dizendo que estão aqui por sua causa?
__ Por nossa causa, Alie! - corrigiu, passando o braço por seus ombros.__ É o nosso casamento, esqueceu? Nossa festa será feita nesse acampamento.
As mulheres logo a puxaram para dentro de uma tenda. Uma lhe ofereceu um lenço colorido e pediu que o usasse na cabeça. Outra trouxe algumas pulseiras douradas. Alana sem reação deixou-se ser enfeitada pelas moças, entendendo que era uma forma de lhe darem boas vindas.
Uma mulher de olhos cor de mel e tez morena levantou a cortina da barraca e alegre, veio ao seu encontro. Assim como Aisha, ela arrastava no português.
__Bem vinda ao nosso acampamento! É um prazer receber a visita da noiva de Yan antes do cerimônia! Sou Luana, casada com o atual patriarca do clã Romanov, Wladimir, primo em primeiro grau de Yan!
__ Muito prazer, Luana! Estou impactada com a recepção. Vocês são tão...calorosos!
__ É nosso costume dar presentes a quem chega, ainda mais se tratando da mulher que o neto de Aisha escolheu para casar. Yan só não é, nosso patriarca porque não se sente apto...o "trono" por direito é dele.
__A cada minuto uma surpresa! Ele nunca me disse isso!
__Talvez, ele amadureça a ideia ...o tempo é o melhor dos conselheiros. Yan pertence a este lugar. Ele irá se achar ainda, tenho certeza.
Alana então se deu conta, que ele falava muito sério, quando naquela noite disse que poderia ir embora do Brasil com a filha. Deu um salto, lembrando da sobrinha.
__Eduarda, a menininha...está lá fora!
__ Não se preocupe. Aqui é tudo muito seguro. As meninas maiores estão fazendo a festa com ela.
__É que me preocupo, pois não se comunica. É deficiente auditiva.
__Fique tranquila. Yan está junto.
Venha, sente-se aqui! Vamos ler a sua sorte! Na maioria das vezes, podemos mudar nosso destino, se usarmos de sabedoria.
A mulher apontou as almofadas e Alana se recostou.
Uma almofadão foi colocado entre as duas para servir de mesa. As outras moças, saíram do recinto, a pedido.
__ Acredita nas cartas, Alana?- indagou com olhos enigmáticos.
__ Pra ser sincera nunca pedi para alguém ler. Não sou muito supersticiosa...Se bem que, com toda a energia que emana desse povo, confesso que estou começando a acreditar em magia, encantos e bruxas! A Romênia é a terra do conde Drácula! - riu sendo simpática.
__O Conde é um de nossos heróis. Lutou bravamente pela independência da Valáquia. A literatura o transformou em um ser que até hoje procura sua amada. Um homem amaldiçoado, condenado a viver eternamente e não ter a mulher que ama ao seu lado.
__Pois então, acho melhor encarar as cartas e ver o que o futuro me reserva! - brincou, pensando que a história tinha um quê da de Yan.
Luana, sorrindo, retirou do bolso da saia, um baralho e enquanto misturava as cartas, se concentrava. Os seus quase quarenta anos, não esconderam sua beleza, de traços fortes.
Por fim, pediu que Alana cortasse o monte e as cartas foram sendo colocadas sobre o tecido vermelho brilhante.
A primeira figura era de um cavaleiro. Luana pousou seus olhos nos dela.
__Se quer alguma coisa, busque. Só não conquistará o que deseja se ficar de braços cruzados.
A próxima carta foi a nuvem.
__Lute, Alana, senão o que mais deseja no momento, lhe será tirado. Já sofreu o bastante, não precisa passar por tudo de novo, mas batalhar será necessário para obter a vitória.
Os caminhos estão abertos, as notícias são boas, mas eu vejo muitos obstáculos. Precisará de forças. Você não deve desistir, poderá haver um atraso, porém se não houver desistência e recuo diante deles, a causa será ganha.
__Que tipo de causa? - indagou, intrigada.
__Por enquanto, ainda não sei...
O restante das cartas foi colocado uma a uma e analisadas com cuidado.
___ A nossa própria insegurança e o medo podem ser frutos da imaginação ou fantasias da mente. Observe, medite e veja se esses são verdadeiros ou não. Descubra, Alana!
Apontou o desenho da serpente em uma delas.
__Cuidado! A carta da serpente testa a nossa sabedoria em lidar com pessoas e situações perigosas. Ela representa a inveja, desarmonias, rivalidades, discórdia, falsidade, traição.
Ao ouvir aquelas palavras, Alana sentiu um frio lhe percorrer o fio da espinha.
__ Uma coisa é certa, as transformações sempre deixam algo no lugar do que se foi. Vejo um rompimento e reavaliações de sentimentos. Também vejo, tomadas de decisões. As escolhas serão fundamentais para sua felicidade.
__ Minhas escolhas?
__Às vezes, as decisões de alguém que amamos, nos afetam mais do que as nossas próprias.
Parou, correndo os dedos de unhas vermelhas, sobre uma das cartas.
__Ah, a estrela... ao lado do coração! - o olhar da cigana brilhou.__ Vejo amor eterno, amor verdadeiro...Eu vejo o homem que chora, nesta carta, tendo que escolher entre você e você.. É confuso... Ele também vai ter que agir com sabedoria...descobrir quem é o amor verdadeiro dele. Isto trará muita confusão...rivalidade...discórdia...e ... - a encarou com os olhos semicerrados. __Você terá que ter muito cuidado, Alana!
Subitamente, juntou o baralho e o guardou, levantando em seguida. Sua expressão, trazia uma sombra. Alana percebeu que ela disfarçava o desconforto.
__ Muito cuidado com o que? O que viu que não quer me dizer?
__Tudo pode mudar, querida, de uma hora para outra! Vai depender do quanto de amor carregar no seu coração. Só ele poderá te salvar da serpente!
__Você está me assustando!
__Ouça seu coração...mantenha-se esperta, não se rebaixe... o homem que chora, terá que fazer escolhas. Depois disso, não consegui ver mais nada!
Alana parou em sua frente, seus olhos traziam estampados, uma confusão de sentimentos.
__Só peço que ame, Alana! Ame sem medidas! Sua proteção está aí!


Sei que prometi um casamento, mas não consegui chegar lá ainda. No próximo capítulo acontecerá.

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