"Sou uma criatura de dor,
pó e amargas saudades.
Há um vazio dentro de mim
onde um dia teve coração."As Crônicas de Gelo e Fogo -
George R. R. Martin.A última semana foi cansativa, mas de grande aprendizado para mim. Aprendi muitas coisas com Ananya que levarei o resto da minha vida em meu coração. Por exemplo: o valor que um prato de comida tem para quem sente fome. Pois, vivendo na bolha de rúpias em que vivia, eu nunca pude imaginar o quanto a fome é real na Índia, o quanto dói ver crianças magras e desnutridas comerem apenas um pedaço de pão, e o quanto dói ver no olhar de uma mãe que aquilo foi o melhor que ela pôde fazer naquele dia, mas que ainda assim, não foi o suficiente.
Ananya ficou viúva cedo, tinha apenas alguns anos de casada, e foi rechaçada por sua família e pela família de seu falecido marido. Viúvas são tidas como algo ruim, ninguém quer conviver com uma. Ela também era rica e acabou vivendo aqui com uma mulher, também viúva, que a encontrou desmaiada e ferida em um beco escuro. Hoje ela vive bem, dentro do possível em um lugar como esse, e ajuda muitas outras mulheres.
Nos últimos dias entramos em uma rotina agradável, mas muito cansativa, o que me leva a pensar como ela conseguia realizar tantas tarefas sozinha. Acordamos antes do sol nascer e ela vai até a cidade buscar as roupas enquanto eu preparo o desjejum. Lavamos todas as peças antes do almoço e, após a refeição, não há tempo para descanso e retiramos tudo da secadora, e então começa a pior parte: passar e engomar cada parte dos tecidos. No fim do dia a tarefa de entregar as roupas para os clientes é minha, enquanto minha salvadora fica em casa preparando o jantar.
Hoje foi um dos piores dias para mim. Lavamos as roupas de quatro casas e não tivemos tempo para refeições, mas o pagamento foi generoso e vai nos deixar tranquilas por uns dias. Sinto uma leve pontada abaixo do meu umbigo, resultado do esforço físico das últimas horas, e paro a caminhada para descansar, apoiando as sacolas enormes e pesadas no chão. Olho para o céu escuro e com nuvens pesadas, sem estrelas, e uma brisa suave e gelada toca meu rosto, me arrancando um calafrio.
Onde será que ele está? Será que vê o mesmo céu nublado que eu? Será que pensou em mim em algum momento desde que foi embora?
Minha mão vai de forma automática para minha barriga, ainda lisa. Com sete semanas de gravidez ainda não há nenhuma protuberância visível, mas logo terá, e então todos saberão que sou uma desonrada. Sou a vergonha de mamadi e baldi, sou uma mancha para a futura família de Kabir. Tento controlar minhas emoções e volto a caminhada, preciso entregar as roupas antes que a chuva caia e estrague o trabalho do dia inteiro.
Entrego as encomendas nos endereços indicados para cada pacote e volto rapidamente para a casa de Ananya. O caminho é deserto a esta hora, mas não tenho mais medo, pois aprendi que os ladrões não roubam nesta parte da cidade. Eles preferem roubar no centro de Mumbai, onde há milhares de pessoas ricas perambulando pelas calçadas ao longo de toda a noite. Roubo rápido e fácil.
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Nosso Último Verão
Chick-Lit"Era Holi quando o vi pela primeira vez... O fim do Inverno e início da Primavera na Índia. O bem venceu o mal! Era Holi! Somente coisas boas acontecem neste dia... Não é? Ele me prometeu o mundo. Quando o verão acabou levou junto o meu sonho. Minh...