Capítulo 1

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Lá estávamos. Eu e Sara, discutindo mais uma vez. Não era a primeira e sem dúvida não foi nem de longe a última. Estávamos em pé no gramado, havia contado a Sara uma história e ela se recusava a acreditar que era verdade. Bom, não era. Mas quando algo é contado como se fosse realidade, isso torna toda a história mais impressionante por que foi feito por pessoas reais e nesse caso, por mim. Depois eu contaria a Sara que era fictício, mas sempre me diverti enganando-a. Era uma brincadeira inocente, eu contaria a história e ela ficaria revoltada desacreditando ser a verdade. E não era, então eu a contaria depois de um tempo aproveitando para olhar como o rosto dela se tornava estranhamente mais bonito com raiva.

- Não acredito... - disse Sara, incrédula. Seus olhos estavam levemente cerrados, demonstrando desconfiança.

- Pode acreditar - respondi prontamente. - sua expressão era de muita curiosidade.

- Mas como você entrou lá? - quis saber ela.

- Digamos que eu conheço alguém de lá...

- Quem?

- Um centauro.

- Não pode ser - e deu risada da minha história.

- Por que não?

- Por quê isso não existe, Paulo.

- Como não existe se eu vi?

- Você é maluco! N-A-O E-X-I-S-T-E!

- Não sou! E existe, sim, Sara - eu não sabia exatamente se centauros existiam ou não, mas quanto mais improvável soasse a história, mais Sara ficaria irritada.

- Então me explica isso direito - Revirei os olhos - Olha, nessa hora eu estava dormindo, só que apareceu na janela - dizia, antes de ser interrompido pela mamãe, nos avisando que era hora do almoço.

- Venham almoçar, crianças! Sara, pare de sentar na grama, sua mãe odeia quando fica toda suja disso.

Comemos e logo depois, nos sentamos de novo á uns dois metros do chão, numa laranjeira carregada das mais pequenas (porém doces e suculentas) laranjas maduras do sítio. Nossa sobremesa havia sido garantida. O vento soprava fracamente. Os cabelos de Sara balançavam a reflexo dele. Eram macios e desalinhados. Então Sara tornou a perguntar:

- Me explica a história?

Expliquei, e finalmente cedi e disse que era uma história fictícia. Não falou comigo o resto do dia. Ficou muito brava comigo, mesmo. Mas eu gostava dela brava: seus olhos azuis mesclados com castanho se tornando mais intensos, e suas bochechas gorduchas ficando rosadas. Seus lábios bem desenhados se amassando, formando o beicinho.
Tudo isso complementado pelo cabelo de milhares de fios ruivos, além de suas sardas que se estendiam desde o nariz até às maçãs do rosto. Não importava quantas vezes eu já tivesse feito Sara ficar brava assim, mas toda vez eu me deliciava observando seus traços e como eles mudavam dependendo do humor dela. Ficava linda quando estava brava. E se não fosse a raiva, poderia vê-la daquele jeito para sempre. E mesmo seu ódio não me impediria por muito tempo.

A personalidade forte de Sara nunca foi segredo. Desde sempre ela foi assim e eu nunca me incomodei mais do que o necessário. Chegava a ser cômico o quanto eu aguentei o seu mau humor durante os anos sem falar quase nada. Eu tinha que aguentar aquilo ou não conseguiria aproveitar quando ela estava de bom humor.

Mas normalmente era eu que a deixava de mau humor. Claro, mesmo sem mim ela conseguia ficar irritada, mas as vezes eu tirava proveito disso só pra ficar observando-a.

É óbvio que como em qualquer amizade normal, ela também me irritava. E irritava muito, mas eu sempre fui muito mais calmo que Sara. Ela era a que decidia as coisas e eu era obrigado a concordar. Nunca quis mudar isso devido ao tanto que eu a incomodava. Pensava que se eu só assentisse ela "aguentaria mais" as minhas brincadeiras.

Era um padrão.

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