Marcas

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Muita gente já foi vítima desses monstros com máscaras de seres humanos, foram vítimas tanto física quanto psicologicamente — ou ambos de uma só vez —, deixaram-lhes marcas profundas. Se parar para pensar, sem muito esforço irá lembrar-se de algum caso onde alguém foi vítima dessas criaturas fingidas, predador perfeito, boa aparência, com bonitas palavras e com bastante maldade no coração.

É sabido uma ou outra história do tipo, porque esses predadores não são seres noturnos ou seres que só aparecem em lua cheia, ou qualquer outra criatura fictícia. Eles são bem reais, e as feridas que eles deixam são eternas, marcas que estarão sempre presentes na vida de suas vítimas, que por sua vez apenas seguem suas vidas tentando ignorar todo o mal lhes acometido, ou então se fecham completamente em seus casulos de dor e mágoa, e algumas vezes acabam de certa forma tomando para si um ódio profundo que algumas vezes os fazem cometer atos parecidos ou até pior, deixando de lado o posto de vítima para se tornarem pivô de determinada situação.

O calor era intenso e havia chamas por todos os lados. Ele não queria morrer, estava com tanto medo, onde será que sua mãe estava? Será que ela estava bem, ou morta como sua pobre avozinha? Mais uma vez o medo, o medo invadiu seu peito. Ele acabara de ver sua avó morrer, inalou muita fumaça o que a levou a morte. Ela mal conseguia respirar no dia a dia, seria um milagre se ela tivesse sobrevivido àquele inferno. Ele não queria deixar o corpo dela para trás para ser consumido pelas chamas, mas ele não conseguia arrastá-la para outro cômodo. A porta estava dominada pelo fogo e não tardou para as labaredas tomarem conta do corpo da pobre velhinha.

Ele sabia que não iria morrer. Era um pesadelo ou uma lembrança do que ele viveu naquele prédio incendiado. Daniel sempre sonha a mesma coisa; o homem bom que o salvou do homem mal que iria deixá-lo para trás. Era tão nítida lembrança de sua pele sendo queimada pelas chamas que ele realmente sentia novamente a dor.

O garoto acorda daquele pesadelo em um pulo, está suado. Como todas as vezes que presenciou aquela lembrança, com lágrimas nos olhos e suor na face, olha para os lados e ver que os outros meninos não acordam dessa vez com seus gritos, o que o alivia bastante. Não quer que os outros continuem o infernizando, já sofre muitas perseguições pelos seus dramas noturnos e sua aparência que parece incomodar alguns dos idiotas daquele lugar horrível.

O lar para crianças e jovens Cosme e Damião, no passado era conhecido como Projeto Acolhimento e havia sofrido um grande incêndio — parecia que aquele destino o perseguia. Alguns dizem que ele é sortudo, não só por ter sobrevivido ao impossível, mas também por ter uma sargento como protetora. Ele não sabe o que aquilo significa, um de seus antigos amigos lhe falou certa vez que o lugar era um inferno para alguns, mas exceto pelos idiotas que o perseguem por suas cicatrizes e transtornos noturnos ele não imagina o que realmente acontecia. No passado, o lugar era administrado por um padre chamado Giácomo Antunes, mas devido o incêndio ele se afastou para cuidar de seus ferimentos e nunca mais retornou, deixando a direção para outros responsáveis.

Daniel vai até o banheiro do corredor, pois lá há um grande espelho. Normalmente, ele evita seu reflexo, mas já se acostumou com as dores da vida. Quando criança, passou fome nas ruas, junto com a avó e a mãe. Teve que pedir esmolas, uma vez quase que morria quando teve pneumonia. Quando melhorou e finalmente encontraram um lugar onde, apesar de precário, tinha um teto e poderiam viver por um tempo onde poderiam recomeçar junto com a esperança de dias melhores, já que a morte do padrasto violento e drogado havia acontecido no início daquele ano desastroso. O que era uma boa notícia, pois pela primeira vez teria um Natal em paz ao lado das duas mulheres de sua vida.

Mas nada foi como o esperado, ele nem sequer teve um Natal naquele ano, pois não demorou para o lugar onde estavam morando ser incendiado por um louco assassino. Perdeu a avó no incêndio, e dias depois perdeu a mãe por ter inalado muita fumaça. Teve parte do seu rosto queimado assim como o peito, quando o homem que o levava no ombro não se importou quando a chama atingiu sua face. Seu ombro e seu peito esquerdo também tinham uma cicatriz nada atraente. Depois disso, foi colocado num tipo de lugar que só abrigam menores. Em breve, ele completaria seus dezoito anos e não sabia seu destino, sem falar nas perseguições que ele sofre com os demais rapazes lá dentro por causa de sua aparência que parecia perturbar os outros. Ou será apenas maldade?

Série Psicopatas Vol.01  - Incendiário (REVISADO).Onde histórias criam vida. Descubra agora