Capítulo XXX - Respire Fundo

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Música: Breathe (2 AM) - Anna Nalick


* * *

- Vá embora.

- Não acho que tô te entendendo.

- Essa é sua mochila com seus livros e cadernos da escola e seu celular. Não vou atrapalhar os estudos de ninguém, mas você não leva nem mais um fio de dentro da minha casa.

- Você está me expulsando? – a voz de Dinah subiu alguns tons com o choque
.
- Sim. Saía daqui.

- Não! Essa é a minha casa e a minha família, você não vai me expulsar. Papai, eu e Normani vamos conversar. É bem vinda para ouvir, mas não vou mais aceitar seus abusos.

- Conversar? – soltou uma risada amarga. – Não tem mais conversa, Dinah. Acabou pra você!

- É claro que tem! Não é, pai? – viramos para Gordon que segurava as costas do sofá outra vez e olhava a cena de boca aberta. – Pai?

- Eu acho que todos precisamos nos acalmar – Alejandro interviu ao ver que seu amigo não conseguia pronunciar uma palavra. No final, Gordon só era um grande covarde que nunca enfrentaria a esposa por ninguém, nem pela própria filha. Mais do que nunca, senti a necessidade de proteger Dinah. – Vamos respirar fundo e...

- Eu não quero respirar fundo, quero essa garota fora daqui! – Milika gritou.
- Sinto muito pelo o que quer, mas não vou deixar meus irmãos! – o tom de Dinah também se elevou.

- Eles não são seus irmãos, são os meus filhos!

- Eu também sou! Eu sou sua filha...

- Não é não! – interrompeu o grito de Dinah com um berro tão alto que pude ver todos, menos Gordon que permanecia estático, se assustarem. – Você não é minha filha! Eu não pari isso, não coloquei uma sapatão nojenta no mundo, ou gastei quase 18 anos da minha vida cuidando disso. Eu crio filhos melhores que isso, então você não é a minha filha! Você está morta pra mim, ou melhor nunca existiu.

Monstro. Essa era a única palavra possível para descrever Milika. Ela era um monstro filha da puta nojenta que acabava de fazer minha namorada chorar.

- Como pode dizer isso? – Dinah soltou minha mão e vi que a sua tremia de tão nervosa. – Você é a minha mãe, deveria me amar.

- Te amar? Quem seria capaz de amar alguém co...

- Cala a porra da sua boca! – intervir com raiva a fazendo me lançar um olhar debochado. – Não ouse dizer isso a ela.

- Saía da minha casa as duas. Agora!

- Mãe, pare! – Funaki se aproximou. – Você tá ficando doida? Pai, faz alguma coisa!

- Mãe não diga essas coisas, Dinah é sua filha – Kamila disse logo depois.

- Você não pode expulsar ela – Kaukava também se aproximou.

- Milika, você não está pensando direito – Sinu tentou. – Respira fundo e...

- Madrinha, por favor...

- Gordon, meu amigo, acorde...

De repente, todos falavam juntos e ao mesmo tempo. Rapidamente, reparei em Seth se assustar e Regina o abraçar, enquanto Sofia se escondeu atrás de Camila que levantou junto a Lauren. As vozes se juntaram e eu não entendia mais, havia virado tudo um caos. Meus olhos focaram em Dinah que chorava encarando o pai com esperança, mas eu já sabia que ele não serviria para nada.

- Chega! – Milika ficou vermelha de tão alto que foi seu grito, fazendo todos ficarem em silêncio. – Estou tentando ajudar essa vagabunda há semanas e ela não aceita. É a segunda vez que joga tudo no lixo e pelo o que? Por essa daí? Se ela realmente ligasse pra vocês, iria querer mudar, deixem de ser idiotas! Dinah escolheu isso, então por que eu preciso aceitá-la na minha casa? Principalmente depois da vergonha que me faz passar hoje, ela não merece nada! Quero ela fora daqui agora! Quero essas duas nojentas fora daqui!

- Eu não tô nem aí para o que você quer, Milika – o ódio pareceu despertar dentro de Dinah e ela deu um passo em direção a mais velha, gritando e cheia de raiva. – Estou nem aí para você ou para o que pensa, mas não vai me deixar longe dos meus irmãos!

- Você não tem irmãos! – o choro de Seth começou a ocupar espaço e, nem mesmo assim, a briga diminuiu. – São meus filhos e vou fazer questão de deixar cada um o mais longe possível de você. Se tentar chegar perto deles, juro por Deus que vo..

- Vai o que? Me bater? Não tenho mais medo de você! Tenta vai! Não pode me machucar mais do que já fez – eu nem sabia que Dinah era capaz de ficar daquela forma. Ela estava transtornada, furiosa, e até os gestos, a forma deu batidinhas no seu rosto, o oferecendo para a mulher, estavam diferentes.

- Não ouse me desafiar dentro da minha casa!

- Não ouse tentar me deixar longe dos meus irmãos!

Sua voz saiu sombria e, no segundo em que terminou de pronunciar, o braço de Milika começou a se levantar. Eu, imediatamente, dei um salto para frente e segurei seu pulso, ainda no ar, com força.

- Nem tenta! Você nunca mais vai encostar em um único fio de cabelo dela.

Ela tentou puxar o braço e eu o segurei com mais força sem me importar se a machucaria. Nossa olhares, outra vez, se encaravam medindo poder e ela parecia mais brava a cada milésimo.

- Pai, por favor – ouvi a voz chorosa de Dinah implorar. – Não deixa ela fazer isso, por favor. Diga algo!

Todos olharam para Gordon que abriu a boca diversas vezes, mas nada disse. Milika deu uma risada e recuou, me levando a soltar seu braço e me colocar entre ela e Dinah em proteção.

- Paizinho não vai ajudar a princesa outra vez. Sabe por que? Ele é meu marido e me apoia! Você? Você não é nada, Dinah, não é ninguém! – nunca senti tanto nojo de alguém como sentia de Milika. Aquela mulher era o demônio e, se inferno existisse, seu lugar já estava reservado no fogo mais profundo dele. – Agora saía!

- Pai! Por favor – Dinah desmoronou em choro e, mesmo assim, ele nem se moveu.

Milika no mesmo segundo revirou os olhos, pegou a mochila no chão e passou por nós indo como um furacão para a porta. Eu me virei para encarar Gordon com tanto nojo quanto sentia por ela.

- Mãe, o que está fazendo? – Funaki, assim como os outros, correu atrás de Milika.

Em segundos só havia eu, Lauren, Gordon, Alejandro e os pequenos, assustados, na sala. Calmamente, me aproximei do homem paralisado ficando bem próxima para que me entendesse bem. Eu vi um pai de família, daquele tamanho, se encolher diante de mim, parecendo tão assustado quanto as crianças que choravam.

- Preste bem atenção no que vou dizer – minha voz saiu baixa e cheia de ódio, cuspindo as palavras na sua cara. – Você vai se arrepender dessa noite até o dia que morrer. Vai ser enterrado com o pesar de não ter protegido sua filha e deixado que isso acontecesse. Essa sensação horrível de remorso vai te acompanhar por todo seu caminho e eu vou ficar feliz em ver te corroer. Ela precisava de você hoje mais do que nunca e escolheu ficar paralisado por nada. Você deixou acontecer. Eu poderia dizer que tudo que acontecer com Dinah a partir de agora é culpa sua, mas não vou deixar que nada de ruim aconteça. Ela vai ser feliz, amada e cuidada de forma que você, com toda sua insignificância, nem é capaz de imaginar. Vai ter uma vida linda e nada vai ser graças a você, porque foi um covarde e deixou sua esposa a machucar da pior forma possível. Você não é homem, Gordon, não é pai de família, nem é pai, é apenas mais um covarde fracote que vai assistir do chão ela conquistar o mundo.

- Normani! – o sussurro assustado de Alejandro se fez presente, mas apenas virei as costas e saí com presa.

Da área, já consegui enxergar a todos alguns passos na frente do portão, montando uma barreira entre Dinah e Milika, gritando com a mais velha e ela soltando xingamentos transtornada, enquanto Camila amparava Dinah que chorava. Contudo, antes que eu pudesse sair do local e tirar minha namorada dali, senti braços me agarrarem e me puxarem para parede.

- Normani, não pode sair.

- Lauren, que porra? – virei para a branquela que segurou meu ombro.

- Você não viu? Tá cheio de vizinho ali fora filmando o barraco, vão te ver.

- Você acha que eu ligo? – tentei passar pelo seu corpo, mas fui impedida. – Lauren, não me faça ser bruta com você.

- Que seja! Teve sorte hoje de manhã que fomos os últimos a sair da Igreja e só tinha velho pra não te filmar. Agora é diferente, isso pode acabar nos tabloides e expor você e Dinah.

- Eu prometi que não sairia do lado dela, Laur.

- Ok, mas pelo menos veste meu moletom antes e coloca o capuz pra tampar seu rosto.

Assim que Lauren começou a retirar o casaco e eu a jaqueta, ouvimos um barulho alto e olhamos para o portão a tempo de ver Milika arremessando a mochila de Dinah no gramado e abrirmos a boca chocadas. Com ainda mais pressa de sairmos, Lauren acabou ficando presa na própria roupa e demorando para me entregar. Quando finalmente coloquei o capuz e pude sair pelo portão, apenas vi Dinah de costas entrando na rua da casa de Camila e, essa, acabando de pegar a mochila e correndo atrás dela. Abaixei a cabeça para me esconder debaixo do moletom e estava pronta para ir até Milika, que discutia com os filhos e Sinu, e socar sua cara, mas, quando percebi, minhas pernas corriam atrás de Dinah, quem realmente importava no momento.

Ultrapassei Camila em segundos e, logo, tocava o ombro da loira, que parou assustada pelo toque repentino, mas se jogou nos meus braços assim que me olhou. Apertei seu corpo com firmeza e deixei que chorasse no meu ombro, gritasse e soluçasse o quanto quisesse.

- Gente – ouvi a voz de Camila e senti sua mão na minha costas, mas não ousei soltar Dinah ou abrir os olhos. – Gente, as pessoas estão olhando, vamos sair daqui. Vamos lá pra casa.

- Eu não vou pra sua casa, Mila – Dinah me soltou para a olhar.

- É claro que vai!

- Você vem comigo, Dinah – Camila me encarou como se eu tivesse falado o maior absurdo do mundo, sendo que era a coisa mais óbvia e, apenas então, reparei em Lauren ao seu lado.

- Gente, foda-se! Vamos discutir isso com privacidade – ainda com a cabeça abaixada, olhei para trás vendo várias pessoas em frente a casa dos Hansen, mas viradas para nos observar. – A casa da Camz é no próximo quarteirão, vamos – Camila segurou a cintura de Dinah e, praticamente, a empurrou para continuar andando, já que estávamos no meio do caminho. – Mani, me dá a chave do seu carro, vou tirar ele de lá.

- Obrigada, Laur.

Lhe entreguei a chave e dei uma corridinha para alcançar as mais novas. Andamos em passos rápidos e duros até a casa com Dinah sendo abraçada de cada lado por mim e Camila. No segundo em que adentramos o espaço e a latina virou, após trancar a porta, eu não consegui entender quem se jogou contra quem, mas ela e Dinah acabaram em um abraço apertado.

- Meu Deus, DJ!

- Minha mãe me expulsou de casa, Mila.

- Eu nunca vi a tia Milika daquele jeito, ela só pode ter enlouquecido. Aquilo foi horrível – Camila começou a chorar junto com a amiga.

- Ela me odeia! – o choro de Dinah aumentou com força e eu, calmamente, conduzi as duas até o sofá.

Elas sentaram abraçadas e Camila puxou o cabeça da amiga para deitar em seu peito, a deixando chorar. Sentei do outro lado da loira e abracei suas costas enquanto sentia meu coração ser quebrado com a cena. Nunca havia visto alguém chorar tanto, Dinah chegava a engasgar com os soluços e tive a certeza que ela logo colocaria o pulmão para fora, tamanha era a intensidade com que as lágrimas saíam. A situação também não era para menos. Dinah era a pessoa mais ligada a família que já conheci, ela praticamente vivia para e por eles, dedicava todo seu tempo e pensamentos a cada um, os amava e protegia como uma leoa protegia suas crias.  Agora, eles a haviam virado as costas e a expulsado. Eu nem podia imaginar a dor que ela sentia. O pior era saber que não podia fazer nada para amenizar, além de permanecer ao seu lado, não importa o que acontecesse.

- Mani? – subi o olhar ao ouvir Camila após vários minutos em que o único som era do choro sôfrego de Dinah. – Você está chorando.

- O que? – levei minha mão ao rosto percebendo que estava molhado e, só assim, senti as lágrimas descerem. Ver Dinah machucada estava acabando comigo. – Não é nada.

- Você não chora – Dinah soltou a amiga para me olhar, mas sua voz mal saía pelos soluços. – Me desculpa por ter te colocado no meio disso, por tudo.

Foi impossível não ter revirado os olhos, porém, a porta foi arreganhada antes que eu falasse algo e Funaki adentrou, acompanhada por Lauren e Sinu, e correu até a irmã.

- DJ! Eu sinto muito! – a olhei se ajoelhar entre as pernas da loira e elas se abraçaram. – Eu vou conversa com o papai e ele vai colocar juízo na cabeça dura pra você poder voltar pra casa, vai ficar tudo bem.

- Naki, não! Não vai conversar com ninguém.

- É claro que vou, você precisa voltar.

- Funaki! – Dinah se afastou para a olhar. – Ele ficou quieto e deixou acontecer, mais uma vez. Milika não está errada, eu simplesmente não tenho um lado.

- Isso não é verdade, nada do que ela disse é.

- Pode até não ser, mas ele, com certeza, não está do meu lado. Acabou pra mim.

- Não diga isso – ela negou chorando.

Pela porta aberta, Alejandro entrou com uma Sofia chorosa no colo e os gêmeos na frente, que já foram atacando a irmã mais velha. Camila até se levantou para Kamila sentar em seu lugar e a abraçar direito, mas eu me limitei em chegar para o lado, dando espaço para Kaukava, mas sem deixar minha namorada. Prometi que não a deixaria e fiz questão de cumprir a cada momento.

- O que aconteceu lá? – observei Camila perguntar aos pais.

- Funaki discutiu feio com Milika, depois Alejandro também, mas ela não ouviu ninguém. Nem queria deixar eles virem ver a irmã, mas Funaki saiu correndo e eu e Lauren só alcançamos pelo carro, enquanto Alê buscou os mais novos – Sinu explicou.

- Ela não me deixou trazer Seth e Regina para, pelo menos, se despedirem da irmã! Acredita nisso? – Alejandro dizia revoltado. – E Gordon só abriu a boca para me mandar parar de gritar com a esposa dele! Ele defendeu a esposa ao invés de mim que sou melhor amigo desde o útero e, pior, defendeu aquela bruxa ao invés da própria filha! Eu quero que os dois vão para o inferno!

- Alê! – Sinu chamou sua atenção e apontou para os quatro irmãos abraçados ao meu lado, os quais todos choravam, mas nenhum como Dinah. – Ainda está assustando sua filha, olha como ela está.

- Vou subir e acalmá-la – o homens respirou fundo olhando o bico enorme de Sofia e fechou a porta antes de subir as escadas.

- Você precisa falar com a mamãe, DJ – Kamila suplicou. – Diz que ta curada e só finge, sei lá. Qualquer coisa pra ela te aceitar de volta em casa.

- Ka... Não posso fazer isso.

- Por que não? – dizia indignada. – Se escondeu por tanto tempo, é só continuar. Você não quer ficar com a gente?

- É claro que quero!

- Então faça alguma coisa! Você nunca nem tentou, Dinah! Você precisa tentar, por favor, volta pra casa! Não posso ficar sem você, por favor... – Dinah agarrou a irmã que começou a se debater contra ela e implorar diversas vezes para que não a abandonasse e fizesse de tudo para voltar.

Todos na sala choraram juntos vendo uma criança tão desesperada. Era horrível o que os próprios pais tinham causado a eles e eu nem gostava de pensar em como Dinah sairia dessa situação.

Demorou até que Kamila se acalmasse e os quatro acabaram chorando juntos por longos minutos. Aquilo foi quase uma tortura de assistir, então para eles deveria ser bem pior. Evidentemente, eram muito apegados e a dor que sentiam nem podia ser medida, mas poderia ter sido totalmente evitada com um pouco mais de respeito, algo simples. O momento só parou quando Dinah começou a tossir muito e os mais novos se afastaram preocupados. Com isso, subi as pernas no sofá, de forma que pude me aproximar para estar totalmente ao seu lado sem tirar Kaukava que estava em pé bem na minha frente, e comecei a acariciar suas costas e mãos, mas a situação piorou quando ela começou a ficar sem ar.

- Meu senhor! Ela ta engasgada, vou pegar água e um calmante forte – Sinu saiu andando em direção a cozinha.

- Dinah, respira fundo e tenta se acalmar – Funaki pediu.

- Tiger, por favor, respira – Lauren foi para trás do sofá e segurou seus ombros tentando demonstrar apoio.

Todos começaram a falar juntos para ela se acalmar e respirar, enquanto continuei quieta observando seu rosto cada vez mais vermelho e ela tentando, inultimente, puxar ainda mais ar.

- Ela não ta respirando, precisamos levar pro hospital! – Kaukava disse desesperado.

- Ela não precisa de hospital, só precisa se acalmar – falei pegando o rosto de Dinah com as duas mãos e o virando para mim até colar nossas testas e poder acariciar a face e nuca. – Babe, respira devagar e fundo, só assim vai ter ar de volta. Estou aqui com você, ok? Apenas respire.

- Aqui a água! Ela consegue tomar? – ouvi a voz de Sinu próxima, mas nem a olhei.

- Por favor, respira com calma – me afastei minimamente para olhar Dinah. Ela era a última pessoa que merecia passar por isso. – Dih, abre os olhos – ela negou. – Por favor, olha pra mim – ela os apertou mais. – Sou apenas eu, amor, eu e você. Olhe pra mim. Sei que dói, que parece que perdeu tudo e a vida acabou, é realmente desesperador, mas você precisa abrir os olhos. Por favor, abra para mim. Não tenha medo, somos só nós duas, vai ficar tudo bem. Olhe pra mim – lentamente, suas pálpebras foram subindo e deram algumas piscadas até nossos olhos finalmente se encontrarem. O par castanho, como o tronco de um lindo pinheiro, e profundo, como o oceano, carregava toda inocência e amor de uma pessoa pura. Mesmo com o sofrimento, o choro e a vermelhidão consequente, ainda podia ver a beleza da mulher doce que eu amava. – Apenas respire devagar. Só se concentre em respirar agora. Junto comigo – comecei a puxar o ar com calma para que ela me acompanhasse até que seu pulmão fosse controlado e o corpo fosse se acalmando. As lágrimas não pararam nem por um segundo, mas, assim que sua respiração regularizou, estiquei minha mão e só recolhi ao ter o copo colocado nela. – Bebe, vai te ajudar – levei o objeto a sua a boca, derramando o liquido com lentidão.

- Isso é horrível – ela fez uma careta assim que terminou, sem desviar nossos olhares por nem um segundo.

- É água com calmante – a mais velha do local explicou.

- Tia Sinu é a tia dos calmantes – ouvi umas risadinhas pelo comentário do menino, mas continuei atenta em Dinah, deixando que nos afundássemos na nossa bolha.

- Eles precisam ir – ela disse e eu assenti disposta a fazer tudo que ela quisesse.

- Ok.

- Antes que ela venha aqui brigar com eles.

- Ok – me permiti a olhar por mais um segundo antes de virar para os mais novos. – É hora de vocês irem.
- Apenas não.

- Funaki, se vocês não irem, sua mãe vai ficar puta e vir aqui brigar e gritar mais. Ninguém aqui precisa disso agora, principalmente vocês quatro.

- Não vou deixar minha irmã.

- Vai ajudá-la mais voltando pra casa.

- Não posso. Não posso voltar sem a Dinah, não sei fazer isso. Ela é o cérebro, ela mantém tudo no lugar, ela cuida da gente, das contas, da casa, de tudo. Ela cuida de mim. Não posso voltar pra casa sem ela.

- Você vai ter que poder.

- Eu simplesmente não po...

- Você pode – Dinah virou para irmã e segurou seu rosto. – Vai voltar e ignorar papai e mamãe para não brigar. Por mais que sinta vontade, não vai abrir a boca. Vai contar uma história bonita para o Seth e Regina, ela gosta de histórias de princesas. Invente uma se for preciso, mas tem que ser uma inteligente, porque ela percebe as minúcias e não dorme antes de saber o final, precisa fazer sentido. Quando ela perguntar o que aconteceu, porque ela vai, precisa dizer a verdade, mas não traumatizar a garota. Diga que prometi voltar pra buscar ela e vamos brincar de boneca e vou deixar que puxe meu cabelo. Depois lembra de enrolar uma coberta no Seth, porque ele se mexe, tira e acorda gripado, mas mamãe não lembra disso quando está muito nervosa ou muito triste por algo e hoje ela vai estar super brava, então você precisa fazer. Depois vai ficar com esses dois e dormir no mesmo quanto que eles e os menores. Entendeu? – ela assentiu rapidamente. – Então vai.

As duas ficaram de pé rápido e deram um abraço forte. Queria poder levantar imediatamente e ir até Milika matá-la. Porra!

- O que você vai fazer? – Funaki perguntou ainda no abraço.

- Vou dar um jeito, não se preocupe, vai ficar tudo bem.

- Promete?

- Prometo – a soltou e se virou abraçando Kamila e, depois, Kaukava.

- Desculpa não ter te protegido como prometi, DJ.

- Está tudo bem, Kau, você fez tudo certo – deu um beijo na cabeça do menino e o soltou. – Vão que já é perigoso esse horário.

- Vou levar eles e já volto – Lauren se dispôs.

Observamos os quatro saírem em silêncio. Camila foi até a base da escada, ao lado da porta, e afastou a pequena cortina ali, olhando pela janela um tempo. Dinah ficou a encarando apreensiva até que ela se virasse.

- Eles já foram – as palavras mal terminaram de sair da boca da latina e Dinah já havia caído no sofá e voltado a chorar alto.

Eu segurei seu corpo com força e Camila veio a abraçar também. A pior parte era não poder fazer nada para que ela melhorasse.

- As crianças já foram? – ouvi os passos de Alejandro se aproximando de nós.

- Lauren os levou. E Sofia? – Sinu respondeu ao nosso lado.

- Apagou. Isso é um absurdo, olha como a menina está.

- Eu dei um remédio forte, ela vai apagar logo.

- O que eu vou fazer agora? – a voz de Dinah chorando se fez presente. – Eu não tenho nem roupas, não tenho pra onde ir.

- É lógico que tem... – Camila começou.

- Você vai ficar comigo – falamos juntas e, imediatamente, nos olhamos irritadas.

Era só o que me faltava. Absolutamente nada fazia mais sentido do que Dinah ir para minha casa, comigo. Afinal, éramos namoradas e eu poderia cuidar muito bem dela. Isso nem deveria ser discutido.

- Camila, isso nem faz sentido.

- É lógico que faz, somos a família dela – se virou para os pais. – Dinah vai ficar com a gente, não é? Vocês são padrinhos dela, então são tipo segundo pais. Na falta dos dois, a responsabilidade é de vocês, então Dinah fica. Certo? – eles se entreolharam e a latina pareceu mais irritada. – Certo?

- Sim, Camila – Alejandro concordou. – Nós cuidamos da Dinah e aqui é a casa dela, mas, depois de tudo que aconteceu, não vamos a forçar a nada. Você é livre pra escolher, DJ.

- Ok, então ela vem comigo – falei e Dinah me olhou apreensiva. Caralho, era só o que me faltava. – O que?

- Eu só estou tão cansada – sua voz saiu tão fraca que me senti quebrada outra vez.

- É o remédio, ela precisa descansar e não tomar decisões – Sinu disse. – Camila, sobre e arruma o colchão no chão do seu quarto pra ela e amanhã pensamos sobre o resto.

- Não vou a lugar nenhum – a latina me olhou desconfiada me fazendo bufar.

- Não vou a levar embora a força, Camila.

- Está bem! Mas eu já volto.

Voltei a me agarrar em Dinah enquanto sua amiga subiu. Ela deitou a cabeça na curva do meu pescoço e nem ousamos nos mexer mais. Em algum momento, Lauren voltou e a abraçou também, mas acabei perdendo a noção do tempo. Quando Camila a chamou para subir, ela tinha entrado em total estado de letargia. Seu corpo estava ali, mas ela, com certeza, não, pois nem se movia. Assim, acabei tomando controle da situação e levantei, trazendo seu corpo junto e a conduzindo até o cômodo de frente ao topo da escada.

O quarto branco e rosa da Camila era muito pequeno, tinha apenas um beliche tampando a janela, uma mesinha de estudos ao lado, guarda roupa e uma caixa de brinquedos. Um colchão de solteiro no chão já ocupava todo espaço livre e a cadeira da mesa teve que ser movida para cabê-lo. Sofia dormia na cama de cima e, por isso, tentei ser o mais silenciosa ao pedir uma roupa para Camila, que saiu depois de me entregar dizendo que nos daria privacidade. Com todo cuidado, tirei as sandálias, vestido e sutiã de Dinah e a vesti com o short e blusa de pijama da melhor amiga. O tempo inteiro, ela me encarava com o olhar vazio e sem vida, muito diferente do natural cheia de alegria de sempre. Finalizei deixando um beijo em cada lado de suas bochechas, olhos, nariz e, por último, a testa, antes de deitá-la no chão, deitar ao seu lado e esticar o cobertor que estava ali sobre nós. Ela se agarrou em mim como um bebê e chorou silenciosamente até dormir. Não faço ideia de quantas horas passei a observando aquela noite, mas meus olhos só saírem de sua face quando Camila voltou para o quarto muito tempo depois.

- Ei, já é de madrugada e Lauren está terminando de lavar umas louças para ir embora, mas pediu pra lembrar que, se seu carro passar a noite lá fora, não vai amanhecer.

- Tudo bem, já estou indo e aproveito pra levar ela.

- Ok. Como Dinah dormiu?

- Chorando.

- Me desculpa se fui grossa com você, Mani, mas Dinah é minha irmã, nós crescemos juntas. Não consigo imaginar ela longe de mim, ou ficando em algum lugar que não seja aqui nesse momento, principalmente, se for do outro lado da cidade.

- Está tudo bem, Mila, eu entendo. Nós duas a amamos e só queremos o bem dela.

- Você a ama mesmo? Porque ela já passou por muito mais do que merecia e eu não aguentaria vê-la sofrer, mas sei que vai sem você. Ela estava aguentando tudo, sabe, Mani? Todos os abusos da mãe. Mas, no dia em que terminaram, eu vi minha irmã entrar no seu carro com vida e sair sem nada, vazia, um zumbi. Ela ficou doente pela primeira vez em anos e depois ficou de novo na semana passada quando você apareceu na Igreja e foi embora. Só não a levamos para o hospital porque a madrinha se recusou a deixar, mas ela ficou com febre e vomitando uns dois dias. Então, por favor, se não a ama tanto quanto sei que ela te ama, apenas vá embora agora.

- Ela te disse que me ama?

- Não precisou. Nenhuma de vocês precisam dizer, mas, com você, preciso checar.

- Eu a amo com toda minha vida, Mila. Faria qualquer coisa por ela. É o sentimento mais leve, puro e genuíno que já experimentei, acredite. Eu nunca a machucaria.

- Tudo bem – sorriu levemente. – Bom saber.

- Posso voltar para vê-la amanhã? – me soltei de Dinah e levantei com cuidado para que não acordasse.

- Com certeza. Meus pais foram deitar faz tempo, mas pediram pra te dizer que pode vir aqui qualquer dia e hora que quiser, vocês estão livres. Poderia até dormir com ela, se não fosse a bomba relógio prestes a ser roubada da sua Mercedes ali fora.

- Obrigada, agradeça eles por mim.

- Quer comer antes de ir? Fizemos macarrão.

- Não, obrigada. Tenho uma reunião com alguns investidores pela manhã, mas pode dizer a Dinah que venho assim que terminar e que é pra ela me responder no celular? Irei mandar mensagem.

- É claro.

Camila me acompanhou até a porta, onde destroquei de casaco com Lauren antes de a levar até em casa. Ainda não gostava nem um pouco de estar indo embora sem Dinah, mas, pelo menos, agora sabia que ela estava segura. Além do que, era bom não ficar irritada com Camila, afinal, nós duas só queríamos o bem da loira.

- Você está bem? – Lauren perguntou enquanto eu dirigia.

- Vou ficar quando Dinah estiver. Obrigada por tudo, Laur, você é a melhor amiga que alguém poderia ter.

- Eu sei, sou mesmo – deu um sorriso tão fofo que quis mordê-la. – Mas então, como foi o sexo? – gargalhei alto com sua aleatoriedade.

- Você não existe! Não sabe ser fofa por um momento? E como sabe que transamos?

- Camila passou o dia falando ter certeza que era o que vocês estavam fazendo e, enquanto o pau quebrava, ela só sabia olhar para as unhas cortadas da Dinah. Também tem o fato de vocês duas estarem com chupões.

- Sério? Que porra, nem percebi que ficamos marcadas. Mas foi por isso aquele risinho malicioso que a Camila estava?

- Ela não sabe disfarçar. Mas e aí, foi bom? – sorri vendo que já chegávamos na casa da branquela.

- Tchau, Laur – parei o carro bem em frente.

- Não vai me contar?

- Não. Dinah é sua amiga antes de mim, ela precisa contar primeiro.

- Ah para, não consigo esperar até ela melhorar para saber isso. Preciso dos detalhes.

- Não vai conseguir de mim – eu até queria contar, e iria em algum momento, mas era bom implicar com Lauren e a deixar nervosinha primeiro. A expressão indignada que ela tinha agora fazia valer a pena.

- Por que? Eu te conto todos os detalhes do sexo com a Camila.

- Eu nunca pedi por isso. Agora sai do meu carro, tenho reunião amanhã cedo e você tem aula.

- Sério?

- Sério.

- Odeio você! Não é assim que se trata a melhor amiga que alguém poderia ter – saiu emburrada sem nem dar um tchau, me fazendo rir alto.

Naquela noite, voltei para casa torcendo para que as coisas começassem a se ajeitar. Não sei como, mas implorei ao universo que, dessa mudança brusca e horrível, algo de bom viesse.

Everlasting Love - NorminahOnde histórias criam vida. Descubra agora