Capítulo XL - Briga

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Notas: gente, tentem não ficar com raiva das personagens nesse capítulo, ok?

Música: Last Night - P.Diddy feat Keyshia Cole


* * *


- Gente, não esqueçam a mochila de vocês no porta malas – Dinah avisou assim que Normani estacionou no prédio onde moravam, enquanto abaixava para, finalmente, colocar seu salto.

Normani já saiu do carro abrindo o porta malas e vendo os mais novos pegarem suas coisas. Kamila foi a única que, enrolada como a irmã mais velha, deixou seu celular cair e, ao abaixar para pegar, caiu também a mochila que acertou o aparelho para debaixo do carro.

- Ei, deixa eu te ajudar – Normani abaixou para pegar a bolsa que logo foi puxada para longe de si.

- Não toca nas minhas coisas – disse um tanto rude enquanto se esticava para alcançar o celular.

- Ok – se afastou querendo respeitar o espaço de uma criança que acabava de sofrer um trauma.

Porém, Funaki não via do mesmo jeito e, assim que a irmã a olhou, deu de cara com sua sobrancelha arqueada e o olhar reprovador. Definitivamente, o clima estava pesado entre cada um.

- Vamos? – Dinah pediu ao ver o carro todo fechado e o alarme ser ativado.

Andaram em direção ao elevador em silêncio total e com o ar tenso. Absolutamente nada teria aliviado, se não fosse a inocência de Kaukava focando na única coisa que o importava:

- Caramba, isso aqui parece um shopping de carrão. Aquilo é uma Lamborghini?

- Sim, é de uma mina do sexto andar – Normani respondeu ao olhar na direção em que ele apontava.

- E aquele ali? Ferrari?

- É, você é bom nisso.

- Aprendi nos jogos de celular. Caramba, cada um custa milhões! Aquele é um...

- Kau, dá uma segurada – Funaki pediu sem paciência pela situação, o que logo desanimou o irmão. Podia também estar um tanto impressionada, mas o cansaço e a preocupação eram maiores. Ao contrário dos dois, Kamila mantinha seu olhar baixo e a cabeça em seus pais, pois não queria estar ali e orava para que fosse realmente apenas uma noite e no dia seguinte voltassem para casa. Contudo, nenhuma tristeza foi o suficiente para que impedissem a boca dos três de caírem ao entrarem no apartamento e Dinah acender a luz enquanto Normani trancava a porta. – Uau!

- Caramba, DJ, você tá realmente morando aqui? Ficou rica! – foi impossível para Dinah não estampar um sorriso triste com a fala do irmão enquanto o abraçava de lado.

- Quem me dera, Kau, todos nossos problemas seriam resolvidos.

- Como se realmente se importasse com os nossos – Funaki pensou alto.

- O que você disse? – Dinah a olhou irritada.

- Ok, vamos subir e vou mostrar o quarto pra vocês descansarem – Normani interrompeu antes que a namorada ficasse transtornada novamente, fazendo com que a seguissem para o quarto de hospedes e mostrou toda a suíte a eles. – Tem mais um colchão embaixo da cama e outro banheiro lá embaixo, se precisarem.

- Obrigada, Mani – Funaki sorriu deixando sua mochila em cima da cama enquanto os mais novos sentavam e virando para as duas mulheres paradas próximas a porta. – Só essa cama enorme já daria para nós três, obrigada por nos deixar ficar aqui.

- Não precisa agradecer. Vocês jantaram? Posso pedir uma pizza.

- Não, eu to morrendo de fome – Kaukava respondeu ao mesmo tempo que a irmã:

- Não precisa – Funaki lançou outro olhar reprovador ao menino.

- O que? Os caras chegaram antes do jantar mesmo – se defendeu.

- Não precisa se preocupar com isso, Mani.

- Relaxa, ok? Eu e Dinah também não terminamos de jantar, todos precisamos comer.

- Que horas voltamos para casa amanhã? – Kamila perguntou sem se importar com aquela conversa.

- Cedo – Dinah respondeu. – Preciso deixar vocês na tia Sinu antes de ir trabalhar, então vamos praticamente quando o sol ainda estiver nascendo.

- E se papai não conseguir a casa de volta amanhã, DJ? Voltamos pra cá?

- Isso não vai acontecer, Kau – sua gêmea o olhou irritada.

- Se acontecer, também não é problema da Dinah, mas nós daremos um jeito, ok?

- É claro que é problema meu – a loira revirou os olhos já perdendo a paciência com Funaki. – Não vamos pensar nisso ainda, está bem? Mas, de um jeito ou de outro, vou garantir que vocês fiquem bem, prometo.

- Não prometa isso a eles, porque sabe que não vai cumprir depois.

- Em qual momento deixei de cumprir minhas promessas, Funaki?

- Talvez algumas horas atrás – respondeu como se fosse óbvio.

- Vai começar com isso de novo? Eu já pedi desculpas! Quer que eu peça novamente? Desculpa por não ter chegado antes.

- Não se desculpe por estar no seu jantar, Dinah. Só não prometa que vai fazer algo a eles, que são praticamente crianças, porque despejos não são mais problemas seus agora que mora nesse apartamentozão e vive uma vida perfeita. Não precisa fingir que se importa.

- O que você ta falando? Está doida? É claro que me importo!

- Então por que não estava lá? – esbravejou com mágoa.

- Eu estive quando vi a droga do meu celular, Funaki! – respondeu no mesmo tom. Dinah já não era a pessoa paciente de sempre e, ainda com os ânimos aflorados, estava perdendo o controle rapidamente. – De onde está tirando essas coisas? Fui expulsa de casa literalmente só com a roupa do corpo e encontrei pessoas que me amam e me ajudaram, isso não é ficar rica, sua idiota! Acha que gosto disso? De depender dos outros até pra ter o que vestir? Claro que não! Eu não vivo droga de vida perfeita nenhuma e sabe disso. Só cometi o erro de desligar o meu celular na hora errada, mas isso não significa que não me importe! Eu só não tinha como imaginar o que aconteceria!

- Mas tinha que cometer um erro logo hoje? – gritou não conseguindo mais segurar as lágrimas que tentou evitar a noite inteira. – Você nunca comete e logo hoje! Quer saber? Só me deixa em paz, Dinah!

- O que? – seus olhos se arregalaram e ela se aproximou da irmã com revolta. – Agora não quer mais falar comigo? Não estou te entendendo, Funaki.

- Você deveria ter estado lá! Não entende? Você é a filha perfeita que saberia exatamente o que fazer quando o banco chegou com a polícia, não eu! Fiquei lá parada com cara de taxo sem entender o que acontecia, porque é seu papel entender, sempre foi, mas você não estava lá hoje! Deveria ter estado, mas...

- Mas nada, Funaki! Eu não deveria porra nenhuma! Estou exausta disso. Gordon deixou Milika me espancar porque eu não cumpri as expectativas de boa filha dele, depois Milika me expulsou de casa porque não cumpri as expectativas de boa filha hétero dela e agora você não quer mais falar comigo porque não correspondi as suas expectativas de boa irmã que resolve tudo? Pelo amor de Deus! Todo mundo aqui comete erros o tempo inteiro e eu não posso? Chega disso! Eu não sou perfeita, nunca fui e, definitivamente, não estou aqui pra ser. Esse papel não é meu!

- É o que você pintou ser sua vida inteira...

- Não! – a interrompeu novamente. – É como vocês me pintaram a vida inteira. Sinto muito quebrar suas expectativas, mas nunca fui nada disso e você era a última pessoa de quem eu esperava essas cobranças.

- Parece que estamos as duas decepcionadas então – deu de ombros como se não fosse nada, o que mais magoou a irmã.

- É, parece – Dinah deu as costas e saiu andando, passou pela namorada, que assistia a briga encostada na porta, e foi para seu próprio quarto querendo se esconder.

Normani respirou fundo olhando as crianças visivelmente destruídas em sua frente sem saber o que fazer, mas sentindo seu peito doer por cada um. Funaki permanecia com as mãos na cintura e os olhos apertados como se tentasse acalmar suas lágrimas, enquanto os gêmeos encaravam o chão com tristeza. Eram apenas crianças que haviam perdido muito repentinamente e não teriam nem o colo dos pais para os acalentar depois um dia difícil, ou seja, nada justo. Entendeu que no momento também não havia nada que ela poderia fazer, então decidiu pelo menos os dar espaço.

- Se precisarem de algo, chamem, ok? Aviso quando a pizza chegar.

- Obrigada, Mani – Kaukava agradeceu antes de a ver seguir o mesmo caminho que sua irmã.

- Dih... – Normani chamou suavemente ao fechar a porta do seu quarto e encarar Dinah jogada na cama com o rosto enfiado no travesseiro. – Me diz que há algo que eu possa fazer por você, por favor.

- Só quero ficar sozinha – respondeu com a voz abafada.

Normani suspirou com tristeza pelo estado da garota e concordou antes de se retirar para o banheiro. Pediu a comida com esperanças de quem alguém além dela ainda aceitasse se alimentar e tomou um banho demorado para dar tempo suficiente para a namorada se acalmar antes de voltar ao quarto. Contudo, assim que saiu do banheiro, Dinah passou voando para dentro e trancou a porta, deixando claro que ainda queria ficar sozinha. Para Normani só restou respirar fundo com a certeza de que seriam dias difíceis, o que se concretizou ainda mais quando, após alguns minutos, desceu para aguardar a comida e, logo da escada, viu uma Funaki chorando encolhida no sofá.

- Ei – chamou suavemente ao se aproximar, fazendo com que a mais nova levantasse em um pulo.

- Mani, me desculpa. Eu só desci pra tomar banho aqui embaixo, porque os gêmeos enrolam muito, mas quando saí quis ficar um pouco sozinha e acabei aqui – disparou a falar em um fôlego só. – Desculpa.

- Funaki, respira. Está pedindo desculpas por sentar no sofá? Isso nem tem cabimento.

- Não, mas que tipo de pessoa chora no sofá da Normani Kordei? – disse tentando secar as lágrimas que não paravam de cair e causou uma pequena risada na mais velha.

- Pare com isso. Quer ficar sozinha?

- Claro que não, é sua casa, não posso pedir pra ficar sozinha.

- Você é igualzinha sua irmã mesmo. Perguntei o que quer, Naki, esqueça o resto.

- Eu acho... – abaixou a cabeça um tanto insegura. – Acho que gostaria de um pouco de companhia.

- Tudo bem – sorriu carinhosamente antes de sentar ao lado da menina e cruzar as pernas em cima do sofá. – Quer conversar?

- Não sei se tenho muito o que falar – Normani apenas concordou e deixou que permanecessem quietas enquanto admiravam a vista que a parede de vidro fornecia por minutos. – Eu fui uma escrota com a Dinah, não é?

- Não sei se escrota seria uma boa definição.

- Eu acho que seria, mas só... Só queria que ela estivesse lá, entende? Eu precisava dela.

- Entendo, Naki, mas não a culpe por isso. É minha culpa – Normani olhou para seus olhos tentando passar confiança. – Dinah nem queria ir naquele jantar hoje e eu quem insisti pra aproximar ela da minha família e conhecer a parte que faltava. Queria que todos se gostassem.

- Eles não se gostam? Nem sabia que ela já conhecia sua família.

- Minha mãe e irmã mais velha sim, mas ela e minha mãe se conheceram em um momento complicado e Andrea foi horrível com ela. Eu queria consertar isso.

- E conseguiu?

- Não, acho que piorei e ainda fiz vocês ficarem de mal. Por isso, por favor, culpe a mim e não Dinah, porque se não tivesse tão concentrada em agradar minha família por mim e por se importar comigo, ela teria estado lá na primeira vez que ligaram. Ela iria até o inferno por você e seus irmãos, não por obrigação ou por ter sido criada como a responsável, mas porque vocês são a vida dela. Então, acredite, ela queria ter chegado mais cedo hoje.

- Sei disso... – suspirou abaixando a cabeça com tristeza. – Nem acho que ela tenha cometido um erro, mas eu quem precisei de alguém pra culpar e gritar e não posso fazer isso com meus pais. Acabei descontando na pessoa errada. Enfim, não tem desculpa, é? Só fiz merda.

- Todo mundo faz as vezes. Merda acontece.

- Normani, você disse para eu te culpar e não a ela, mas faria isso? Tomara a culpa de qualquer coisa por ela?

- Isso não é nada, Naki, só fui sincera. Eu faria qualquer coisa por ela – respondeu sem nenhum receio.

- Não é pesado amar alguém tanto assim?

- Acho que esse é o mais legal sobre o nosso amor: é a coisa mais leve que já senti – elas sorriram um para outra pela sinceridade de Normani, mas, antes que qualquer outra coisa pudesse ser dita, foram interrompidas pelo barulho do interfone ecoando pela sala. – Deve ser a comida. Sobe e chama seus irmãos, por favor?

- Claro.

Aquela noite tiveram a refeição mais quieta de suas vidas. A única vez que alguém abriu a boca foi quando Funaki anunciou que Kamila se recusava a comer por querer dormir para o tempo passar mais rápido e estar em casa logo. Assim, comeram em silêncio, mas com a mente de cada um gritando. Tanto Dinah, quanto Normani, sabiam que os Hansen tinham chances quase nulas de recuperar a casa no dia seguinte, porém, não podiam desiludir os mais novos que vendiam esperança no olhar. Para a loira, o saber ainda era carregado de uma dor enorme por não fazer ideia do que aconteceria com sua família e a situação lhe gerava um sentimento que pouco conhecia, mas que nos últimos tempos fazia morada no seu coração: raiva.

Ao terminarem, Dinah levou seus irmãos para o quarto, onde conversaram por um tempo e prometeu que os acordaria cedo no dia seguinte, já que ainda precisava trabalhar e o caminho até o outro lado da cidade era grande. Quando finalmente pode se recolher daquele dia exaustivo, encontrou a namorada no banheiro da suíte terminando sua higiene bucal.

- Você falou algo com Funaki? – questionou parando no batente da porta que dividia o cômodo do resto do quarto.

- Por que?

- Ela já me pediu desculpa muito rápido. Ainda disse que você era especial.

- Nós conversamos um pouco antes da pizza chegar – deu de ombros secando a boca e se virando para a mais nova que a encarava. – O que foi?

- O que conversaram?

- Falei que era minha culpa você estar tão focada no jantar e, por isso, não chegou antes, então ela não deveria te culpar.

- Não deveria ter feito isso.

- É a verdade – observou a mais nova soltar um suspiro exausto com sua resposta.

- O pior é que... Quer saber? Esquece.

- Fala.

- Não, deixa pra lá – deu as costas.

- O que é o pior, Dinah? – a seguiu até estarem próximas da cama e Dinah começar a ajeitar inutilmente o travesseiro do lado que nem era o que ela dormia.

- Nada.

- Se começou, termina.

- Ok – se virou parecendo revoltada. – O pior é que realmente é verdade. Eu estava tão focada em parecer certa pra sua família que esqueci da minha. Deveria ter estado com os meus e não em um jantar em que ainda acabei estragando mais ainda as coisas, como sempre.

- O que está dizendo? – arqueou uma sobrancelha pela forma rude como Dinah falava.

- Que tentei conquistar sua família e focar nela, por você, mas agora eles me odeiam mais ainda.

- Isso não é verdade.

- É sim, Normani! – ambas ficaram surpresas pelo tom elevado, mas a loira já aceitava que não podia controlar absolutamente nada da sua vida e nem tinha condições de tentar se segurar. – Eu sabia que esse jantar era uma péssima ideia e realmente foi, nunca deveria ter ido!

- Não tínhamos como adivinhar o que aconteceria hoje.

- Mesmo se não tivesse acontecido nada, não é o meu lugar! Você não entende, não é? Fomos de uma casa onde tomávamos vinho que custa mais do que um salário para uma em que as pessoas estavam sendo despejadas e perdendo tudo. Eu, definitivamente, não pertenço ao primeiro lugar.

- Isso não tem nada haver.

- Tem sim! Tem tudo haver.

- Ok, sei que foi uma noite difícil, mas...

- Chega de mas! – gritou. – É isso e ponto. Não arranje desculpas, só foi difícil, mas é assim que as coisas são, Normani. Eu posso lidar com o difícil, mas o que não suporto é continuar decepcionando as pessoas. Decepcionei sua família, depois a minha e, admita, decepcionei você também.

- De onde tirou isso?

- Do vinho na roupa da sua mãe!

- Você realmente acha que liguei? Para com isso! – os ânimos já estavam exaltados e elas nem percebiam que tinham a primeira briga já sendo feita aos berros. – Você não decepcionou ninguém. Sua irmã admitiu que errou contigo e eu nunca ligaria para o que houve na casa dos meus pais. Se me conhece bem, sabe disso.

- Não é tão simples. Droga! Eu deveria ter chegado lá antes e não cheguei.

- Isso de novo, Dinah? Não teria mudado nada! Você não pode resolver todos os problemas da sua família.

- Mas posso, pelo menos, estar lá por eles e não estava.

- Por minha culpa
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- É, por você! – ao mesmo tempo em que as palavras saírem de sua boca, o arrependimento acertou seu peito com uma faca, mas era tarde demais para que conseguisse ficar quieta.

- Sabia que queria dizer isso – sorriu com pesar. –  Não entendo porque está agindo assim. Nós...

- Agindo assim como? Não estou correspondendo as suas expectativas também?

- Dinah, vai com calma, ok? – sua paciência quase inexistente nunca suportava muito. – Primeiro, abaixa seu tom de voz e não venha gritar comigo. Segundo, já deu de brigas por hoje.

- Aparentemente, não deu não – se Dinah queria irritar mais a namorada, o tom irônico foi chave de ouro.

- Então pegue essa sua raiva, a culpa que jogou em mim e vontade de brigar e vá gritar com quem realmente te causou isso, não comigo, porque eu vou dormir.

- Ah vai ser assim?

- Sim! – passou pela mulher indo em direção ao closet.

- Ótimo! Vou dormir no sofá.

- Sério, Dinah?

- Sério, Normani! – pegou seu celular e saiu em passos duro, batendo a porta do quarto ao se retirar.

- Porra, Dinah! – Normani gritou com raiva enquanto se recostava no batente da porta do closet e tentava entender o que havia acabado de acontecer.

No corredor, Dinah escorregou pela porta até estar sentada no chão com o rosto entre os joelhos e soltando suspirou rápidos e fortes, como se tentasse colocar pra fora toda raiva que sentia. Nunca ficou tão enfurecida e revoltada. Talvez ira fosse o único adjetivo capaz de a definir no momento e sabia exatamente de quem. Como se toda a fúria pelos pais viesse se acumulando nos últimos tempos e explodido quando eles atingiram as pessoas que ela mais sentia necessidade de proteger, os irmãos. Porém, ela, definitivamente, não sabia lidar com essa sensação e, para além, sabia que Normani nunca seria a causa, então por que descontou tudo na namorada?

- Droga! – sussurrou levantando, indo até o quarto onde os irmãos dormiam e encontrando o garoto com a luz do celular no rosto. – Kau? O que ainda está fazendo acordado?

- Não consigo dormir e você?

- Vim pegar uma coberta.

- Pra que?

- Pra dormir na sala.

- Por que?

- Você faz muita pergunta – caminhou até o armário, de onde tirou coberta e um travesseiro.

- Brigou com a Mani?

- Ouviu algo?

- Não, as paredes aqui são boas, mas pra você ta indo pra sala só pode ser isso – observou a irmã sentar silenciosamente ao seu lado na beira da cama para não acordar as outras.

- Nós discutimos.

- Por que? Não ta cansada de brigar hoje?

- Ela disse quase a mesma coisa – soltou uma risada amarga. – Quando virei essa brigona?

- Não acho que isso seja ruim. Você assim cuidou da gente, mesmo precisando enfrentar papai e mamãe. Obrigada por isso.

- Não foi nada, Kau.

- E Funaki foi idiota com você, ainda bem que já pediu desculpas. Então, você estava certa em brigar com quase todo mundo, só não consigo imaginar Normani te fazendo mal pra estar também, ela quase lambe o chão que você passa.

- Não é assim – sorriu negando a última frase do menino. – Você está esperto demais pra quem tem só 12 anos.

- É porque já sou grande.

- Infelizmente. Agora vai dormir, quer que fique aqui até conseguir? – o viu negar e deu um beijo na testa antes de se levantar e caminhar até a porta. – Boa noite.

- DJ? Promete que vai se resolver com a Mani? Não quero vocês igual mamãe e papai. Eles não param de brigar desde que te expulsaram, é horrível.

- Sério? – se surpreendeu quando o menino confirmou. – Não vamos ficar assim, prometo.

- Então boa noite.

A loira fechou a porta e desceu as escadas com desânimo. Se acomodou rapidamente no sofá, querendo apenas encolher o máximo que podia debaixo da coberta até parecer ter desaparecido. Quando não tinha mais como se apertar, deixou se perder observando a vista da cobertura até perceber que seu corpo tremia e as lágrimas desciam silenciosamente, porém, muito fortes. Em poucas horas seu mundo havia desabado, virado de cabeça pra baixo e se tornado um caos.

A cabeça fervia com milhares de palavras e momentos a rondando, desde os dias em que a geladeira de casa estava vazia; as noites que virou estudando tentando se manter após passar o dia trabalhando; a voz da mãe afirmando o quanto precisava de cura, que estragava tudo ao redor, que estava morta para ela e que ninguém seria capaz de a amar; até as últimas horas que viveu. Como se todos seus traumas a atacassem de uma só vez, se perguntou do que valia ter vivido cada um. Acreditava que as mudanças valeriam a pena, que seria capaz de reconstruir e havia pelo o que lutar, pois, assim, tudo daria certo. Mas exatamente quando daria certo e ficaria tudo bem? Quanto dela o mundo ainda machucaria antes do bem? Afinal, quanta dor o ser humano é capaz de aguentar?

Deixou que as dúvidas e a desesperança a ocupassem até que não havia mais lágrimas para soltar. Quis, portanto, dormir e fugir pelo menos por algumas horas da consciência e de todas suas particularidades, mas só conseguiu revirar no sofá por boa parte da madrugada até escutar alguns passos descendo a escada. Olhou para os degraus vendo Normani descer e caminhar lentamente até ela. Por pior que as coisas estivessem, não podia deixar de admirar a beleza no corpo envolvido por um short e blusa de moletom largos e no cabelo solto bagunçado, assim como sentir falta da expressão alegre e sorridente que, agora, era substituída pelo semblante bravo.

Já Normani sentiu seu coração quebrar ao parar em frente a namorada e, com a luz do céu iluminando, conseguir enxergar os olhos avermelhados e úmidos. Queria pegá-la em seus braços e cuidar até que tudo estivesse bem, mas a irritação não a deixava nem se mover. Assim, ficaram se encarando sérias por alguns segundos enquanto o orgulho perpassava em ambos corações.

- Não consigo mais dormir sem você.

Diante do tom seco, Dinah não teve outra resposta além de abrir os braços e levantar a coberta, dando espaço para que ela se aconchegasse. Normani trocou o olhar entre o espaço e o rosto da namorada por um instante antes de decidir que, por hora, era o melhor a fazer do que continuar sem dormir. Assim, deitou no sofá, se aninhou contra o corpo da mulher que amava, abraçou sua cintura, sentiu os braços a contornando, enfiou o rosto no pescoço para inspirar seu cheiro e, por fim, respirou aliviada ao sentir um beijo sendo deixado na testa.

- Acho que também não consigo mais dormir sem você – Dinah confessou com os lábios contra a pele macia.

- Ainda estou puta da vida contigo.

- Eu sei, mas podemos continuar isso depois?

- Não, não quero mais brigar.

- Nem eu.

- Ótimo, então vamos apenas dormir.

- Boa noite, Manz – deixou outro beijo no mesmo local.

- Boa noite – apertou mais o corpo contra o seu e entrelaçou suas pernas.

Em menos de 2 minutos, ambas se encontravam em um sono profundo e Dinah soube que, talvez, o único lugar onde o bem e a esperança estavam era no amor.


P.O.V DINAH JANE

Everlasting Love - NorminahOnde histórias criam vida. Descubra agora