Capítulo XV - Você Nunca Sabe Quando Tudo Vai Dar Errado

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Notas: Gente, eu coloquei título em todos os capítulos umas semanas atrás porque achei que ficaria legal, mas sou ruim com isso, então a maioria é bem auto explicativo, como o de hoje.
Outra coisa, 5H fez 8 anos e eu tô chorosa e sofrendo, ainda fico revendo o vídeo da Dinah dizendo que em 2020 elas ainda estariam juntas me torturando, por isso, a música hoje é delas. Nem é uma das minhas favoritas, mas combinou com o capítulo e escutei essa bastante hoje, então vai ser ela.
Espero que gostem e boa leitura!

Música: Write On Me - Fifth Harmony

(ódio da VEVO que não me deixa colocar o vídeo original, mas assistam pra vocês sofrerem de saudade comigo também, obrigada)


* * *


Na minha concepção, os dias estavam passando rápido demais. Agora que não queria simplesmente pular os meses e me formar logo, torcia para que o tempo se arrastasse e eu pudesse aproveitar cada gota da paixão e tudo que Normani tinha a me oferecer. Nossa primeira semana de namoro foi perfeita, não apenas estávamos ali uma para outra nos gostando da maneira mais linda possível, como também nos apoiávamos em tudo. Eu ensinava o pouco que sabia a ela e vice versa, fazendo nossas conversas serem sempre profundas e completas. Além disso, o respeito, companheirismo e a amizade eram muito presentes. Como sabia que Normani já foi uma pessoa muito machucada, achava indispensável ter todos esses fatores como essenciais e tentava os mostrar a ela o tempo inteiro para a fazer se sentir segura e saber que eu nunca a machucaria. Não que ela tinha demonstrado alguma insegurança em relação a isso, mas eu sentia que estava ali. Assim como sentia, por parte dela, um esforço em acabar com as minhas inseguranças, o que, aos poucos, parecia estar funcionando, principalmente quando estávamos perto.

Normani sabia fazer eu me sentir única, segura e muito especial. Por ser a filha mais velha de 6 irmãos, nunca fui a que recebia mais atenção e cuidados, não que eu me importasse, pois minha preocupação também sempre foram os mais novos. Entretanto, a ter ali me cuidando e me fazendo sentir protegida a todo momento, me fez perceber o quanto sentia falta disso e o quanto era bom. Resumindo, tudo estava perfeito.

Na sexta, Normani foi almoçar comigo outra vez e levou para mim um hambúrguer enorme com fritas, o que agradeci aos céus. Combinamos de sair no sábado a noite para comer pizza e acabamos em outro encontro maravilhoso. Ela me levou até uma pizzaria afastada que tinha um ambiente elegante, pequeno, com uma decoração um tanto rústica e era discreto, o que nos permitia aproveitarmos um momento juntas sem preocupação. Era muito bom a forma como, perto dela, eu ficava com a cabeça fora do mundo, focada apenas nela, e me distraía.

Naquela noite tivemos nossa primeira pequena discussão. Pela primeira vez eu havia tirado um valor mínimo do meu pagamento quando recebi antes de dar aos meus pais e queria usar para pagar a o restaurante, o que nem foi cogitado por Normani. Assim como ela, eu queria ser capaz de nos bancar, de a levar para encontros e dar presentes quando chegássemos a isso. E, mais do que tudo, queria que tivéssemos uma relação justa, pois eu nunca seria o tipo de pessoa que dependeria de alguém. Entretanto, ela simplesmente me ignorou, pagou e me deixou brava.

Depois do pequeno episódio, decidimos parar na praia desertar que havia no caminho e então, em um silêncio gostoso, ficamos olhando o céu limpo, a lua e as estrelas. Aproveitei para admirar cada parte do seu semblante calmo sobre a luz do luar e me apaixonar ainda mais. Normani era linda. Estar recostada entre suas pernas, enquanto ela se apoiava no capô do carro e abraçava minha cintura era como estar no céu. Se eu morresse e o paraíso fosse como aquilo, morreria feliz.

Quando começou a ficar tarde ela resolveu me levar para casa, pois, como meus pais achavam que eu estava com Camila e os dela achavam que ela estava comigo, para não estranharem ela passar muito tempo com Lauren, não podíamos demorar muito e correr o risco de estragar nossas mentiras. Normani claramente as odiava, mas apenas compreendia e parecia entender muito bem meu medo em assumir para os meus pais. Não seria apenas como apresentar um novo namoro, era contar minha sexualidade para minha família super religiosa e conservadora.

- Ainda está brava comigo? – Normani perguntou enquanto dirigia. – Pelo o que aconteceu no restaurante.

Estávamos quase chegando ao meu bairro e eu permanecia em silêncio ouvindo a música baixava que tocava no carro e aproveitando sua companhia pelos últimos minutos. Como sempre, meu peito se apertava ao ter que me despedir dela sabendo que logo estaria com saudade.

- Não. Mas você não pode fazer isso sempre.

- Eu sei o quanto você trabalha pra ajudar sua família, Dih, não quero que gaste com isso.

- "Isso" somos nós, Normani. Eu quero te levar pra sair, te dar as coisas e todos esses clichês. Além do mais, sou uma mulher independente demais pra ficar sendo bancada.

- Tudo bem... Me desculpa?

- Está tudo bem.

- Então por que está tão quieta?

- Estou apenas pensando. Desde que te conheci, tudo ficou mais feliz e queria poder dividir isso com a minha família. Nós sempre fomos unidos, sabe? É estranho esconder algo.

- Qual você acha que seria a reação deles se soubessem sobre você?

- Não faço ideia Manz, de verdade. Gosto de pensar que eles aceitariam, continuaríamos a mesma família feliz de sempre e você se juntaria a nós para os almoços de domingo. Mas então lembro o quanto são religiosos e todo ódio que já ouvi na Igreja. Simplesmente não sei.

- Fora de igreja, você sabe o que seus pais pensam sobre essa questão no geral?

- Acho que nunca conversamos sobre – respondi pensativa sem conseguir me lembrar de algo.

- Vai sondando babe, faça perguntas discretas sobre o assunto e veja o que eles acham. Começa pela sua irmã que é mais aberta e já sabe sobre Camila. Você ainda disse que ela é minha fã e nunca pareceu ter problemas com a minha sexualidade, então talvez realmente seja de boa com isso. Tenta entender melhor eles e, a partir disso, vamos vendo o que fazer aos poucos.

- Você acha que consigo ser discreta?

- Sim – sorriu brincalhona. – Como uma granada.

Gargalhei me aproximando do seu corpo e deitando a cabeça no seu ombro. Normani também riu enquanto deixou um beijo na minha testa antes de virar na entrada do meu bairro. De longe, pude observar um casal se beijando na calçada e forcei um pouco a vista para me certificar de quem eram.

- Aquelas não são Lauren e Camila? – Normani também as viu.

- Parece, vamos mexer com elas – pedi animada.

Ela logo parou o carro em frente as meninas e apertou a buzina com força, as fazendo saltarem para longe uma da outra assustadas.

- Ei casalzão – abri a janela rindo do susto.

- Vai se foder, Dinah! Quer me matar do coração? – Lauren esbravejou e apenas ri mais.

- Não achava que era possível você ficar ainda mais branca Laur, mas assustada pareceu o Gasparzinho – Normani a zoou com o corpo esticado para também ficar próxima a janela.

- Vai se foder você também, Normani! – respondeu emburrada enquanto eu e Camila riamos.

- Onde vocês duas estavam? – Mila perguntou abraçando a namorada de lado.

- Nós fomos jantar – respondi e Lauren sorriu maliciosa.

- E Normani comeu, ou ainda está faminta?

- Vai pro inferno, Jauregui! – minha namorada mostrou o dedo do meio a ela.

Eu sabia que elas conversavam por mensagens, mas de onde havia vindo toda essa intimidade? Pelo menos estava sendo ótimo e divertido para mim e Camila assistirmos.

- Você trouxe meu livro?

- Não, nem sabia que te veria hoje.

- Que livro? – perguntei estranhando a conversa das duas.

- Normani vai me emprestar um livro sobre a história das Américas.

- Vocês estão próximas assim?

- Você não sabia, DJ? – Camila se envolveu na conversa sorrindo divertida. – Até viraram a madrugada conversando noite passada.

- Ah, é? Eu fui dormir e você ficou conversando com a Lauren? – me virei arqueando uma sobrancelha e cruzando os braços para Normani, que apenas deu de ombros.

- Ficamos, DJ – Lauren sorriu maliciosa outra vez e eu já sabia que vinha alguma provocação. – Normani estava toda ansiosa para te ver hoje.

- Cala a porra da sua boca, Lauren – revirou os olhos enquanto a branquela ria. – Camila, entra aí que te levo até em casa. Já estou exausta da sua namorada.
As duas se despediram e Normani deu partida assim que Mila entrou no carro, deixando uma Lauren risonha para trás.

- Você realmente estava ansiosa para me ver? – perguntei sorrindo.

- Você ficou com ciúmes da Lauren? – rebateu com outra pergunta.

- Não, acho legal vocês duas estarem tão próximas.

- Eu realmente estava ansiosa para te ver, sempre fico.

- Achei que fosse coisa minha.

- Não é, babe.

- Vocês duas são tão boiolinhas – Camila sorriu no banco de trás.

Realmente éramos e eu adorava. Até que no geral as coisas estavam boas demais para serem verdade.

No domingo eu estava lotada de matéria acumulada e queria mais do que tudo faltar a Igreja. Implorei aos meus pais que me deixassem ficar em casa com o argumento de estar cansada e precisando estudar para as provas que chegariam logo, o que era verdade. Entretanto, afirmaram que nenhum dos dois havia sido um problema antes e que Funaki trabalhava tanto quanto eu. Ainda que, eu estivesse no último ano e estudava o dobro da minha irmã, nada colou. Piorou ainda mais quando mamãe lembrou as últimas vezes em que fiquei na casa de Lauren e Camila estudando, porém, ela mal sabia que eu não havia realmente ido até nenhum dos dois locais, pelo menos não para isso. Por fim, ela afirmou que ir até a celebração me faria sentir melhor, mais disposta e, quando estivesse lá, iria perceber que era o que eu mais precisava.

Pelo contrário, a igreja me fez sentir mais cansada e, na verdade, perceber o quanto queria me afastar daquele ambiente. Logo no começo, minha mãe fez questão de chamar Siope para se sentar conosco e ainda trocou de lugar para que ele ficasse ao meu lado. Precisei o aturar durante duas horas tentando segurar minha mão e colocando os braços atrás do meu pescoço por cima do banco. Como se não fosse o suficiente, o pastor deixou que sua esposa pregasse aquele domingo e ela passou todo o tempo falando sobre a relação do homem e da mulher, do matrimônio e dos deveres das esposas. Sim, porque aparentemente os homens não tinham deveres, com certeza. No final, eu estava estressada e ainda precisava ouvir os comentários sobre como tinha sido um culto ótimo e abençoado.

- Você deveria estar mais feliz depois da sua noite de ontem – Camila sussurrou para mim enquanto, junto aos nossos irmãos, esperávamos nossos pais.

- Você também.

- E tem como depois desse culto? Não aguento mais esse nervoso Che, preciso contar aos meus pais.

- Agora? – a olhei surpresa.

- Não, mas logo

- Tem certeza que é a hora certa?

- Não sei mais se tem uma. Siope não para de sorrir para você – indicou o garoto com a cabeça que nos olhava enquanto conversava com outros membros da igreja.

- Não aguento mais ele na minha cola.

- Minha mãe disse que ele havia desistido, mas a pastora o incentiva a continuar usando aquele mesmo papo de que Deus disse a ela que vocês são um casal perfeito e de que você perceberá isso logo – revirei os olhos.

- Crianças, vamos – meu pai chamou se aproximando junto a tia Sinu e tio Ale.

- Cadê a mamãe? – Kamila, assim como o resto de nós, deu falta dela.

- Vai ficar para ajudar aos pastores em um trabalho.

- Que trabalho? – Funaki perguntou.

- Sabem os Willians que moram na rua atrás do campo? – tia Sinu falou e nós assentimos. – Pegaram o filho mais velho saindo de madrugada vestido de mulher.

- O que? – todos gritamos juntos em surpresa.

- Gente, disfarcem! Não é para contarem pra comunidade inteira – tio Ale chamou nossa atenção.

- Que tipo de trabalho vão fazer com ele? – perguntei preocupada.

- O de sempre. Limpar o corpo, lavar, purificar, conversar e rezar – meu pai explicou.

- Limpar do que? – Camila questionou um pouco exaltada e observei Funaki, que estava ao seu lado, segurar a mão dela dando apoio. – Não há nada de errado com ele.

- Ele saiu vestido de mulher, Camila. Claramente há algo errado – papai afirmou e meu coração, no mesmo instante, errou uma batida.

- Olha, nós não sabemos o que há, mas precisamos deixar a família dele lidar da forma que acharem melhor. Agora vamos embora, o almoço será lá em casa hoje – tio Ale disse.

- Seu pai está certo, Mila. Também não concordo tanto com esses métodos, mas o pastor sabe o que é melhor. E, no final, a decisão é da família dele – Tia Sinu começou a andar em direção a escadaria da Igreja.

Peguei Seth no colo e comecei a caminhar atrás de todos que já seguiam. Observei Funaki abraçar Camila pelos ombros enquanto descíamos os degraus e sussurrar algo em seu ouvido. Talvez começar a contar pela minha irmã seria realmente a melhor ideia.

- Dinah! – me vire assim que alcancei a calçada vendo Siope me chamar do topo. – Vou precisar ficar aqui mais um pouco para ajudar o pastor, mas posso passar na sua casa mais tarde. O que acha?

- Acho uma péssima ideia. Já falamos sobre isso e preciso estudar. Tchau! – dei as costas e acelerei meu passo para alcançar os outros.

- Deveria dar outra chance, gosto do Siope – minha irmã comentou.

- É Kamila, mas quem precisa gostar sou eu – não aguentava mais esse papo, as pessoas precisavam superar meu ex.

- Não fale assim com sua irmã, Dinah – papai disse sério. – Ela está certa. Siope é um bom garoto e vai cuidar de você. Além do que, não quer ficar sem um marido, não é? Ou não prestou atenção em nada do culto hoje?

Apenas bufei com aquilo e continuei andando enquanto brincava com Seth. Diziam que os pais sempre sabiam sobre nossa sexualidade, mas, sem dúvidas, os meus não faziam ideia.

Assim que chegamos em casa, após o almoço, eu me afundei nos livros e nas minhas anotações. Precisei colocar toda matéria em dia, fazer os exercícios atrasados e ainda ajudei meus irmãos com os deles. Era tanta coisa que nem tive tempo de falar com Normani, mas ela deixou claro que era pra eu me concentrar nos meus estudos e que almoçariamos juntas no dia seguinte, então poderíamos conversar. Ainda se ofereceu para me ajudar nas matérias de exatas se eu precisasse. Minha namorada era perfeita. A mesma havia passado o dia na casa dos pais e pela noite foi até um jantar beneficente com a mãe, o que me fez adormecer admirando sua última postagem no Instagram. Na foto ela pousava para os fotógrafos ao lado da mãe em um painel na entrada do evento, em um vestido longo, branco, com fendas nas duas pernas e tomara que caia. Era difícil acreditar que aquela mulher era minha namorada, mas, aparentemente, ela estava certa na noite em que nos conhecemos e o destino me surpreendeu.

Na manhã seguinte, acordei mais uma vez com o vento frio contra meu corpo e me praguejei pelo meu esquecimento. Instantaneamente, senti falta de Normani. A última noite tinha sido a primeira em muitos dias que não dormíamos em ligação com ela me lembrando de fechar a janela antes de se entregar ao sono e me permitir escutar sua respiração calma até que dormisse também. Entretanto, eu mal sabia que aquela era apenas a primeira manhã de muitas sentindo falta daquilo.

Essa era uma das coisas que eu mais achava engraçada sobre a vida: a surpresa. Nós nunca sabemos quando vai ser a última vez que fazemos algo, qual vai ser o dia em que conhecemos o amor da nossa vida, ou o instante em que veremos alguém que amamos pela última vez. Apenas vivemos os momentos de forma corriqueira, deixando que passem pelo caos do dia a dia sem darmos devida atenção. Talvez passe anos até que o cérebro tenha aquela súbita percepção de que não faz algo há muito tempo, ou a saudade é tanta que você percebe na primeira vez, ou recebe uma ligação avisando de um falecimento e tenta se lembrar a última vez quem que viu a pessoa para saber se ela estava bem ou se aquilo já era esperado. De qualquer forma, nunca sabemos quando será a última vez e, se sabemos, ainda esperamos que não seja, caso o momento fosse bom.

E todos meus momentos com Normani eram bons. Desde a primeira vez que a vi parada, observando o surto de minha irmã e nos encarando, sempre foi bom. Sempre foi único, ainda que já tivéssemos feito aquilo antes. Era assim que nossas ligações nunca deixavam de serem essenciais para o meu dia, que eu amava ouvi sua respiração ao adormecer todas as noites e que apenas ficarmos de bobeira no seu carro era especial.

Naquela segunda feira, não foi diferente. Eu lhe mandei uma mensagem ao acordar, era sempre a primeira coisa que fazia, fui para a escola com meus irmãos, tive aulas de matérias que amava e que odiava, recebi sua mensagem perguntando o que queria comer, caminhei alegre até seu carro, a beijei ao entrar, perguntei sobre sua manhã, contei a minha, ouvi atentamente sobre o evento que ela havia ido. Tudo igual, mas ao mesmo tempo único.

- Eu nem precisei sondar minha família para saber o que eles vão achar sobre mim – comentei a vendo comer sua salada enquanto eu devorava várias minis pizzas.

- Por que? Aconteceu algo? – perguntou esticando a mão e pegando meu refrigerante.

- Ei! Você não pode querer ser saudável com sua salada e suco natural, mas roubar meu refrigerante.

- Babe, por favor, eu preciso de açúcar – sorriu para mim que apenas bufei a vendo tomar um pouco do líquido. No fundo, até gostava de como ela sempre roubava um pouco das minhas besteiras. – Continue o assunto.

- Um garoto da comunidade foi pego pelos pais se vestindo de forma feminina. O levaram para a igreja e ontem, depois da pregação, minha mãe ficou para ajudar os pastores a o rezarem e limparem seu corpo.

- Como assim?

- Tipo uma purificação.

- Ainda fazem isso? – assenti. – Que absurdo.

- Meu pai chegou a dizer que claramente havia algo errado com ele. Funaki ficou apoiando Camila que estava bem desconfortável com aquilo, então espero que, pelo menos ela, seja de boa – falei colocando a caixa vazia de pizza dentro de uma sacola e jogando para a parte de trás do carro.

- Pela forma como fala sobre seus irmãos, acho que todos serão. Você está pilhada com isso, né?

- Mais ou menos. Não quero me esconder, mas estou com medo.

- Entendo. Mas babe, independente do que acontecer, você não ficará sozinha.

- Obrigada, Manz – sorri a observando comer por uns segundos enquanto procurava coragem para perguntar o que queria saber. – Como foi sua primeira vez?

- Que mudança brusca no assunto foi essa? – me olhou confusa. – De onde veio isso do nada?

- Curiosidade – dei de ombros.

- Não foi nada demais. Surpreendentemente, foi boa até.

- Por que surpreendentemente? Costuma ser ruim? – me assustei um pouco com aquilo, não queria que a minha fosse.

- Não é isso – deu uma risadinha. – Depende de com que esteja sendo e do momento. De algumas pessoas é ruim, mas porque a maioria perde na adolescência com os hormônios a flor da pele e fazem com qualquer pessoa.

- Quantos anos você tinha?

- 15, mas não foi com qualquer pessoa.

- Quem foi?

- O nome dela era Amy, eu tinha um crush nela desde a quarta série. Na época, eu não era assumida para os meus pais, mas toda a escola já sabia e virei o ícone LGBT – sorriu nostálgica enquanto colocava o recipiente da sua comida, agora vazio, junto ao meu. – Até que o um dia ela me disse que se identificava comigo e começamos a ficar. A convidei para o baile da turma da minha irmã no final do ano, depois fomos para uma festa, depois para casa dela e rolou. Foi bem clichê.

- O que aconteceu para não ficarem juntas?

- Não nos gostávamos assim, então tivemos uma amizade colorida por um tempo, nada exclusivo, até que conheci Zendaya e não quis saber de mais ninguém.

- Se não era exclusivo, então transava com outras pessoas?

- Com a irmã da Alysha, só.

- Ainda não consigo acreditar que ficava com a irmã da sua amiga e a amiga – Normani deu uma risada bem indecente, ela era uma sem vergonha mesmo. – E achei que tivesse tido mais experiência antes da Zendaya.

- Eu te falo que só fui deixar de ser boba depois dela – deu de ombros.

- Doeu? A sua primeira vez.

- A sua não vai doer, Dinah – riu divertida.

- E como pode saber?

- Porque vai ser comigo – revirei os olhos dando uma risadinha cínica.

- Você se acha tanto.

- Sou apenas boa no que faço e sei disso.

- E piora a cada segundo – dei um soquinho no seu ombro. – Quem disse que vai fazer algo comigo? Não vou deixar.

- Dinah, você vai me implorar – afirmou e abri a boca em choque com seu convencimento.

- Nunca.

- Ah é? – se aproximou lentamente de mim com um sorriso malicioso estampado no rosto.

- É! Nem venha – tentei segurar suas mãos que iam para a minha cintura e ela riu. – Normani, sai daqui – pedi quando começou a me atacar com cosquinhas me fazendo rir escandalosamente. – Mani, para! – ela continuou até que eu ficasse vermelha e sem ar e, então, passou seus braços pela minha costas e me puxou para o seu colo, me prendendo ali. – Me solta, sua idiota.

- Só se me der um beijo – revirei os olhos.

- Nem morta.

- Dinah Jane... – começou a me fazer cosquinhas de novo.

- Ok! Eu me rendo – segurei seu rosto e a beijei.

O que era pra ter sido somente um beijo leve que me permitisse escapar das mãos dela, acabou me derretendo e se tornando apaixonado. Novamente, estávamos ali em seu carro comigo em seu colo.

- Eu não consigo parar de me apaixonar cada vez mais por você – confessou entre nossos beijos me fazendo sorrir.
Normani era, sem dúvidas, a melhor coisa que já tinha me acontecido.
Infelizmente, nosso contato acabou rápido, pois logo fomos interrompidas pelo sinal da escola, que me causou um susto e um salto para trás, no qual bati a cabeça no teto do carro e a idiota da minha namorada riu exageradamente.

- Não tem graça, Normani – dei um leve tapa em seu ombro e, com a outra mão, acariciei o local dolorido.

- Tem muito, deveria ter visto sua cara – abraçou minha cintura ainda rindo. – Deixa eu ver se machucou, abaixa a cabeça – fiz o que ela pediu e senti seus dedos no meu cabelo antes de deixar um beijo leve. – Está tudo bem, só precisa tomar mais cuidado. Não sei porque esse susto se nem tem aula agora.

- Chegou um professor substituto de sociologia hoje, eu estou é atrasada – sai do seu colo. – Olha, amo seu carro, mas precisamos de outro lugar.

- Se tivéssemos mais tempo, você poderia conhecer meu apartamento.

- Você nunca me convidou.

- Vamos resolver isso esse final de semana então.

- Ok – sorri imaginando nós duas em sua casa, era tudo que eu queria. – Preciso ir.

- Vou te levar até o portão, apenas me deixe enviar uma mensagem a Lauren pedindo para ela vir até aqui, preciso entregar o livro – falou enquanto pegava seu celular no bolso e digitava rapidamente.

- Você poderia me dar para entregar, mas claro que não vai perder uma oportunidade de ver a Lauren.

- Ou talvez eu só queira mais tempo ao seu lado te levando até lá – sorriu terminando de digitar e guardando o aparelho de volta.

- Aham, claro. Vamos logo.

- Leva esse lixo, por favor – virou para a parte de trás e me entregou a sacola com os recipientes onde vieram nossas comidas, o que logo peguei, antes de a ver abrir sua bolsa e começar a procurar algo. – Meu carro está ficando um caos.

- Culpa sua que não cuida direito de nada.

- Você tá ficando abusada pra caralho – riu tirando um livro da bolsa.

Normani logo se virou e saiu do carro, caminhando rapidamente até o meu lado e abrindo a porta para mim. Mais uma vez me derreti por aquela mulher, eu amava suas breguices e como ela era um poço de gentileza. Mesmo que não fosse nenhum grande ato, eram nessas pequenas coisas que ela me encantava.

- Você é fofa – respondi a vendo ativar o alarme do carro e lhe dei um selinho.

- Eu não fiz nada – passou o braço pela minha cintura quando começamos a andar em direção ao colégio, já que o carro estava estacionado um pouco antes.

- O que vai fazer agora de tarde no trabalho? Com qual bilionário vai negociar hoje?

- Na verdade, vou fechar um contrato para uma nova filial no Brasil.

- Achei que estivesse expandindo para a Argentina.

- Isso foi meu pai quem começou, eu só terminei. Esse novo projeto é meu.

- Você quer o que, a América Latina inteira? – nós rimos atravessando a rua já diante da escola.

Me afastei indo até uma lixeira um pouco à frente do portão antes de voltar até ela e abraçar seu pescoço. Eu amava esse clima leve entre nós e a forma como tudo estava perfeito.

- Sua escola é um deserto.

- A maioria dos alunos voltam cedo lá pra dentro ou vão embora de uma vez – beijei seu pescoço.

- Acha que Lauren vai demorar?

- Não.

- Que pena, porque amo você me beijando assim – sorri sentindo seus braços apertarem minha cintura e levantei a cabeça tomando seus lábios em um beijo.

Nosso beijo lento se dava em um encaixe maravilhoso. Sua boca macia se mexia calmamente contra a minha e meu corpo se arrepiava por completo cada vez que nossas línguas se tocavam. Como sempre, ela me fazia esquecer do entorno e me tirava de órbita com um simples beijo.

- Dinah? – fui puxada de volta a realidade ao ouvir a voz de Siope e me separei de Normani bruscamente virando para trás e vendo meu ex nos olhando em choque.

- Siope? O que está fazendo aqui? – perguntei já em desespero, ele não podia ter me visto com Normani.

- Então foi por isso que terminou comigo? – esbravejou. – Você é sapatão agora? É claro que tinha que ter algo errado com você!

- É claro que não! Eu terminei com você muito antes disso – dei um passo em sua direção tremendo de nervoso.

- Ou isso já acontecia antes, Dinah? É a única explicação pra nunca querer nada comigo. Você me enganou durante todo esse tempo?

- Siope, por favor, para de gritar – implorei vendo sua exaltação e raiva antes que chamasse atenção.

- Parar de gritar? Agora você tá com medo, mas na hora de ficar beijando uma mulher não? Você deveria sentir medo é disso aí que vai te levar para o inferno! Seus pais vão te matar quando souberem!

- Eles não vão saber – Normani afirmou assumindo uma postura seria e autoritária enquanto puxava meu corpo para si em proteção.

- Você pode ter certeza que vão, eu vou fazer questão de con...

- Não – o interrompeu com um tom de voz sombrio sem se exaltar. – Eles não vão saber, porque você não vai contar nada. Vai manter sua boca fechada e esquecer do que viu aqui.

- Eu nem sei quem você é e acha que pode falar assim comigo? Não vou esquecer nada! E você vem comigo, Dinah! Vou te levar para Igreja e chamar seus pais agora. Você só pode ter ficado louca, mas vou te colocar rapidinho de volta no seu lugar – ele parecia ainda mais bravo quando avançou até nós e tentou puxar meu braço, entretanto, Normani foi mais rápida empurrado meu corpo para trás e se colando na minha frente como um escudo.

- Você não ouse chegar perto dela!

- O que está acontecendo aqui? – me virei vendo Lauren se aproximar com Camila.

- Cheche, está tudo bem?

- Pronto, agora estão todas as sapatãos reunidas! Eu te avisei que não deveria se misturar com essa garota e para se afastar da Camila, Dinah. Aposto que isso é coisa sua não é, Camila? – se virou transtornado para a minha melhor amiga que o olhava confusa. Siope parecia totalmente fora de si, era uma pessoa que eu nunca havia conhecido nem nos seus piores momentos. – Você nunca gostou de mim, tinha que me tirar de Dinah e a levar para o pecado junto com você.

- Que porra ele tá falando?

- Ele não está falando nada, Mila – Normani, que já não parecia ter mais paciência, ficou cara a cara com Siope. – Ele é só um louco que vai virar as costas e ir embora agora.

- E quem vai me obrigar?

- Eu vou. Vire as costas e saía daqui, porque se não fingir que não viu nada e ficar longe de Dinah, suas amigas e família, vou fazer você se arrepender muito feio. Então, se quiser manter suas bolas no lugar, vai ficar de boca fechada.

- Não faz ideia de com quem está falando.

- Não Siope, você quem não faz.

- Isso não vai ficar assim – levantou as mãos.

- Não! – tentei alcançar minha namorada para a proteger, mas meu corpo foi travado por um par de braços agarrando minha cintura e me segurando.

Antes que Siope pudesse fazer qualquer coisa, Normani deu uma joelhada em seu saco, o fazendo cair de quatro em sua frente com a mão na região. Ela levou a mão direta aos cabelos curtos do garoto, o puxando para cima e o fazendo gemer de dor.

- Não me faça sujar minhas mãos com você, some daqui! – manteve o tom baixo, mas claramente com ódio, e o soltou com desprezo o fazendo cair para trás.

- Vocês vão se arrepender disso, suas lésbicas nojentas! – levantou cambaleando e saiu andando pelo mesmo caminho que veio.

- Desaparece, seu filho da puta! – ouvi a voz de Lauren gritando no meu ouvido e percebi que ela era quem me segurava.

- Você me paga, Dinah! Todas vocês! – gritou virando a esquina e sumindo.

- Normani! – me soltei de Lauren e praticamente avancei contra a mais velha.

- Você está bem? – senti suas mãos macias segurando meu rosto e acariciando, mas sua voz continuava dura.

- Mani, ele vai contar aos meus pais. Ele... – desabei de vez em lágrimas sendo amparada pelos seus braços.

- Babe, se acalma. Ele não vai falar nada – me segurou com força enquanto ainda segurava o livro e com a mão livre e, com a outra, fazia um cafuné no meu cabelo. – Vai ficar tudo bem, eu te garanto. Não precisa chorar.

- Gente... O que rolou? – escutei a voz receosa de Camila.

- Ele viu a gente se beijando aqui no portão – Normani respondeu enquanto eu continuava agarrada ao seu corpo.

- Aqui? Sério? Como vocês deram esse mole?

- Nós nem percebemos, Laur. Apenas estávamos aproveitando e a rua estava vazia, ele apareceu do nada – Normani puxou meu rosto para longe do seu pescoço e me olhou profundamente passando a secar minhas lágrimas. – Dih, vai ficar tudo bem, ok? Prometo isso a você. Não vou deixar te acontecer nada.

- Você não pode impedir. Se ele falar algo...

- Nem vou o deixar falar. Vou resolver isso, não se preocupe.

- Resolver como?

- Ei! – antes que ela pudesse me responder escutamos uma voz vindo da porta da escola e praticamente saltei para longe querendo evitar outro acontecimento. – O que estão fazendo aí? As aulas já começaram. Ou entram ou saem de uma vez, nada de ficar no portão!

- Nós já estamos entrando, tia Sandra. Só vim pegar um livro com uma amiga – Lauren respondeu a funcionária da secretaria.

- É melhor vocês irem. Nós nos falamos por mensagem, Dinah – Normani disse e se virou para Lauren lhe esticando o braço. – Aqui seu livro. Agora vão, entrem.

- Eu sinto muito, Manz – a olhei uma última vez.

- Não tem porque se desculpar, Dinah. Vá para aula.

Virei as costas e entrei no colégio junto com Camila e Lauren. Por ser a primeira aula do professor, alegamos não ter conhecimento de que haveria aquela matéria para justificar nossos atraso e poder entrar em sala. Não que minha presença tivesse feito muita diferença, já que não consegui prestar atenção em mais nada durante o resto daquele dia.

No trabalho também não foi diferente, eu estava desatenta, confundindo pedidos, deixei uma bandeja cair e chorei durante minha pausa. Henrique, estranhando a situação, me perguntou diversas vezes se estava tudo bem e me ofereceu o resto do dia de folga, o que neguei rapidamente. Sempre que podia, trocava mensagens com Normani que me acalmava e tentava tratar a situação da forma mais prática e lógica possível, sem desespero. Me sentia grata por a ter naquele momento me mantendo sã e impedindo de enlouquecer. Contudo, nada era o suficiente para acabar com meu medo. Cada hora que passava e o fim do expediente ficava mais próximo, eu me sentia mais nervosa por não saber o que encontraria em casa. Siope já tinha tido horas o suficiente para contar tudo, então eu não fazia ideia de como meus pais estariam. Por mais que Normani tivesse praticamente o ameaçado, ele ainda era maior e muito mais forte que ela, portanto, era improvável que estivesse com medo.

Quando a lanchonete fechou aquele dia, quis diversas vezes não ir para casa. Pensei em dar qualquer desculpa a Funaki e fugir para Camila, Lauren, ou até Normani. Entretanto, eu nunca fui a pessoa que fugia e minha namorada me apoiava a todo instante deixando claro que, se qualquer coisa acontecesse, estava pronta para entrar no carro e ir até ali. Ela me incentivou e me deu forças para ir para casa e enfrentar o que quer que estivesse lá.

Respirei fundo enquanto destrancava o portão e tomava coragem. Eu estava morrendo de medo. Em todos os momentos difíceis tive minha família, mas talvez dessa vez a batalha seria contra eles.

- Naki... – a chamei quando entramos na área.

- O que? – se virou com a mão na maçaneta da porta.

- Eu te amo, ok? Não esquece disso nunca.

- Credo, Dinah! Até parece que vai morrer – deu uma risada abrindo a porta e entrando em casa.

Suspirei uma última vez e levantei a cabeça a seguindo. Tudo parecia normal. Mamãe estava sentada no sofá, enquanto Seth e Regina montavam um quebra cabeça sentados no chão na sua frente. Meu pai cozinhava esta noite com Kamila o ajudando e Kaukava arrumava a mesa. Todos riam e falavam alto como se tudo estivesse normal. Aparentemente, o jantar sairia até mais cedo hoje.

Os cumprimentei indo até a cozinha com Funaki e guardando nossas gorjetas, sendo a minha apenas uma nota de 2 pelo meu péssimo desempenho do dia. O pote já estava quase vazio de novo, mas eu nem conseguia me tocar. Minha cabeça estava com um zumbido fixo, eu me sentia tonta e eu suava até pingar no chão, estava tão nervosa que me sentia prestes a desmaiar.

- Vou subir pra tomar um banho e já desço – Funaki disse se retirando.

- Está tudo bem? – perguntei ao meu pai enquanto guardava o pote.

- Tudo ótimo! E você?

- Não aconteceu nada demais hoje?

- Não, por que? Aconteceu com você?

- Não, papai – respondi olhando em seus olhos.

- Dinah... – pareceu nervoso e logo fiquei mais também. – Sua mãe te falou algo?

- Que? Não. Por que? Alguém te falou algo?

- Não! – voltou se concentrar na panela. – Vá se arrumar para o jantar.

Subi as escadas soltando pequenos suspiros e tentando me acalmar. Se Siope tivesse falado algo, as coisas com certeza estariam diferentes. Portanto, por enquanto, eu estava a salvo.

Assim que cheguei no meu quarto, enviei uma mensagem a Normani para que soubesse que tudo estava bem e que estava em casa e fui procurar uma roupa para depois que tomasse banho quando Funaki saísse. Normani ainda não havia recebido minha mensagem quando fui para o banheiro, ou quando desci para o jantar. Em casa, a noite ocorreu normalmente. Eu tremia a todo o momento com medo do assunto surgir, entretanto, nada aconteceu e assim se seguiu. Estudei, ajudei meus irmãos com suas tarefas e conversei com minhas amigas para as tranquilizar de que estava tudo bem. Quando cai no sono minha namorada havia apenas visualizado e não me respondido, portanto, a última coisa que fiz foi perguntar se ela estava bem. Naquela noite tive meu primeiro pesadelo com Normani, no qual ela corria para longe de mim e eu não conseguia me mover para a alcançar. Eu sonhei que havia lhe perdido.

Everlasting Love - NorminahOnde histórias criam vida. Descubra agora