Mandy

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Enquanto Amanda abria a porta, repassava toda a cena que acontecera há menos de dez minutos no carro. Não sabia exatamente o motivo, mas agora estava arrependida de tê-lo convidado, por mais rude que soasse.

Não era acostumada com visitas: a verdade era que Harry era a primeira pessoa que entrava em seu apartamento. O problema é que ela sequer o conhecia direito, onde estava com a cabeça?

Harry observava cada detalhe: seu sorriso breve quando conseguiu abrir a porta, o cheiro doce, os fios de cabelo um pouco grudados ao rosto, as bochechas avermelhadas e os lábios um pouco arroxeados e trêmulos. Um pouco de culpa atravessou seu corpo, talvez devesse ser mais cuidadoso e carregar guarda-chuvas.

— Não repare na bagunça, por favor. — Comentou enquanto dava espaço para o garoto entrar. — Estive meio sem tempo de limpar as coisas.

Era uma casa aconchegante, e era engraçado como tudo parecia ter um pouco dela: a TV grande grudada à parede, o sofá cinza com almofadas coloridas, um cobertor em cima da mesa de centro, as cortinas escuras e a grande gaiola verde com um hamster rechonchudo dormindo.

— Sente-se, Harry. Vou buscar uma toalha para você. — Colocou sua bolsa no chão, adentrando nos cômodos e, num piscar de olhos, o deixando sozinho.

O moreno foi até o sofá, cogitou se sentar, mas ficou com medo de molhar o estofado e Amanda ficar extremamente nervosa. O rechonchudo hamster acabou despertando com o barulho, e seus olhos vermelhos, agora, pareciam encarar Harry.

— E aí, ratinho. — Sussurrou, passando o dedo levemente pelas grades, o que fez o bichano farejar. — Você é bem fofinho mesmo, sabia?

Harry adorava animais, mas não conseguia ter um, infelizmente. Sua vida conturbada não permitia ter um bichinho para dar todo amor, carinho e cuidado necessário. Fluffy o encarava como se entendesse isso, mas logo desceu a pequena escada metálica e foi até seu pote de ração, procurando algo para se alimentar.

— Harry? — Amanda lhe chamou, tirando sua atenção do pequeno bichinho. — Aqui está sua toalha. — Caminhou até ele, estendendo a toalha cinza.

— Obrigada, Amanda. — Sorriu, levando a toalha até a cabeça e secando. — Qual é o nome dele?

— De quem? Do hamster? Ah, é Fluffy. — Sorriu sem jeito enquanto passava a toalha pelos cabelos. — Ele costuma ficar ativo essa hora.

— Ele é muito fofo, mesmo. — Comentou, assistindo-o abrir uma semente de girassol. — Está gostoso? — Indagou ao animal num tom infantil.

— Você gosta de hamsters?

— Eu adoro, eles são tão fofos.

— Sente-se no sofá, o chão está frio... — Praticamente suplicou. A verdade é que ela não sabia ser receptiva.

— Eu estou todo molhado, Amanda. Não quero sujar seu sofá.

— Não se preocupe com isso, sério. Pode se sentar. — Se sentiu um pouco mal pelo comentário, será que ela parecia ser tão rabugenta? — Você gosta de chá? — perguntou enquanto ia até a cozinha.

Harry assentiu enquanto se levantava. Seus olhos minuciosos seguiram Amanda, que ligava a chaleira e pegava duas xícaras roxas da prateleira acima da pia, seus lábios já não estavam tão arroxeados e os tremores já haviam cessado. Harry percebeu suas olheiras fundas e seus movimentos quase involuntários quando deu ombros e piscou três vezes, talvez tentando se manter acordada, julgou ele.

Ele realmente iria tomar o chá e ir embora.

Fluffy fez um barulho na gaiola e o moreno abaixou para ver o ratinho, que tinha acabado de cair do andar de cima. Quando correu para o tubo, Harry levantou o olhar, que se prendeu num porta-retrato perto da TV.

Amanda vestia um uniforme escolar, e uma mulher de cabelos castanhos e olhos amigáveis sorria para a foto, diferentemente da mais nova. Ela mantinha o semblante de sempre, indecifrável. A mulher não se parecia muito com ela, e uma ponta de curiosidade lhe atingiu, era o único porta-retrato que vira no apartamento.

Diferente da sua casa, ontem fotos e mais fotos preenchiam as paredes numa tentativa falha de lhe deixar mais perto de casa, Amanda não parecia ser o tipo de pessoa apegada a fotos. Mas quem era ele para lhe julgar? Era sua primeira vez na casa dela.

— É a minha tia, Helena. — Sua voz lhe assustou, e sentiu suas bochechas corarem levemente. — Seu chá está pronto.

— Ela é bonita. — Disse tímido, caminhando até o balcão. — Obrigado pelo chá.

Amanda sorriu sem humor e levou a xícara até a boca, soprando um pouco antes de bebericar o chá. Harry segurou a xícara roxa em suas mãos e se sentiu mais aquecido, o cheiro de camomila era como um calmante e foi muito bem-vindo.

— Você realmente não quer sentar? — Mordeu o lábio inferior, desviando do olhar do garoto.

— Estou bem, Mandy. — Piscou antes de tomar mais um pouco do chá.

Amanda se engasgou.

Tossiu duas, três vezes e abaixou a cabeça, suas bochechas estavam tão vermelhas quanto tomates e foi difícil controlar a respiração. Harry se assustou um pouco e pensou em se aproximar, mas talvez fosse piorar a situação. Seus olhos minuciosos assistiram a menina tomar o fôlego e, relutante, voltar a o encarar.

— Do que você me chamou?

— Mandy. Você não gosta?

Ele realmente esperava que ela gostasse.

— Eu não sei como dizer isso sem soar ridículo, mas ninguém nunca me deu um apelido. — Não parecia triste, mas perplexa. Suas bochechas ainda estavam vermelhas e os dedos apertavam a xícara.

— Não posso te chamar de Analista para sempre, soa meio brega. Mandy foi o melhor que consegui pensar. — Admitiu, sorrindo de canto. — Se você não quiser que lhe chame assim, pode dizer.

— Não é isso, é só... — procurou palavras boas o suficiente para não se embaraçar mais. – Diferente.

— Você se acostuma, Mandy. — bebericou mais um pouco do chá, assistindo a garota corar um pouco mais.

Ela era, de fato, adorável.

Terminaram o chá num silêncio confortável. Quando Harry se ofereceu para lavar a louça, Amanda negou até a morte e teve vontade de o empurrar para fora da cozinha, mas apenas disse num alto bom tom que não era necessário.

— Boa noite, Fluffy! — Foi até o ratinho e se despediu. O bichano sequer deu atenção, concentrado demais em correr na rodinha.

— Me desculpe por qualquer coisa, Harry— foi sincera, assistindo o homem se levantar e virar para lhe encarar.

– Foi uma noite muito agradável! Oh, ainda estou com sua toalha. — Retirou-a dos ombros e dobrou, antes de entregar. — Muito obrigado!

— Não precisa agradecer. — Pegou de sua mão. Por um breve momento seus dedos se tocaram.

Caminharam juntos até a porta e Amanda abriu, dando espaço para Harry passar. Felizmente já estava praticamente seco, e esperava que ele não ficasse doente.

— Boa noite, Harry. Obrigada por tudo. — Sorriu curto, encostada no batente da porta.

— O prazer é todo meu, Mandy. Se quiser, podemos sair mais vezes. — Sugeriu, e ela mal pode acreditar.

Assentiu, e Harry sorriu com o gesto.

— Me avise quando chegar, por favor. — Pediu quando o menino apertou o botão do elevador.

— Pode deixar, Mandy. Até daqui a pouco! — Acenou antes de entrar no elevador e desaparecer do campo de visão da menina.

Amanda fechou a porta e trancou, encostando-se nela depois disso. Olhou a toalha em suas mãos e suspirou aliviada.

— Mandy... — a palavra escapou dos seus lábios quase como um segredo.

Era seu primeiro apelido.

Ela gostava disso.

On Rainy Days [H.S] [PT/BR]Onde histórias criam vida. Descubra agora