Tres

188 12 0
                                    

Finn tinha um belo de um dom com conversas, ao ponto de negociar uma estadia e comida para três pessoas, além de quatro passagens de barco, apenas por trocar algumas lâmpadas em uma taverna de meio escalão. Aproveitamos o resto da noite antes da viagem na manha seguinte, para descansar e encher a barriga, nos aninhamos no mesmo quarto que possuía apenas uma cama, enorme o suficiente para que todos coubessem. Armaduras de ferro dos príncipes se amontoavam em um canto do quarto pequeno juntamente com os volumes da minha saia pesada, os quais eu planejava deixar para trás. A noite foi tranquila, a não ser por alguns risos altos de bêbados atravessando a calcada ou estalidos das rodas grandes de uma carroça contra os paralelepípedos cinzentos das ruas. Nada parecia anormal ou fora de ordem. então quando o sol laranja nos acordou no dia seguinte, não foi tão difícil pular da cama antes que os primeiros passageiros do navio pudessem embarcar. Fina havia chamado de barco, mas aquilo com certeza era um navio. Apenas as extremidades mais altas de Kibtaysh tem contato com o mar, por isso as vezes em que vi a agua salgada quase transparente da margem dourada, poderiam ser contadas nos dedos. É até difícil embarcar no veiculo flutuante de dois andares sem ser tentada a correr os dedos pela agua cristalina, enfiar os pés na areia fina. mas contenho a vontade conforme marcho atras dos príncipes imponentes.

-- Chegamos cedo, então da pra cada um pegar uma cabine, de preferencia o mais próximo possível.

Finn atravessa o corredor cheio de portas primeiro, inerte ao comentário sarcástico de Lúcios atras:

-- Se quer tanto ficar perto de mim, poderíamos dividir a cama.

Escolhemos as cabines que ficam no fim do corredor, uma literalmente a centímetros da outra. O lugar é minúsculo, tem espaço apenas para uma pequena cama baixa e um baú pequeno para os pertences dos viajantes, deixando apenas alguns poucos centímetros de chão sobrando. Me encolho na cama minúscula desejando que minhas costas não se quebrem ao meio devido à dureza do colchão fino, que mais parecia concreto do que qualquer outra coisa. Mas apesar da falta de conforto, por algum motivo caio no sono muito rápido.

Quando acordo, o sol da tarde ilumina a cabine através da pequena janela no alto da parede. Os feixes de luz entram e brincam dançantes, como fogos vivos. Estendo a mão e conjuro meu próprio fogo, pequenas chamas vermelho-alaranjado que sibilam e oscilam levemente. As chamas brincam em formas e dimensões, fazem cócegas na palma de minha mão. Mas então me dou conta de passos ecoando pelo corredor, fecho a mão sufocando as chamas, como se sufocasse alguma parte de mim mesma. Batidas firmes soam na porta antes de uma cabeça loira ser enfiada dentro de meu espaço, os olhos de safira buscando os meus.

— Vamos almoçar?

Jogo as pernas para o lado e me levanto da tábua de madeira dura, sem me preocupar em calçar sapatos para sair do quarto. Meu vestido está diminuto por conta das muitas saias que eu arranquei, até meio rasgado e manchado na parte de baixo provavelmente por causa do momento em que fugi às pressas com Emory. Então a falta de saltos chiques não impressionará ninguém, até porque o objetivo é passarmos desapercebidos. Objetivo esse que provavelmente não será cumprido se Finn continuar andando como se tivesse uma tábua grudada nas costas, o nariz sempre no alto e o rosto lindo mais principitesco que tudo.

— Tem um banheiro aqui. Se quiser montamos guarda pra você, quando decidir se banhar.

Subimos por uma escada de madeira que nos leva para a parte de cima do navio, onde mesas já estão postas e à disposição de quem quiser. Me sento em uma das mesas e espero por Finn, antes de perceber que Edwin e Lúcios já se aproximam com os pratos cheios. Lúcios se senta ao meu lado, e quando não demonstro atitude pra me levantar e me servir, ele mesmo se oferece.

— Eu posso pegar comida pra você, sei o quanto come por causa dos jantares, não precisa se levantar.

Forço um sorriso e concordo com a cabeça, mas a verdade é que não estou com fome. Não quero comer, não sinto nem vontade desde o momento em que saímos do palácio de Emory. Todas as vezes em que me lembro de como estou fugindo como uma covarde, meu reino me vem à mente. Pinguei meu sangue na terra, mas a chuva já havia o lavado. Ele não estava mais lá, o que significa que a terra não estava mais protegida. Era só uma questão de tempo até que ela afundasse na ruína junto com meu povo. Meu irmão faria isso acontecer mais rápido.

— Precisa comer Kali, mesmo sem sentir vontade.

Edwin toca minha mão por cima da mesa, o que me faz encarar seus olhos profundamente tristes e mais cinzentos que nunca. Sua garganta oscila quando ele engole em seco, e é nesse momento que lembro que não estou sozinha. Estamos todos quebrados. Todos nós nesse navio fugindo de nossos reinos, deixando o país dourado nas mãos do meu gêmeo maligno. Maldito.

Lúcios volta com um prato cheio nas mãos, talheres e um copo de suco. Agradeço sem jeito e começo a comer, me forço a comer já que eles fazem o mesmo. Os tripulantes me encaram com dúvida, provavelmente estranhando meu cabelo ruivo armado ou minha pele extremamente branca para alguém que supostamente estaria morando no litoral. Finn é tão branco quanto eu, talvez o clima sempre gelado de seu reino devido ao elemento que dominam tenha a ver com isso, mas Edwin e Lúcios são bronzeados. Peles douradas, não escuras, mas não em um tom pálido. A tatuagem em espirais de Lúcios fica ainda mais evidente com a camisa sem mangas que usa, consigo vê-la desde a ponta do pescoço até metade do ombro, onde a camisa começa a cobrir. Já a vi completamente, mas naquela noite estava tão absorta não revelação de Emory, que não parei para realmente admira-la. Mas queria. Queria me lembrar dela, queria correr meus dedos sobre a tinta preta e beija-la. Quero beija-lo. Então quando Edwin e Finn se levantam, e Lúcios se prepara para fazer o mesmo, eu o impeço. Seguro seu pulso e digo:

— Durma comigo hoje.

A linhagem do fogoOnde histórias criam vida. Descubra agora