O sangue me subiu ate as orelhas, mas Jasper segurou meu pulso para me conter. O rei ainda me encarava, e matar seu brinquedinho no mínimo não seria bom para nós naquele momento. Me contentei em encarar a loira aguada com a maior fúria que consegui reunir, fechando a cara para todos ao redor. Que o rei pensasse que eu era um pirralha mimada, eu não dividiria Lúcios, explicaria a situação de minutos atrás e ficaríamos bem. E nenhuma mulher alta e com o corpo perfeito ficaria entre nós. Lúcios a afastou calmamente, mas não disse uma palavra sequer. Seus olhos se direcionaram para o rei, e então os de todos nós, permanecemos esperando uma palavra dele.
— Uma única garota viajando entre sete homens? Imagino que tenha sentido falta de uma figura feminina durante esse tempo.
Não contenho uma risada diante a inocência do rei, da forma como tentou se familiarizar, puxar algum assunto. Cruzo os braços na frente do peito e desfilo até mais perto do trono, meus pés já doloridos pela moquenca caminhada.
— Cresci entre seis irmãos e um pai, sem mãe alguma além das governantas que tentavam me manter longe de problemas. Então não, majestade, não senti falta de presenças femininas.
É a vez dele de sorrir. Ele revela um canino de ouro, que reflete um raio de sol que atravessa uma das largas janelas ao redor das paredes. Então com um movimento de mãos, simples como pedir um suco, ele dispensa a moça. Ela sai cabisbaixa e desanimada, e de repente já não tenho tanta raiva dela.
— Só queria ver o quanto você poderia se controlar diante de uma onda de ciúmes.
Semicerro os olhos descruzando os braços, pronta pra encher todo o castelo com minhas chamas gêmeas. Mas Finn se adianta, esperto como sempre vendo em meus olhos o que eu estava prestes a fazer.
— Foi a condição. Testar nossa variável mais forte pra só então nos escutar.
De alguma forma, o rei ficara sabendo do dia em que explodi uma floresta em chamas ao descobrir de um casamento arranjado. De alguma forma ficou sabendo, eu via isso em seus olhos, na forma com que a cicatriz em seu rosto se esticava com o sorriso.
— Seu irmão destruiu meu reino amorzinho, não esperaria menos de você.
A voz do rei soou amarga apesar do sorriso. Marcado pela devastação do herdeiro negro, maculado por um poder que talvez apenas Lúcios pudesse compreender minimamente.
— O que Kai fez?
Minha voz é firme, certa como a princesa que sei que preciso parecer, mas o rei não demonstra fraques ou surpresa diante do meu tom. Ele coca a barba castanha-clara em seu queixo e se inclina para frente, suspirando alto antes de continuar.
-- Ele apareceu aqui um dia do nada. Invadiu meu castelo e disse que se eu o servisse direitinho não me mataria. Eu ri, claro, aquele garoto parecia so mais um filhinho de papai que não sabia lidar com um não. Então ele estendeu as mãos e meu riso secou. Ele literalmente secou, as arvores, a terra, as pessoas... Apenas eu e minha família permanecemos intactos, ate ele se aproximar e sugar meu poder e o da minha esposa. Não sobrou nada, absolutamente nada, mas ele disse que se eu fornecesse a ele todas as informações que pedisse, me devolveria meu poder.
Minha mente dá voltas pelas informações em busca de uma linha de raciocínio, mas instintivamente acabo olhando para Finn. O príncipe ja me encarava, como se soubesse que era dele que eu tiraria respostas. Fina sempre tinha as respostas.
-- Quando mais ou menos ele apareceu?
O rei pensa por um instante, como se fizesse as contas de cabeça. Então responde:
-- Acho que no outono de vocês. Ele avisou que vocês demorariam a vir.
Prendo a respiração quase inconscientemente, a confusão ainda maior apos a declaração. Meses... aquilo havia sido meses atras, ate onde Kai havia previsto nossos passos?
-- Sei que parece assustador Kali, mas talvez não seja tanto quanto você pensa. -- Finn começa, cordialmente se virando para todos ao explicar-- Isso foi no momento em que você saiu do castelo de Kibtaysh, provavelmente quando ele supostamente saiu para te procurar. Se pensarmos bem, nenhum príncipe o viu em seu reino depois disso, então ele so poderia ter saído do pais. E depois de você sair, ele imaginou que seria fácil que descobrissem quem era o herdeiro de Kibtaysh, ele sabia que seu sequestrador teria essa informação. Então quando fomos para Ellie, ele ja planejava se revelar. Ele planejava nos encurralar e tinha um plano de fuga caso não conseguisse encurralar você... era esse continente. Vocês são gêmeos, compartilharam mais que o útero, compartilharam a vida ate certo ponto. Ele conhece você, sabe seus medos e seus pontos fortes, por isso prevê seus passos.
Sinto um no se formar em minha garganta, meu estômago congela e me petrifica no lugar. Pensei conhecer meu irmão, pensei poder prever seus passos como ele previa os meus. Mas agora estávamos em extrema desvantagem, e nem eu poderia acabar com isso. Existia algo, qualquer coisa que ele não havia previsto? Fina se dirige ao rei, e com a voz mais compreensível que consegue fala com ele.
-- Kai mentiu, um herdeiro negro não pode devolver a vida que rouba, ele só queria que você acreditasse nisso. Assim seria mais fácil de te manter na coleira.
O rei se mexe no trono estofado cinza e branco, e de repente me pergunto quais eram suas ligações com a natureza de acordo com as cores de seu castelo e decorações.
-- Mas nos podemos salvar seu reino.
-- Podemos?
Minha voz incredula não foi capaz de abalar a pose de pombo real que Finn exibia, a certeza brilhando nos olhos, o ar estufando o peito. Ate o rei se inclinou mais pra perto, esperança pura e genuína brilhando em seus olhos.
-- E como exatamente principezinho?
Nao foi em tom de ofensa que o rei perguntou, foi em pura curiosidade. E Finn não se ofendeu, apenas explicou o que todos nos estávamos curiosos pra saber.
-- Seu reino tem que ter um dos elementos que todos os continentes tem. Aqui nessa sala temos herdeiros de quase todos os continentes. Cada um dos herdeiros tem pelo menos um irmão, que possui poderes e uma noção governamental. Se você concordar, podemos ceder um desses irmãos para ajudar a devolver vida de seu reino, mas haverá um preço.-- Finn se vira pra nos agora, com um olhar de advertência-- Quem escolher fazer isso, precisa ficar. Não vai poder lutar contra Kai, e provavelmente não poderia sair daqui sem que a terra morra novamente, por não ser o herdeiro original, só o sangue não bastara.
Os riscos eram altos. Mas o olhar de esperança brilhando no rei, me impediu de negar qualquer coisa a ele. O que eu faria se fosse ao contrario? Se Kibtaysh estivesse morrendo?
-- Vento.-- o rei afirma-- Vento é nosso elemento.
-- Eu fico.
A voz de Edwin saiu urgente, desesperada e afobada. Seus irmãos se assustaram com a resposta, mas eu entendi. Me lembrei de como ele era quando o conheci, apaixonado por seu povo e pelo reino, não so por isso, mas por governar. Manchado por uma historia negra que havia mudado sua personalidade, taxado como assassino de um povo que so quis proteger. E depois... eu o segui em uma das vezes em que havia ido ate a cidade arranjar mais comida do que poderíamos comer. E descobri que ele ajudava os homens a pescar, fazia pães com algumas garotas e brincava com as crianças. Ele deixou a vila um pouco mais colorida do que a encontrou, e tenho certeza que faria muito mais dali pra frente. A certeza brilhou em seus olhos intensos de granizo, e por isso ninguém foi capaz de discutir. Então nos aproximamos do rei e tentamos formular um plano, por que de fato... Kai não sabia receber um não.
![](https://img.wattpad.com/cover/239510489-288-k980772.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
A linhagem do fogo
FantasíaO herdeiro negro foi descoberto, mas isso não pode impedir ou diminuir seu poder sobre o país dourado. Agora Kalishta vai ter que conciliar os assuntos do coração com a luta por poder contra o próprio irmão, enquanto tenta protejer os que ama. Mas s...