A linhagem do fogo

7

Suor quente escorria pelas minhas têmporas, nas costas e provavelmente em muitas outras partes do meu corpo. Meus braços tremiam mas eu mantive as adagas firmes, o punho fechado fortemente ao redor do cabo firme. Meus músculos queimavam, o nariz sangrava pela pancada de segundos atrás, mas não me permiti ficar tonta. Zander me ensinou a controlar o sangramento e manter a concentração apesar da dor, desde então um nariz quebrado não me abate. Finn pareceu surpreso com o fato de seu golpe não ter me parado, ou me atirado no chão como deveria, uma das vantagens de parecer uma princesa indefesa... ninguém espera muita coisa de você. Corro até meu oponente com as mãos preparadas, mas só ataco depois que ele tenta me acertar. Sua adaga passa pelo meu ombro quase raspando, por pouco não acertando o alvo. Mas a minha acerta, rasga a carne abaixo da costela, do lado direito que havia ficado desprotegido. Ele grunhe e caí no chão com meu golpe seguinte, um chute nos tornozelos que o joga de joelhos contra a terra.

— Menina levada.

Ele consegue dizer entre os suspiros profundos de dor. Lúcios se aproxima e estende as mãos sobre o meu nariz, curando-o antes de se dirigir à Finn. Ainda não me acostumei com os poderes surpresa que o príncipe vem descobrindo conosco, mas não tenho do que reclamar. É muito útil, apesar do meu medo de Kai usá-lo contra nós. Finn se levanta com a ajuda de Lúcios, mas antes que pudéssemos dar início a uma nova partida, Edwin chega correndo pela lateral do casarão até onde estamos, a parte de trás da enorme mansão, a floresta no quintal.

— Chegaram. Lúcios, vamos buscá-los?

Ele consegue dizer entre as pausas que faz para tomar ar, provavelmente tendo corrido desde o Porto até aqui. Lúcios concorda com o pedido, enquanto eu e Finn entramos na casa para um banho aliviador depois de horas de treino. Depois de afundar naquele pedaço de paraíso que chamava de banheira, com os músculos ardendo em reclamação, levei algumas longas horas pra tomar coragem pra sair dali. Os músculos doloridos protestavam, mas forcei as pernas e caminhei até o guarda-roupas agora repleto de vestidos, calças e tecidos arranjados por Edwin. Escolhi dentre eles o que mais me agradava: a calça de couro marrom com botas e uma camiseta fina de linho. Penteei os cabelos o melhor que pude, tentando ficar menos parecida com uma fera descabelada. Repousei a escova na penteadeira amadeirada e encarei meu reflexo no espelho, respirando fundo para encarar as vozes que já ecoavam pelo salão principal.

— Que lindo esse lugar, disse que conseguiu de graça?

Abro a porta do quarto em uma tentativa falha de discrição, porque a infame se abre com um rangido alto ecoando por toda a casa. Do topo da escada, já avisto dois homens altos e esbeltos, ambos de olhos cinzentos e cabelos negros como Lúcios. O primeiro, que sorri ao me ver, tem uma cicatriz grossa marcando seu peitoral onde meus olhos alcançam, a parte não coberta pela camisa. Quando chego no fim da escada, ele se aproxima ainda sorrindo, e se inclina em uma mesura.

— Sou Damian Majestade, ao seu dispor.

Seguro uma risada com o olhar confuso de Finn fixo em mim, e me forço a dizer:

— Só Kalishta está bom... e meu pai ainda está no trono.

Damian levanta a cabeça devagar e estreita os olhos em diversão. Eu o ultrapasso para andar até Lúcios, mas a surpresa que sua frase me causa quase me detém:

— Pra mim você já é rainha. Se não for de Kibtaysh será de Rithan, Orn ou Bulhart. Aposto que qualquer um aqui se casaria com você, incluindo nosso amado Jasper.

Alcancei Lúcios e entrelacei nossos braços, sem certeza sobre como abordar os assuntos de guerra com ambos, aliviada pelo segundo irmão se apresentar antes disso.

— Eu sou Austin. Muito prazer princesa.

Ele diz afastado, com respeito e a cabeça baixa em cumprimento. Encaro Edwin em súplica, deixando claro quem deveria abordar o assunto, já que os irmãos eram dele.

— Certo, vamos até a sala de sofás?

Não consegui segurar a risada quando sua voz emitiu o título esquisito, o qual ele usava para se referir ao salão de chá onde nos reuníamos para ler ou conversar atoa. Era uma sala realmente inútil com vários sofás e uma mesa de chá, um piano e uma estante repleta de livros. Lúcios também ri com o comentário, então seguimos todos até a sala ao lado, onde os irmãos cansados se jogam em um dos enormes sofás sem cerimônia. Me sento cuidadosamente, temendo transparecer meu próprio cansaço pelo corpo pesado.

— Vocês sabem que existe um herdeiro negro certo?

— As princesas não tiveram tempo de contar quem era, partimos assim que recebemos a carta.

Austin explica, juntando as mãos em cima dos joelhos cruzados. Finn se endireita no sofá onde havia sentado, retirando uma partícula invisível de poeira da camisa incrivelmente bem passada em um lugar sem arrumadeiras.

— Ele sabe dos poderes de vocês? De até quão longe podem ir?

Meu corpo todo se arrepia, uma medo irracional de que ambos os irmãos se revoltem por sabermos seu degredo toma conta de mim. Eu não gostaria nada que duas pessoas desconhecidas tivessem conhecimento sobre torturas intensas que foram causadas a mim em minha infância. Seria no mínimo desconfortável. Damian apoia a cabeça nas mãos, e os cotovelos nos joelhos antes de perguntar:

— Depende, de quem exatamente estamos falando?

Sinto o olhar de Lúcios cair sobre mim, no momento em que agarro sua mão. Por um instante sinto medo de travar, de paralisar no lugar e o medo tomar conta como muitas vezes havia acontecido. Mas Kai não estava ali. Um alívio tomou conta de mim, Kai não estava ali para me impedir, para me fazer travar. Então deixei escapar um sorriso triste em meus laboriosa antes de responder ao príncipe.

— Meu irmão gêmeo Kai é o herdeiro negro.

Contrariando tudo o que eu podia esperar, Austin se levanta do sofá em um pulo e avança contra mim, não em raiva ou ódio, mas em surpresa. Ele pega meus dois braços e arregala os imensos olhos de cinza:

— O pequeno Kai é o herdeiro negro?