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Finn e o rei, que agora eu sabia que se chamava Ogallian, bolariam um plano um tanto quanto... peculiar. Eles usariam o fato de Kai pensar que controla o rei a seu favor, então mandariam informações falsas sobre nossos passos. Kai havia planejado quase tudo, uma coisa nós tínhamos a nosso favor: a fuga de Jasper. Ele não esperava, portanto usaríamos isso contra ele também. Ele não descobriria que Jasper havia nos encontrado e contado de seus planos, logo não saberia que o rei agora estava do nosso lado. Um jogo perigoso, já que ele poderia vir a qualquer momento e dar com um reino reerguido das cinzas por Edwin.

Meu amigo já havia começado seu trabalho, praticamente sumia o dia inteiro se encarregando de visitar os pequenos vilarejos do país, juntamente com o rei Ogallian. Eu e os príncipes treinávamos desde o alvorecer até o sol se pôr, nos arrastando para nossas camas agora no palácio quase desistindo de banhos. Mesmo pra mim era quase tortura me desviar alguns passos do colchão macio pra cair em uma banheira gelada cheia de sabão, ser esfregada pelas criadas que eu mal sabia o rosto por conta da tontura que sentia após o treino. Elas esfregavam o sangue seco do meu corpo e me vestiam, não por vaidade, mas porque eu mal podia ficar em pé sobre minhas próprias pernas sem ajuda. E podia dizer o mesmo dos garotos, não que fosse confortável pensar em Lúcios sendo cuidado nu por duas garotas jovens e habilidosas, mas ele precisava.

Depois de mais alguns meses mandando falsas notícias sobre meu pouco controle de fogo e a falta de habilidade dos príncipes, finalmente nos sentimos prontos pra pensar em uma estratégia real de ataque contra Kai. Nos sentamos à beira do lago que se estendia pela vastidão da floresta atrás do castelo, agora repleto de peixes vivos e outros animais marinhos que a população sentia falta. As árvores farfalhavam cheias de suas folhas verdes, vivas e alegres como todo o reino que Edwin havia revivido. Era um herói.

— Nossa vantagem está em ele pensar que somos fracos, essa vantagem não continuará se chegarmos de surpresa, o rei precisa denunciar nossa partida.

Mergulho meus pés descalços no lago gelado, a água enviando pequenos choques de alívio para minhas coxas inchadas e doloridas, minha coluna quase se partindo.

— Não seria mais vantajoso ainda chegarmos de surpresa? Atacar Kai sem que ele espere?

Jasper se recusa a tirar o tecido que cobre sua boca mesmo com o calor sufocante, e o suor encharcando a máscara. Sua voz sai abafada, entrecortada pelos suspiros em busca de ar, culpa do treino pesado da manhã.

— Se chegarmos de surpresa, Kai acionará as defesas muito rápido, ele não é burro. Vai saber que interceptamos o rei daqui, sem contar que não sente só um país, mas todo o continente. Já deve ter posicionado soldados em cada porto, já deve estar nos esperando. Vestir essa máscara de fraqueza pode ser nossa única chance real de o pegarmos desprevenido.

As mãos de Lúcios deslisam por minha costas, massageando em cada ponto necessário, como se um mapa mental o avisasse aonde pressionar, apertar ou girar os dedões. Eram mãos incríveis. Damian permanecia estirado não grama, Austin havia mergulhado metade do corpo no lago, e apenas Finn permanecia de pé. Nossos treinos eram em duplas, trocávamos até à exaustão, então o treino da tarde com poderes era contra Finn. Contra seu gelo impiedoso e sólido, cujo nem o vento cruel dos irmãos de Lúcios era capaz de deter. Nem meu fogo, nem as montanhas que Jasper erguia com as mãos.

— E quando partimos?

Edwin chega pela trilha que leva até a cidade, um sorriso satisfeito brilhando em seu rosto. Finn apenas franze a testa, sua frase repassa em minha mente, mas é Damian quem questiona, a bochecha amassada contra a grama:

— Se você partir o reino não vai morrer novamente?

— Só seu sangue aqui não bastará Ed.

Austin completa, girando os ombros em alongamento. Seu peitoral infla de dor com o gesto, uma expressão de agonia toma suas feições brutas de guerreiro, mais guerreiro que príncipe.

— Isso... — o sorriso que antes brilhava nos lábios de Edwin some completamente, deixando uma sombra do que um rosto alegre alguma hora foi.— Quer dizer que nunca mais vou ver meu país? Meu povo? Vocês?

A última palavra foi mais uma afirmação que uma pergunta. Sem poder me conter, me levantei em um sobressalto e corri até meu amigo, meu melhor amigo. Com quem eu havia tido péssimos momentos, quem havia me feito rir. Edwin enxergou meu potencial quando todos só viam uma princesa moleca que amava correr descalça, ele viu minha alma. Ele me abrigou e ajudou a me encontrar, abriu meus olhos pra o que eu realmente queria. Eu o queria sempre perto de mim, queria devolver a ele tudo de bom que me havia feito, cada esforço que havia resultado na pessoa que me tornei. Queria mesmo poder levá-lo de volta pra Rithan e colocá-lo em um trono que ele com certeza merecia. Mas depois de ver a forma com que o reino ficou, a forma como ele ficou ao ajudar a todos... um povo grato, era isso que ele tinha ali. Era daquilo que precisava. Eu não ousaria tirar dele. Então me coloquei nas pontas dos pés e envolvi seu pescoço com meus braços.

— Acha que não virei te visitar bobo? Sei que não vive sem mim.

Ignorei a dor muscular e permaneci apertando seu corpo contra o meu. Até que suas mãos hesitantes se ergueram para envolver minha cintura. Ele soluçou, e naquele momento eu soube que a saudade se misturava com o alívio, Edwin havia achado seu lugar. Respirei fundo e deixei que as lágrimas molhassem minhas bochechas. A partir dali, eu lutaria para salvar o meu.

A linhagem do fogoOnde histórias criam vida. Descubra agora