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Os galhos não pararam de me machucar. Não pararam de focar em mim, arranhando e ferindo as solas dos meus pés. Outras pessoas poderiam pensar ser acidente, mas eu não. Nem Lúcios, ou Finn, ou qualquer outro príncipe que soubesse como Kai era meticulosamente manipulador em cada um de seus atos. Como ele era capaz de controlar cada galho da floresta de Elliwe a tantos metros de distância, eu não fazia ideia, mas a prova de sua culpa estava em todas as vezes em que um galho fino acertava as cicatrizes mal curadas, abrindo a pele sensível vagarosamente. Eu odiava ser carregada pelos príncipes, levei a primeira semana inteira para ceder e deixar que Lúcios me levasse em suas costas. Me sentia uma inútil. Não podia mostrar meu verdadeiro poder pra ninguém, nem mesmo para os príncipes ao meu redor. Então suprimi o fogo dentro de mim, e o sufoquei no poço inacabado de poder que repousava em minha alma. Esperando para um dia ser despertado. Kai não tiraria aquele fogo de mim.

— Está bem?

Dois dias. Eu precisava aguentar apenas mais dois dias daquela paparicação inacabável, só até chegarmos em Rithan, conseguirmos apoio do povo e nos esgueirar até Kibtaysh.

— Sim.

Recusei o cantil de água que Finn me oferecia, ofendida pelo excesso de cuidado protetor. Lúcios não era sufocante. Ele me entendia. Caçoava da minha cara mesmo quando eu fazia caretas de dor, me levava ao limite de mim mesma. Ao lado dos outros príncipes eu me sentia sufocada, mas ao lado dele... me sentia forte. Ele me fazia sentir forte.

— Sei que ainda não entende isso príncipe Finn, mas mulheres também tem orgulho.

Com uma risada de escárnio, Lúcios se aproxima e me ajuda a levantar, não me pega no colo, apenas estende a mão. Eu a aceito, ignorando os protestos ao nosso lado. Qualquer pessoa pensaria que ele não se importa, ou que tem preguiça de me levar nas costas, e por isso me faz andar. Mas é ao contrário. Lúcios sabe o quão suprimida e protegida fui a vida toda. Eu era sempre a princesa graciosa, irmã dos lendários filhos do fogo, irmã da linhagem. Sempre fui protegida, nunca de fato me senti o suficiente para ser uma herdeira.

Mas eu era a herdeira. E Kai só conseguiu roubar meu poder de mim, porque eu mesma não acreditava em meu potencial. Lúcios acreditou em mim antes de tudo, ele não tentou me proteger. Pelo contrário, deixou claro que era ele quem precisava de mim, que ele teria vantagem se ficasse comigo, e não eu. Ele me fez sentir poderosa, e eu amo isso. Mesmo quando meus pés ardem, mesmo quando a coluna protesta, eu amo me sentir poderosa ao lado do herdeiro mais forte que conheço.

— Tenho uma ideia meio louca.

Jasper começa, apesar de não ser o melhor planejador em nosso meio.

— Pois diga mascarado.

Damian o provoca, também se levantando de seu lugar na grama como os outros.

— E se... usássemos nossos poderes para atravessar a floresta mais rápido? Perderíamos menos tempo, podíamos chegar até hoje.

Observo o sol no ponto alto do meio-dia. Perdi as contas das estações depois do reino cinza, e em Elliwe as estações não são visíveis.

— Está sugerindo que eu reduza a floresta à cinzas? Para não precisarmos desviar das árvores?

Repouso uma mão na cintura com a indignação mascarando a ironia. Mas Jasper nega, balançando a cabeça de um lado para o outro com convicção.

— Temos três homens aqui que sabem usar o vento ao seu favor. — Jasper encara cada um dos irmãos de Edwin.— Edwin já me fez voar uma vez... será que conseguem?

Lúcios da um passo à frente, colando seu peito em meu antebraço. E a risada divertida que da, faz meu corpo todo tremer em resposta.

— Poderia levar todos nós em apenas uma rajada de vento garoto, não me insulte.

A forma como Lúcios disse garoto, me fez pensar sobre algo que eu nunca havia pensado antes. Sua postura, seu rosto delineado das mais lindas curvas, seus músculos e cicatrizes... quantos anos tinha aquele homem? Como eu nunca havia me perguntado isso? Edwin tinha minha idade, se não me engano Damian e Austin não eram gêmeos, então... Lúcios era pelo menos quatro anos mais velho. Bom... não muito.

— Mas lembre-se, deve poupar poder para nosso encontro com Kai. Sem falar que ele ainda não precisa saber até onde nossos poderes vão .

Finn nos lembra, finalmente guardando o cantil na sacola em suas costas. Ele tem razão. Se passa uma hora de discussão sobre a forma mais eficiente de chegarmos até o outro reino. Meia hora que perdemos de caminhada para descobrir como poupar tempo. Um bom começo. Conversamos até o fim de três discussões inúteis, até Austin levantar o braço exasperado e gritar:

— Eu tenho uma ideia!

Todos encaramos o príncipe, que olhava cada um de nós um por um, a voz repleta da mais pura empolgação conforme explicava:

— Vamos formar equipes, duplas, então faremos uma pequena competição, pra passar o tempo e pra viajar mais rápido. A dupla que chegar mais rápido ganha, e ficarão reconhecidos como príncipes mais espertos, o título os precedira depois da guerra.

Por alguma razão, muito estranha e perturbadora, Finn concordou com os termos . O que fez todos nós concordarmos logo em seguida. Finn já era considerado o mais inteligente, seria o mais esperto também? Não sei como as outras duplas foram decididas, mas a minha foi com um olhar. Um olhar de Lúcios e eu estava em sua equipe, mas não naquele momento. Fora seu olhar naquele navio que me marcou, que me fez ser de sua equipe para sempre.

— Está pronta?

Já havíamos nos afastado dos outros, então não fazíamos ideia de como eles tentariam chegar ao outro lado.

— Pronta para o que? Vamos correr?

Lúcios não responde. Ele apenas se aproxima devagar, e encima a cabeça. As pontas de seus cabelos ondulados fazem cócegas em minha testa, eu as aprecio enquanto sua mão deslisa por minha cintura. Seus braços me prendem contra seu corpo, e não preciso de ordens para erguer os meus e fazer o mesmo com seu pescoço. Seus olhos cintilam, sua boca se abre em um sorriso feroz e lupino.

— Vamos voar.

A linhagem do fogoOnde histórias criam vida. Descubra agora