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Quando terminei a casa nem parecia a mesma. Estava brilhando, desde ao chão até o teto, isso incluindo cada móvel . Depois que minha experiência na cozinha obteve êxito, me animei o suficiente para alastrar minhas chamas por todo o casarão. Adentrei em cômodos mais afastados, talvez com mais coragem do que devia, mas no fim tudo estava limpo.

— Por que essa casa cheira queimado?

É Lúcios quem pergunta, dirigindo um olhar condenador em minha direção. Ignoro o príncipe já me dirigindo ao saco de roupas que Edwin estende pra mim, animada pelos novos tecidos sem cheiro ruim, que finalmente vou poder usar. Agarro o saco e o arrasto até um dos cantos da sala, retirando o primeiro vestido que vejo. É claro, um tom quase sem cor de verde com alças finas e uma saia delicada que desce até a altura dos joelhos. Me apaixono pelo tecido quando o toco, quase hipnotizada o suficiente pra não perceber o ronco de fome que vem de minha barriga.

— Certo, vamos comer, depois nós ajeitamos não casa.

Lúcios leva a bolsa de couro repleta de comida até o balcão da cozinha limpa, e todos nós soltamos um suspiro de alívio quando ele retira o ensopado de dentro de lá, o aroma invadindo nossas narinas.

— Como limpou esse lugar sem... nem uma vassoura?

Finn foi o único que viu a cozinha antes da forma como ela brilhava agora, o único que percebeu a falta do desconforto da sujeira. Lanço um sorriso fraco pra ele deixando que Lúcios empurre uma tijela de sopa em minha direção. Me ocupo em ingerir parte da sopa antes de responder:

— Fogo.

— Ah claro, como não pensei nisso.

As cinzas ainda estavam espalhadas pelo chão, minimamente juntas em pequenos montinhos que consegui formar com os pés. Com um movimento de mãos de Edwin, a porta lateral da cozinha que dá para o jardim se abre, e uma rajada forte de vento lança cada mínima poeira para fora da casa. Agora sim parece uma casa decente.

— Tem algo de errado com as pessoas dessa cidade.

Lúcios começa. Seu joelho se move e toca o meu, fazendo borboletas se agitarem em meu estômago. Controlo a chama desesperada que late em meu coração, e me concentro na conversa que acontece à minha frente.

— Além de darem a casa de graça pra nós, nos deixaram pegar roupas e comida de graça também.

— Eles são cinza. A cidade é cinza, já perceberam?

Edwin complementa. Tento não rir da forma como suas bochechas estão sujas pelo líquido laranja que ele havia acabado de beber, mas minha expressão me entrega, e infelizmente ele percebe o erro, pronto pra limpa-lo.

— Vamos aproveitar ao máximo, também não podemos ficar muito.

— Nossos irmãos provavelmente vão mandar um vento quando receberem a mensagem, até lá vamos treinar duro.

Ergo as sobrancelhas para Lúcios, percebendo que Finn havia entendido tanto quanto eu.

— Mandar um vento?

Lúcios e Edwin trocam um olhar cúmplice, o segundo apoiando a colher de madeira que segurava na mesa pra explicar:

— Controlamos os ventos, então não usamos mensageiros. Escrevemos cartas e mandamos por correntes de vento, só não fiz isso da última vez porque precisava que a carta chegasse com as princesas.

Dou uma última colherada não sopa antes de me colocar de pé com um salto, empurrando o banco de madeira em que me sentava para trás.

— Certo, como fica a divisão dos quartos?

Lúcios diz em voz alta olhando para todos, mas parte de mim quer acreditar que houve uma outra pergunta disfarçada no meio dessa. Dormimos juntos algumas vezes, e não posso negar que adoraria repetir o... acontecimento da noite anterior. Mas não sei se quero dar esse passo, não prestes a entrar em uma guerra continental. Preciso me concentrar.

— Tem oito quartos aqui, quatro de cada lado da casa, e cada um deles é grande e possui uma banheira e biombo. Estão completamente mobiliados com camas e até dosséis, o que me parece ainda mais estranho pra uma casa abandonada.

Explico, me lembrando do susto que levei com as estátuas que ficavam na parte de cima da casa. Era uma mansão, realmente enorme e linda, por que ninguém havia pego ela pra si? Tinha algo a ver com a atmosfera mortífera do lugar?

— Acho plausível que fiquemos do mesmo lado, mais seguro inclusive.

Concordo com a cabeça com a afirmação de Finn, já me afastando pra correr até meu tão sonhado banho. Imaginei que o encanamento da casa poderia estar comprometido, então quando subi até a primeira porta do corredor do lado direito, esperei que a falta de água me obrigasse a descer novamente. Mas não, porque um jato forte de água começou a encher a banheira assim que eu abri a torneira. Alívio me inundou, larguei o saco de roupas que carregava no chão, e corri pra fechar a porta. Mergulhei a ponta dos dedos na água morna, sentindo descargas elétricas de felicidade reverberando em meus ossos. Naquele momento, me esqueci da casa de graça, da comida, roupas e água que nos fora doada com tanta facilidade. Me esqueci do receio é do medo, e apenas me permiti relaxar. Levei algum tempo pra sair da banheira, e quando sai, já vestindo minha nova roupa, Edwin me esperava com os cabelos de cobre completamente encharcados, a roupa trocada, e uma empolgação no olhar.

— Meus irmãos responderam, já estão a caminho, provavelmente daqui alguns dias já chegam.

Sorrio, feliz e nervosa. Conhecer a família de Lúcios é... tão estranho quanto animador. Os quatro sofreram torturas inimagináveis nas mãos do pai, não faço ideia de como lidar com isso. Eles se importarão se eu souber da história? Sentirão raiva quando perceberem que os metemos em uma guerra contra o herdeiro negro?

— Os treinos começarmos amanhã, por hoje vamos descansar

Concordo com a cabeça voltando o olhar para a janela do outro lado do quarto. O sol já estava se pondo... quanto tempo eu havia levado pra limpar toda a casa? Me arrastei até a cama incrivelmente macia, e me permiti afundar, fechando os olhos para absolutamente tudo ao meu redor.

A linhagem do fogoOnde histórias criam vida. Descubra agora