Cinco

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O sol que entrava pela janela me dando bom dia, cegou o homem ao meu lado, que gemeu de cançasso devido às três rodadas da noite anterior. Meu corpo parece ainda mais leve, talvez até ponto pra outra, mas assim que me viro para Lúcios, batidas firmes soam na porta, fazendo eu me enrolar no lençol fino pra não revelar a nudez. Uma cabeça com cabelos da cor de cobre invade o pequeno quarto, revelando o mais puro espanto ao notar o que eu mesma não havia notado... o lençol era curto demais pra mim e pra Lúcios, e já que estava me cobrindo...

— Café da manhã. Vejo vocês lá.

Foi só o que Edwin disse antes de bater a porta apressado. Um arrepio de vergonha me corrói, mas a fome é maior. E como o horário voará o café da manhã é limitado, me levanto e me visto, então nos arrastamos para cima em busca de qualquer coisa comestível. Nos sentamos como sempre na mesa mais afastada, Lúcios ao meu lado enquanto os outros dois príncipes à minha frente. Assim que me sentei, Finn desviou seu olhar, suas bochechas enrubesceram e sua mão tremeu levemente segurando o garfo. Olho para Lúcios, lançando-lhe uma expressão de dúvida, mas é Edwin quem responde:

— Você é barulhenta. E digamos que a parede de seu quarto é a mesma do quarto do Finn.

É a vez das minhas bochechas corarem. A parede. A mesma parede que... não completo o pensamento, porque Lúcios ri ao meu lado. Não uma risada fina, mas uma gargalhada alta. E é tão bom ouvir... Por muito tempo pensei que era a coisa mais linda do mundo. Mas se apagou por um tempo. Eu não havia percebido o quanto sentia falta até aquele momento, quando ele gargalhou. E foi tão lindo, que Finn e Edwin gargalharam também. Encarei aqueles homens, aqueles príncipes fugindo de seu próprio reino. E com uma mão apertando outra decidi que os amava.

A viagem era longa, longamente entediante também, então tivemos que nos misturar pra tentar não chamar a atenção e ainda nos sentir útil. Três semanas, foi o tempo que passamos no mar. Quando o navio atracou no porto, eu já estava acostumada com o enjoo, a comida dura e o excesso de sol.

Descemos na plataforma de madeira sem ter nem ideia do lugar onde estávamos, mas certos de que bastava uma conversa de Finn para que nos situássemos. Enquanto andava descalça pelas ruas escaldantes de pedra não conseguia pensar em nada além de como Edwin era imprudente. Ele não possuía contatos desse lado do mar, muito menos noção de como era. Parecia outro mundo. As pessoas eram cinza, o céu e até as construções possuíam essa tonalidade. Não era como se fosse literalmente tudo em branco e preto, mas dava pra notar nitidamente a tonalidade cinza nas casas, nas ruas e até na pele das pessoas. Pessoas que andavam com o pescoço torto de tão baixos.

— Impressionados com a vista?

Uma garota pergunta desanimada ao nosso lado, os cabelos negros acinzentados amarrados em um coque alto. Finn se aproxima, fazendo uma mesura antes de perguntar:

— Sabe onde encontro algum lugar pra ficarmos por um tempo? Talvez algum quarto pra alugar?

Minha cabeça se vira para Finn, indignada já que nenhum de nós poderia pagar por um aluguel nas condições atuais. Meu olhar desliza dele para a cidade ao nosso redor, onde eu tento buscar algo em que poderia trabalhar pra juntar algum dinheiro.

— Ah, podem morar em qualquer casa desocupada, aqui não nos preocupamos com isso. Se estão em busca de algo afastado, tem uma pequena casa à alguns quilômetros daqui. Posso mostrar.

Edwin e Lúcios se afastam pra tentar cuidar da comida, enquanto eu e Finn seguimos a mulher. Ainda meio receosa de fato de que ninguém naquela cidade aproveitaria de se apossar de uma casa e vendê-la, sigo a mulher ao lado de Finn, pela floresta nada repleta de árvores ao nosso redor. A mata não era densa, as folhas no chão estavam secas, e as poucas que haviam permanecido nas árvores já caíam. Contive um arrepio quando a mata se abriu diante dos meus olhos para revelar não uma casa, mas um casarão negro caindo aos pedaços. Em partes consegui entender o porque de ninguém antes ter reivindicado o estabelecimento, provavelmente por causa dos calafrios que aquela construção causava, como se fantasmas habitassem ali. Me agarrei no braço de Finn quando terminamos de subir os degraus da entrada, passamos pela enorme porta da frente para dar de cara com um salão enorme empoeirado. À primeira vista não parecia nada de mais. Mas assim que cruzamos a porta... senti cada pelo de meu corpo eriçado, como se meus órgãos me avisassem pra fugir dali.

— O lugar é esse. Se precisarem de algo podem pedir a mim, farei o que estiver ao meu alcance. Para favores maiores precisarão contatar o rei.

O rei. Certo. Não me parece tão ruim...

— Muito obrigada.

Finn agradece com uma mesura, e eu podia jurar que senti o olhar morto da mulher ganhar vida por uma fração de segundo. Mas foi só isso, porque ela se retirou e nem sequer olhou para trás antes de desaparecer no meio das árvores altas e magras.

— Eu vou encontrar os meninos, você fica aqui?

Ignorei a voz em minha cabeça me pedindo pra insistir que Finn ficasse comigo, e apenas concordei com a cabeça, determinada a achar algo pra fazer ali. Um aceno de cabeça, e Finn se vai, me deixando só naquela mansão de dar calafrios nos ossos.

Comecei pela cozinha, uma grande porta que separava a sala de estar da cozinha estava quase desabando, então achei melhor tirá-la até termos algo melhor. Busquei por vassouras ou algo do tipo, qualquer coisa que pudesse me ajudar a dar uma mínima limonada no desastre que havia trazido até ratos. Mas então olhei para as próprias mãos... fogo. Fogo purifica, e se o controlador tiver controle o suficiente, pode usar para limpar a casa. Respirei fundo e fechei os olhos, visualizando, sentindo e me preparando. Concentração. Estendo as mãos sobre o chão de madeira altamente inflamável então respiro fundo. Minha mente se torna uma tela em branco, sem nada além daquilo, daquela cozinha. Abro e fecho os punhos com as chamas nascendo entre os dedos, então as libero. E elas consomem tudo o que quero.

A linhagem do fogoOnde histórias criam vida. Descubra agora