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O sol aquecia as folhas que ainda permaneciam nas árvores, escassas demais para nos proporcionar sombra o suficiente. Talvez por isso eu tenha acordado com uma tenda erguida acima de mim, sem saber ao certo onde estava. Meus olhos piscaram para se ajustar ao excesso de luz , ainda ajustando a visão para enxergar todos ao meu redor. Quando me sentei, percebi os príncipes um a um. Finn estava sentado na beira de um pequeno córrego tocando de leve a água, que se congelava aos poucos em lugares específicos, onde peixes se tornavam cubos de gelo logo depois. Edwin e Austin estendiam os braços para o céu, trazendo pássaros com rajadas de vento até nossa direção, enquanto Lúcios e Damian usavam o mesmo elemento para varrer folhas secas ao redor de um montinho de gravetos que provavelmente tinham montado. E Jasper... me encarava com uma tristeza nítida no olhar. A máscara só revelava os olhos, mas era o suficiente pra entender o que sentia. Me levantei devagar, caminhei até onde estava sentado e me juntei à ele, cruzando as pernas debaixo do vestido longo agora surrado.

— O que aconteceu?

O clima era estranho entre nós. Eu o amei, mas o deixei porque a quebra de confiança foi grande demais, em um momento ruim demais. Encarei aqueles olhos azuis-piscina tentando me lembrar de uma época em que não amava Lúcios, mas ele. Era tão recente... com Jasper, foi um processo totalmente consciente. Eu o conheci e amei o mistério de seu rosto coberto, amei seu jeito calmo e misterioso, seu olhar enigmático. Quando ele se abriu pra mim, eu já sabia o que sentia, o que aquilo ia se tornar. E aquilo foi forte, eu realmente me apeguei. Mas quando ele escondeu coisas de mim... foi como ser traída por uma parte de mim. Talvez, tento imaginar como seria se o processo tivesse sido mais devagar. Encaro Lúcios se aproximando. Com ele foi diferente... foi devagar. Eu não percebi logo de início, mas sentia que precisava ficar perto dele. Eu precisava das piadas, dos deboches e das vezes em que ele se ajoelhava aos meus pés, aliviando algo sem sem saber o que aliviava. Eu amava o jeito como ele me fazia sorrir sem nem tentar, como me fazia grunhir de raiva pra disfarçar o que havia entre nós. Quando me dei por mim, já não podia guardar aquilo, quando entendi o que sentia... cheguei a me sentir culpada por ter amado Jasper tão pouco em relação ao amor que agora sentia por Lúcios.

— Conte-nos.

Finn traz um balde que usávamos para limpeza cheio de peixes, o larga em um canto e também se senta conosco, seguido pelos outros garotos. Damian e Austin espetam os peixes já descongelados em espetos de madeira, Edwin se aproxima trazendo o montinho de gravetos nos braços. Assim que o coloca no chão, os toco com a mão flamejante, fazendo chamas nascerem em uma fração de segundo. Cada um de nós pega um graveto conforme Jasper começa a contar.

— Kai é esperto. Ele nos dividiu, fazendo com que fugíssemos separados, com medo de ser apanhados. Mas isso só facilitou. Eu e os príncipes de Kibtaysh fomos pegos pelos guardas que ele já havia chantageado, e presos em Elliwe por um tempo. Ele não fez nada com a rainha, e um tempo depois, descobrimos que não fez nada com Alexander e Arlo também.

Solto um ar que nem sabia estar segurando. Por muito tempo pensei que meus irmaos estavam mortos, pensei que Kai tivesse os matado para ficar mais forte.

— Ele nos transferiu para Kibtaysh um tempo depois, trancou nossos poderes dentro de nós mesmos e nos fez travar... como fazia com você.— Jasper direciona seu olhar a mim, sinto uma pontada de compaixão, afinal conheço a sensação.— Em Kibtaysh ele mantém os exércitos de todos os reinos, mantendo a mentira para os outros continentes de que dominou o continente dourado, ele espalhou que venceu todos nós e agora reina soberano sobre os cinco impérios. Lá também ele mantém Emory, todos os reis e as princesas, incluindo a rainha de Elliwe.

Mais uma pontada de alívio, saber que a rainha que tanto me viu como filha está bem. Mas não para por aí, o olhar de Jasper recai sobre o próprio colo.

— Ele nos mantém presos dentro do castelo com uma barreira de poder, mantém nossos poderes silenciados, por isso tivemos tempo de explorar o local. Achamos um laboratório onde ele havia...— Jasper para para olhar Lúcios nos olhos, e então Edwin, Damian e Austin.— Ele se juntou ao pai de vocês para criar exércitos de pessoas capazes de usar poderes como os dele.

Sinto Lúcios e Edwin cerrarem os punhos ao meu lado, os dentes trincados e o corpo tenso. Jasper espera a tensão passar, ele sabe o problema que o pai deles sempre foi. É Damian quem se exalta e grunhe para Edwin:

— Devia ter matado o desgraçado naquele dia.

Repouso minha mão acima da perna de Lúcios, e instintivamente no ombro de Edwin. Quero protegê-los, todos eles, quero cuidar deles da forma que ninguém pode. Preciso ser essa pessoa pra eles, essa amiga, por que o que eles haviam me contado... aquilo me despedaçou só de ouvir. Não posso sequer imaginar como deve ter sido vivenciar tudo aquilo.

— Ele fez isso porque se esgota muito rápido nos mantendo presos todos os dias durante o dia todo. Foi por isso também que sua barreira enfraqueceu o suficiente pra que eu pudesse passar. E pra completar...

Jasper coça a nuca, nitidamente incerto entre continuar a falar, ou se calar e sugerir uma fuga, mais uma fuga na verdade. Mas ele se decide, e sua voz sai quase como um sopro, abafada pelo tecido que constantemente cobria sua boca:

— Kai tem uma aliança sólida com o rei do país em que acabaram de pisar. Ele sabe cada um dos passos de vocês.

Um nó de desespero se forma em minha garganta, vejo toda a esperança que havia nutrido por meses se esvair entre meus dedos. Meu coração se comprime, penso em Barduc, Isla e Ravi, em como desapareci da vida deles sem nem dar explicação, imaginando a confusão em suas mentes ao acordar um dia com todos os príncipes desaparecidos, menos Kai. Eles confiam nele? Acreditariam em qualquer história que contasse? Afinal, quem não acreditaria? Era Kai, o bom menino ajudados que conquistava o povo com um sorriso.

— O que faremos? Ele tem exércitos, tem tropas e um plano! Nós não temos nada.

Austin enterra o rosto nas próprias mãos, e soluça tanto que chego a pensar se não está chorando. Também sinto vontade de chorar, mas antes que possa deixar escapar alguma lágrima, a voz calma e certa de Finn parece ampliada ao afirmar:

— Temos um ao outro. Somos nosso próprio exército.

A linhagem do fogoOnde histórias criam vida. Descubra agora