26

164 9 0
                                    

Meu aniversário se tornaria uma coroação. E tudo não podia ficar mais sufocante. Passei os dias até a festa, com a cabeça a ponto de explodir. Aulas que eu não sabia que existiam foram encaixadas em minha agenda, tive que aprender coisas como administrar finanças e outras complicações. Me apertaram em tecidos finos e mediram minha cabeça, para a próxima coroa de ouro maciço que usaria. Rainha. A palavra ainda era salgada em minha língua. Não queria ser uma rainha sozinha.

Todas as noites, eu me sentava ao lado da maçã de Lúcios, naquela sala ainda resfriada, e escutava o curandeiro me dizer o quanto ele era forte. Mas eu sabia, Lúcios era a pessoa mais forte que eu conhecia. Então o homem nos deixava a sós, e eu lutava contra as lágrimas enquanto contava a ele meu dia. Não queria sair de perto dele, mas era arrastada para a cama quando adormecia em cima de seu corpo. Cada dia por um irmão diferente.

O dia chegou, e com ele, parte de minha alma se partiu. A esperança que eu nutria, de Lúcios acordar, morria mais a cada dia. Minhas mãos suavam debaixo das luvas, os pés vacilavam acima dos saltos. As enormes portas do salão se abriram pra mim, e tive que me segurar para não deixar meu queixo cair diante do lindo trabalho que Vlad havia feito. Estava lindo, mais lindo que o normal.

A corte esperava nas laterais do grande salão abobadado, todos impressionados com minha aparição. Eu não podia respirar por dentro do corpete minúsculo do vestido vermelho em que haviam me colocado, mas me sentia linda. A calda cheia da saia se arrastava pelo salão, como a base de um bolo recheado. Meus cachos estavam unidos em um coque, exceto por alguns fios rebeldes que caiam pelo pescoço. Aquilo me lembrava a forma como os cachos escuros de Lúcios caiam sobre seu pescoço, do charme que ele emanava com aquelas tatuagens negras subindo-lhe o ombro, até quase encontrar os fios negros. Um frio se inicia em meu estômago, e de repente me arrependo de não ter insistido para que a coroação fosse adiada. Finn e Jasper estão de volta, mas Edwin não pôde abandonar seu país. Sinto um vazio quando passo os olhos pelo salão, me dando conta de que o rosto que quero ver não estará lá.

Respiro fundo, e aceito que Arlo me leve até a outra ponta do salão, onde o ministro-chefe já me espera. Alguns antigos conselheiros de meu pai se colocam ao lado dele, concentrando sua atenção na imensa coroa de rubis nas mãos de Alexander . Meu pai insistiu que ele me coroasse, mesmo estando vivo e presente. Cada passo em direção ao meu destino envia ondas fortes de dor para minha coluna. Meus pés ardem, mas sei que não posso tirar os sapatos agora, preciso resistir. Quando chego ao outro lado do salão, Alex se curva, fazendo menção à se ajoelhar. Sinto que meu corpo todo congela, porque o movimento me lembra Lúcios novamente. Mal presto atenção no que meu pai diz, mal me concentro no movimento de seus braços erguendo o objeto de ouro maciço para depositá-lo em minha cabeça. Só me dou conta do que acontece ao meu redor, quando não sinto a coroa ser encaixada em mim, quando percebo que meu pai parou o movimento pela metade. Meus olhos buscam os seus, mas minha cabeça gira involuntariamente quando percebo que não é pra mim que ele olha. É para o homem que escancara a porta, ofegante. Lúcios.

Ignoro o vestido pesado ao meu redor, o penteado bem equilibrado que não pode cair, e os convidados tão importantes. Desato a correr, rangendo os dentes diante da dor lasciva em meus pés. Os olhos de Lúcios brilham, aqueles olhos de granizo com um toque arroxeado, que permaneceu desde a última vez em que brilhou. Não creio em meus olhos, preciso senti-lo. O caminho parece se tornar cada vez maior, apesar de meus esforços para correr, e não sei se alguém tenta me impedir. Estou focada demais nele, em Lúcios, bem ali... um sorriso surge em seus lábios, e parece uma eternidade desde que vi aqueles caninos bem afiados.

Me esquecendo da dor que ele provavelmente sentia, apenas me joguei contra ele, chocando nossos corpos em um abraço desesperado. Seus cheiro invadiu minhas narinas, quase me fazendo ceder no chão daquele lugar. Apertei meus braços ao seu redor, com medo de que aquilo por algum momento pudesse deixar de ser real. Soltei um som de protesto quando Lúcios me afastou para analisar meu rosto, e só percebi que estava chorando, quando ele secou as lágrimas que escorriam por minhas bochechas.

— Kali...

Lúcios começa, mas não tem tempo de terminar. Porque uno nossas bocas, em um beijo desesperado que esperei por tanto tempo. Sinto seus braços se apertarem ainda mais ao meu redor, as lágrimas dele  começando a se juntar com as minhas. Quando finalmente desgrudamos, pude olhar em seus olhos mais de perto. E notar o círculo roxo tão charmoso ao redor de suas pupilas, o símbolo nítido de seus sentimentos.

— Eu não podia perder sua coroação.

Sua voz sai rouca, mais grave e sensual do que eu poderia prever.

— E acima de tudo...

Seus olhos se desviam para meus pés, e mesmo através do tecido grosso da saia, sinto que ele sabe como dói.

— Não podia deixar que você se coroasse de uma forma que sei que não é.

Lúcios se ajoelhou aos meus pés, e pela milésima vez desde que o conheci, retirou meus sapatos com o maior carinho do mundo. Quando se levantou, decidi que aquilo não seria apenas uma cerimônia de coroação, seria meu casamento também. Depois de declarar em voz alta, voltei a caminhar. Mas dessa vez, com meu marido ao meu lado. O rei.

A linhagem do fogoOnde histórias criam vida. Descubra agora